QUAL A RELAÇÃO ENTRE POBREZA E MEIO AMBIENTE? Evidências e Reflexões desde uma Perspectiva Multidimensional do Bem-estar Humano
Por: Nando Tavares • 4/3/2016 • Artigo • 9.706 Palavras (39 Páginas) • 1.066 Visualizações
QUAL A RELAÇÃO ENTRE POBREZA E MEIO AMBIENTE? Evidências e Reflexões desde uma Perspectiva Multidimensional do Bem-estar Humano
Esmeralda Correa[1]
Resumo
Este artigo visa analisar e caracterizar as relações entre pobreza e meio ambiente. Discutem-se os processos pelos quais os seres humanos podem ser beneficiados ou prejudicados em seu bem-estar pelo estado dos recursos naturais e dos serviços dos ecossistemas. A integridade do meio ambiente pode oferecer à pessoa a oportunidade de estar bem nutrida, de desfrutar de boa saúde, de sentir-se segura, bem como permite a diversificação dos meios de subsistência e a continuação de tradições e culturas. Porém, quando os recursos naturais são degradados os impactos podem ser em termos de morbidade e mortalidade por doenças infecciosas transmitidas pela água ou por vetores como o mosquito que transmite a dengue e a malária. Outros impactos podem ser a falta de segurança perante eventos extremos do clima, como inundações, tormentas ou secas. De forma geral todos os seres humanos dependem do meio ambiente e podem ser afetados pelas mudanças que ocorrem neste, porém, são as populações pobres as mais prejudicadas. As pessoas pobres são mais vulneráveis a mudanças no ambiente devido a aspectos como: i) maior dependência dos recursos naturais para viver; ii) maior exposição a desastres ambientais, já que se concentram em locais geográficos de maior risco de eventos extremos do clima ou em zonas com maior insustentabilidade ambiental; iii) maior vulnerabilidade por interações com aspectos sociais, políticos e econômicos relacionados a restrições no acesso a serviços públicos de água potável, saneamento básico, cuidados de saúde, acesso a educação, condições precárias de habitação e infraestrutura, entre outros. Dessa forma, percebe-se que os elos entre a pobreza e o meio ambiente podem ser múltiplos e complexos e requerem que sejam investigados para que politicas adequadas sejam adotadas. Assim, através da investigação sistemática de dois corpos de literatura (ambiental e de desenvolvimento humano), bem como da análise estatística e de um modelo econométrico com dados em painel, pretende-se identificar e caracterizar as relações e os processos pelos quais as condições do meio ambiente podem privar dimensões importantes do bem-estar humano. Este artigo baseia-se na Abordagem das Capacitações fundamentada por Amartya Sen, a qual permite reconhecer a pluralidade de dimensões na avaliação do bem-estar, o qual inclui as diversas formas em que as pessoas dependem dos recursos naturais para viver, assim como as oportunidades que estes oferecem para expandir ou restringir as capacitações dos indivíduos.
Palavras chaves: pobreza, meio ambiente, bem-estar humano.
- Introdução
A compreensão das relações entre pobreza e meio ambiente (doravante P&M) constitui uma demanda acadêmica e uma exigência para alvo de política ambiental e social. Embora recentemente já existam alguns elementos nessa linha, especialmente por iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), no que se refere à implementação de mecanismo de seguimento em matéria ambiental dentro dos “Poverty Reduction Strategy Papers (PRSPs)” para países pobres, ainda continua sendo pouco compreendido como os recursos naturais são parte fundamental da formação do bem-estar dos indivíduos, e como podem, em caso de serem fragilizados, constituir uma ameaça para a ampliação da pobreza humana.
O bem-estar humano é completamente dependente dos sistemas do meio ambiente para evitar privações como a desnutrição, a mortalidade infantil, doenças respiratórias e doença como a malária. Ademais, o meio ambiente pode ser responsável pela diversificação dos meios de subsistência e pela continuação de tradições e culturas.
Toda pessoa depende dos recursos naturais para alcançar seu bem-estar, porém, são as pessoas pobres que dependem em maior proporção destes para cobrir suas necessidades, pois parte dessa população encontra-se localizada nas áreas rurais. As pessoas pobres são mais vulneráveis às mudanças que ocorrem nos ecossistemas, devido a que vivem em zonas marginais e de alto risco, encontram-se ameaçados constantemente por inundações, secas e deslizamentos de terras, com pouca ou nenhuma infra-estrutura física para a provisão de água potável, saneamento básico e oferta de alimentos.
Os nexos P&M podem ser verificados nos impactos da degradação dos serviços dos ecossistemas nos diferentes constituintes do bem-estar. Uma análise preliminar dos elos sugere a provisão da água como um mecanismo importante para a sobrevivência dos seres humanos. Os recursos hídricos são indispensáveis para o sustento da vida humana, para os animais, para a agricultura, e em geral, para o sustento dos ecossistemas e do meio ambiente. Com a contaminação da água propicia-se a propagação de doenças, sendo este, o principal vetor que gera a maior mortalidade infantil dentre todas as causas (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD, 2006). Assim, tanto a poluição quanto a escassez dos recursos hídricos estão relacionados com a deterioração do estado de saúde da população e da limitada qualidade de bem-estar humano. Além disso, em vários países em desenvolvimento ainda existe parte da população com limitado acesso aos recursos hídricos, sendo necessário percorrer grandes distâncias até as fontes de abastecimento, geralmente realizada por mulheres em companhia das crianças, e, em especial, das meninas (PNUD, 2006). Portanto, a pobreza vinculada à deficiência dos serviços dos ecossistemas, como os oferecidos pelo recurso água, pode apresentar maior peso sobre as mulheres. Além do mais, a pobreza ligada aos ecossistemas pode contribuir à privação de ser adequadamente educado, já que as crianças são retiradas das escolas pela obrigação na procura da água.
Existem algumas evidências dos elos P&M, no entanto, é importante que se reconheça o processo pelo qual as relações P&M se configuram, identificando como as privações humanas podem surgir devido à fragilidade do meio ambiente e que aspectos podem potencializar essas relações. Sobre isso, deve-se considerar aspectos de vulnerabilidade com respeito a: i) sensibilidade, relacionado com o grau de dependência na agricultura e nos serviços dos ecossistemas; ii) exposição, que se refere à maior concentração de pessoas pobres em locais geográficos de maior risco de eventos extremos do clima ou em zonas com maior degradação ambiental; iii) vulnerabilidade devido à deficiência em interações sociais, econômicas, políticas, entre outras, que impedem o acesso a serviços públicos como água potável, saneamento básico, acesso a educação e cuidado de saúde, acesso à informação e ao seguro de proteção social. Tendo em conta esses aspectos, uma pessoa considera-se mais vulnerável em seu bem-estar a mudanças ambientais quando, por exemplo, apresenta maior exposição a eventos extremos do climáticas, quando depende em maior proporção da agricultura ou quando tem menor acesso a água potável.
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