Histórias Da "Música Popular Brasileira", Uma Análise Da Produção Sobre O Período Colonial.
Casos: Histórias Da "Música Popular Brasileira", Uma Análise Da Produção Sobre O Período Colonial.. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: manooliveira.22 • 27/8/2014 • 6.943 Palavras (28 Páginas) • 808 Visualizações
Histórias da "Música Popular Brasileira", uma análise da produção
sobre o período colonial.
"O mistério de nossa música é o mistério do Brasil
mesmo, diz-me o que cantas e eu te direi quem és.
Mas nós cantamos tanta coisa e tão
diferentes...Que seremos nós?"
Renato Almeida
Revista Movimento Brasileiro, 1928
Martha Abreu
Universidade Federal Fluminense
I - Introdução
Realizando atualmente uma pesquisa, que procura inventariar e avaliar a
produção de folcloristas e memorialistas sobre "festas, danças e músicas populares”,
entre 1850-1950, localizamos uma importante discussão, comandada por intelectuais
ligados à música, envolvendo as definições e os significados do que entendiam como a
“música popular brasileira”1. Consagrada a partir das décadas de 30 e 40 por Mário
de Andrade e Gilberto Freyre como “a mais forte criação de nossa raça” e “arte mais
totalmente nacional” 2, foi possível perceber que, desde o final do século XIX, já
existiam importantes esforços de valorização e resgate da "música popular",
acompanhando de perto as polêmicas criações sobre o caráter nacional brasileiro.
Se é válida a utilização dos termos “música popular” - e também "cultura popular"
- na pesquisa ou no ensino da História, como costumo defender, estou certa de que é
importante que se aprofunde a História desses conceitos, no Brasil, para que sejam
identificados os juízos de valor, as idealizações, as homogeneizações e as utilizações
político-ideológicas que sempre os acompanharam, tais como local da autenticidade, do
1 Este artigo só foi possível graças à contribuição dos bolsistas de iniciação científica (CNPq), Nívea
Maria da Silva Andrade, Simone Pereira Carneiro, Lenardo da Costa Ferreira, e da bolsista de
aperfeiçoamento (CNPq), Rita de Cassia Paula Pereira, no levantamento bibliográfico e nas periódicas
discussões sobre as várias histórias da música popular no Brasil.
2 Viana, Hermano, O Mistério do Samba, Rio de Janeiro, Zahar Ed., Ed. UFRJ, 1995, p.33.
conservadorismo, da resistência e, no caso em questão, da alma nacional. Ao aprofundar
mais especificamente a história do conceito de “música popular”, pretendo realizar uma
operação que subverte os seus sentidos universais, ahistóricos, ideológicos e políticos
que costumeiramente lhe são atribuídos. Como afirma Nestor Canclini, deve-se
desconstruir as operações científicas e políticas que colocaram em cena o popular3.
O maior objetivo deste artigo é, então, propiciar uma reflexão sobre a existência
de um tipo de produção intelectual, entre o final do século XIX e os anos 20, que investiu
na complicada construção (ou invenção) da versão musical (talvez uma das mais fortes
visões) da suposta identidade nacional brasileira. Esses trabalhos tiveram a singular e
semelhante pretensão de produzir uma síntese histórica da “música popular brasileira”,
definindo-a positivamente e orgulhosamente como um produto da mestiçagem racial de
índios, portugueses e negros. Apesar da pretensão, deixaram evidentes os limites e as
impossibilidades de sistematização e homogeneização das características gerais desta
“música popular”. O resultado do esforço tendeu a ser a reprodução geral da teoria da
mestiçagem sobre uma realidade musical múltipla e multifacetada, demonstrando como o
recurso da "fábula das três raças"4 foi (e é) recorrente também nas construções sobre a
brasilidade musical, o que torna difícil, sem uma boa dose de crítica e atenção, o
aproveitamento destes trabalhos pelo historiador.
Os trabalhos selecionados para análise são: "A Música no Brasil" (1908), de
Guilherme T. P. de Mello, "A História da Música Brasileira", de Renato Almeida (1926),
e "Estudos de Folclore" (publicado em 1933, mas com textos datados de 1928) de
Luciano Gallet.
A grande parte do estudos acadêmicos sobre a História do pensamento social
brasileiro não privilegiou a análise de autores que investigaram a “música nacional”.
Deu preferência aos trabalhos de intelectuais que, preocupados com as questões da
mestiçagem, da herança ibérica, da qualidade da natureza (flora, fauna, terra, clima) ou do
homem em ambiente tropical, sempre em busca das raízes do sentimento nacional, se
dedicaram ao discurso científico (médicos e juristas), à literatura (tais como Sílvio
3 Canclini, Nestor, Culturas Híbridas, Edusp., São Paulo, 1997, 205-254.
4 Ver Schwarcz, Lilia, Complexo de Zé Carioca, notas sobre uma identidade mestiça e malandra. In: Novos
Estudos Cebrap, São Paulo, Ed. Brasileira de Ciências.
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