A Alta Confiabilidade
Por: v.lopes • 8/8/2023 • Ensaio • 5.075 Palavras (21 Páginas) • 123 Visualizações
MUNICÍPIO DE SÃO LOURENÇO DO SUL - RS
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM PSIQUIATRIA
Residente: Vinícius de Oliveira Lopes
Preceptora: Maria Fernanda Penkala
Informantes:
Paciente: Alta confiabilidade – Ângelo
Mãe: Alta confiabilidade- Fátima
Identificação:
Ângelo, 20 anos, solteiro, natural e procedente de São Lourenço do Sul, branco, sem religião, ensino médio completo, média estatura, peso adequado para altura, bissexual.
Queixa principal: “Sinto que não tenho humildade para pedir ajuda, tenho muita falta de atenção, sou meio elétrico demais ...”
História da doença atual:
O paciente é reacolhido em CAPS infantil no dia 26/05/2017, na época tinha 15 anos de idade. Veio acompanhado por uma amiga de sua mãe. Queixava-se de ser muito agitado, sem concentração, com dificuldades na escola (repetiu o 8º ano) e problemas de relacionamento com os colegas. Foi agendado consulta com psicólogo, no entanto, Ângelo não compareceu. Em 17/08/18 volta ao serviço acompanhado da mãe com as mesmas queixas anteriormente citadas. Em 10/10/18 é iniciado o acompanhamento com psicólogo que se estendeu até dezembro de 2021 quando foi encaminhado para avaliação psiquiátrica e possibilidade de iniciarmos psicoterapia.
História pregressa:
A primeira vez que Ângelo foi levado ao CAPS saci foi em 26/09/07, na época com 6 anos de idade, encaminhado pela pastoral da criança em que constava a descrição de “comportamento feminilizado”, “impaciente”. Naquela ocasião, a mãe queixava-se de falta de figuras masculinas na formação da criança. Acompanhou por apenas 3 meses e perdeu seguimento.
História de vida:
Ângelo nasceu de parto normal no dia 06/10/2001, na cidade de São Lourenço do Sul, fruto de uma gestação indesejada. A esta altura Fátima, sua mãe, já possuía outro filho, Ricardo (11 anos mais velho que Ângelo), de um relacionamento com Gregório. Relacionamento esse já encerrado, devido as inúmeras agressões físicas e verbais que ela sofria. Separou-se dele quando Ricardo tinha 8 anos. Conta que tolerou muitas humilhações nesse espaço de tempo, desde espancamentos com socos e tapas até pauladas pelo corpo. Nunca o denunciou. Assim, decidiu voltar a morar na casa de seus pais. Passados 3 anos, Fátima conhece Jonas, um pescador de 27 anos que morava em Pelotas. Ela, então, decide-se mudar para sua casa, pouco tempo depois engravida-se e finalmente chegamos/retornamos ao Ângelo.
Moravam em uma pequena casa com 4 cômodos. Apesar das dificuldades nunca passaram maiores necessidades. Jonas, como de costume, saía cedo para o trabalho e muitas vezes passava dias sem voltar para casa, dessa maneira, Fátima se incumbia dos filhos e dos afazeres domésticos. Ela relembra que Ângelo mamou apenas por 11 dias, não engatinhou e começou a andar com 10 meses. Coincidentemente, quando há o nascimento de mais um filho, Jonas começa a ingestão alcoólica de modo exagerado deixando por diversas vezes a dinâmica da família caótica pois não conseguia cumprir as funções no trabalho e nem em casa. Não ficava agressivo com os filhos ou com a mãe, mas tornava-se quase um morto quando retornava para casa pois apenas conseguia dormir. Pouco a pouco as financias começaram a complicar, Fátima perdia a paciência com frequência pois sentia-se sobrecarregada e preocupada.
Aos 3 anos de idade, Ângelo entra para a escola, mas com a necessidade de Fátima fazer alguns trabalhos gerais, era o irmão (11 anos) que o levava e buscava na escola de maneira que este, servia até certo ponto, de protetor àquele. Era Ricardo quem recebia os bilhetes das professoras deixados na agenda de Ângelo, quem o carregava quando este não conseguia caminhar (eram alguns quilômetros até o destino) e era Ricardo também quem preparava o lanche da escola. Ao mesmo tempo, era o irmão quem lhe dava chutes e sopapos na ausência da mãe, quem lhe tomava os presentes que Ângelo ganhava de Fátima e os quebrava e quem o xingava de todos os nomes quando o irmão mais novo não queria ir à escola.
Foram mais 3 anos de convívio até que certo dia, Jonas liga para casa e diz que não deseja mais se relacionar com Fátima, diz também que não voltará para casa nas próximas 2 semanas pois estava “embarcado” e rendendo um bom dinheiro. A separação chocou mãe e filhos que sem saída, retornaram para São Lourenço do Sul e novamente Fátima retorna para a casa dos pais com os dois filhos.
Tal casa na verdade era mais um conjugado de 3 casas que se comunicavam por um pátio central. Ali moravam os avós (Dona Marta e Seo José) de Ângelo, sua tia e seu primo. Seo José era um cara pacífico, conversador e afetuoso. Já Dona Marta era muito irritada, agressiva e implicante. Muito desse comportamento se dava devido ao diagnóstico de transtorno bipolar que ela possuía pois quase nunca seguia o tratamento correto. Quando isso ocorria ela se tornava agressiva com todos. Ângelo relembra que certa vez ela atirou um vazo de flores na cabeça de Seo José sem mais nem menos e que isso foi a gota d’água para que ele construísse uma outra casa próxima dali só para. Com Fátima também não era diferente, Dona Marta lhe humilhava diariamente com xingamentos absurdos. Ângelo assistia a tudo e crescia em um ambienta, como ele mesmo diz, sem afeto.
Na escola, aos 8 anos começou a sofrer bullying dos colegas, brigava quase que diariamente. Na hora do recreio outros alunos juntavam em turma para lhe bater e ele tinha que fugir ou se esconder. Sentia medo e desinteresse por aquele ambiente. Assim, sempre estava sozinho, sem amigos. Quando a diretora da escola convocava Fátima para reuniões ela nunca ia, relembra ele, pois estava sempre trabalhando ou procurando emprego, ou saindo com outros namorados (eram vários e nunca duravam mais de um ano). Foi nessa época que se despertou em Ângelo um certo gosto por roupas e modos de agir afeminados. Fátima relata que ele gostava de brincar de bonecas, vestir-se como menina, passava e se maquiava como mulher, fantasiava-se de chapeuzinho vermelho. “Por que você gosta de se vestir assim, filho?” e ele respondia: “Não é nada não mãe, é só brincadeira” ria e saia de perto. Além disso, Ângelo começou a ficar muito inquieto, falante demais. “Parece que ele era hiperativo, era chato demais ficar do lado dele porque ele não parava de falar, de andar para lá e pra cá, não conseguia prestar muita atenção nas coisas. De fato, aquele comportamento intrigava e preocupava Fátima que por sinal não parecia ter habilidades suficientes para lidar com a situação, de alguma maneira ela queria reprimir e tentar “consertar” Ângelo. Dona Marta era outras, certa vez esperou Ângelo adormecer, foi até ser quarto e colocou pimenta em seu pênis, quando ele acordou gritando de dor: - “Isso é pra você aprender a virar homem, aqui em casa não mora viado.”
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