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RODRIGO CARVALHO

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Por:   •  8/12/2014  •  Tese  •  2.029 Palavras (9 Páginas)  •  330 Visualizações

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Émerson Maranhãoemerson@opovo.com.br

RODRIGO CARVALHO

Barceló expôs seus trabalhos no Brasil em três ocasiões. A primeira em 2000, no Museu de Arte de São Paulo; e a segunda em 2003, na Pinacoteca de São Paulo. A terceira é esta exposição, que passou por São Paulo e Rio de Janeiro antes de Fortaleza

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A cúpula da Câmara dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) é, no mínimo, surpreendente. Em grande escala, milhares de estalactites coloridas reproduzem uma gruta invadida pelo mar violento. A obra, inaugurada em 2007, chegou a ser comparada com o trabalho realizado por Michelangelo na cúpula da Capela Sistina e é um dos pontos altos da carreira de seu autor, o aclamado artista plástico espanhol Miquel Barceló.

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Durante sua rápida passagem por Fortaleza, onde inaugurou uma exposição com suas obras, Barceló falou, com exclusividade, ao O POVO sobre suas referências estéticas, seu processo de criação, seu apreço pela falibilidade e o contraponto que seu trabalho faz ao que define como “colonização da tecnologia.

O POVO - Como se dá o seu processo criativo?

Miquel Barceló - Tenho oficinas em Mallorca (Espanha) e oficinas em Paris (França). Em Mallorca tenho uma oficina de pintura e uma de cerâmica. Em Paris, tenho uma oficina de escultura e uma de pintura. Sempre que posso, tento não saber o que vou fazer. Sabe, gosto muito de, pela manhã, decidir... Não ter um projeto prévio. Gosto de poder começar algo e mudar de ideia. Gosto do improviso e do acidente. Por isso em minhas oficinas tenho uma sala para aquarelas, uma sala para litografias, uma sala para... E posso começar em uma e depois ir para outra. Meu dia perfeito é assim (risos). E posso trabalhar 15, 20 horas, muitas horas assim. Incluindo assistir a um filme, pintar um retrato, receber um amigo... Tudo isso faz parte. Eu gosto de viver e eu vivo em uma oficina. Sabe, eu não vou trabalhar em uma oficina. Eu vivo numa oficina.

OP - O senhor trabalha com diversos suportes, como disse há pouco. Como se deu esta opção de se expressar através de suportes diferentes?

Miquel - Bem, eu comecei como pintor, e me defino como um pintor. Mas, quando eu cheguei aos 30 anos foi quando a realidade virtual foi se impondo. E a pintura, e todo o mundo, digamos, artístico foi desaparecendo da realidade física, sendo substituída por uma realidade virtual. Então, eu acredito que minha resistência a isto é usar outros materiais, sabe, como argila, papeis... Eu acredito que isso amplia o espectro da pintura. Um pouco para demonstrar sua própria natureza, porque agora estamos cercados por coisas virtuais, coisas que não são o que parecem, são só impressões. Eu gosto do fenômeno físico. Porque acredito que vivemos num mundo que cada vez mais é um embuste, uma farsa. O sexo é uma tela. O prazer é um impulso eletrônico, sabe? (Risos) Estamos vivendo cada vez mais uma colonização da tecnologia. Então, acredito que a arte, ou a minha arte pelo menos, é um pouco uma resistência a esta colonização.

OP - Vários de seus trabalhos se constituem em cima de momentos únicos, que não são possíveis de repetição. O senhor persegue este “momento único” na arte?

Miquel - A pintura é um momento único! É disso que se trata, se não for um momento único não tenho nenhum interesse, se for algo contínuo. Eu gosto desta ideia de que não seja repetível nunca, como a vida. A vida é um momento único! Então, isto me interessa, está relação. Eu acho que a pintura sempre foi assim, não é algo novo. Mas agora é raro, apesar de não ser novo.

OP – Um de seus trabalhos mais impactantes é a performance Paso doble, que o senhor executou com o coreógrafo Josef Nadj. O curioso é que performances também são momentos que nunca se repetem. Existe uma preocupação com o tempo no seu trabalho?

Miquel - Sem dúvida, é quase o tema principal. Mas minha condição para esta performance era que se sentíssemos que ela se repetisse, nós deixaríamos de fazer. Porque enquanto fabricássemos algo novo, teria sentido. Se se convertesse numa representação, perderia o sentido. Não é uma representação, é algo que acontece. E que nos excita porque acontece algo que não havíamos visto antes. Se repetirmos algo que já sabemos, não tenho interesse. Este era o meu critério para a performance. Eu não sou um artista de performance. Esta foi uma experiência única, e muito cansativa (risos). Me propuseram muitas vezes fazer mais, mas estou muito ocupado com minhas pinturas, sabe? Uma performance exige muito do meu tempo, tenho que sair de minhas oficinas, ir a muitos lugares... Prefiro pintar em minhas oficinas a fazer performances.

OP - Muito do seu trabalho é realizado a partir do que, para olhares clássicos, seriam falhas. A falibilidade é uma presença muito forte em sua obra.

Miquel - Sim, sim. Exatamente isso. Perfeito.

OP - Qual a razão desta referência tão marcante?

Miquel - Faz muito tempo, eu comecei a perceber que as rachaduras, aquilo que se consideravam defeitos, eram o que mais me interessava. Eu, por sorte, tenho muitos defeitos (risos). Pude fazer comigo uma espécie de modus vivendi (risos). Exatamente porque aquilo que alguém controla está morto, por isto não tenho interesse, sabe? Já o que muda, o que não controlas, aí existe algo, há uma coisa que vai me interessar. E eu acredito que artistas que eu admiro, como (Pablo) Picasso e (Joan) Miró, faziam o mesmo. Eles sempre buscavam o pequeno lugar onde havia algo, a pequena rachadura, o pequeno acidente. Miró sempre dizia que buscava um pequeno acidente e deste pequeno acidente nascia o Cosmos. E eu tenho seguido muito estes conselhos, pelo menos é a minha intenção. Alguém me disse que na China as rachaduras, sabe as rachaduras das cerâmicas?, são consideradas maus presságios (risos). Então, teriam que destrui-las todas, porque não há nenhuma que não tenha uma ranhura, assim como é a vida. A vida está cheia de rachaduras, de rugas, de fendas, não? A vida real. A vida que não tem falhas, rachaduras é a virtualidade, a realidade virtual, que não é meu trabalho.

OP - Como o senhor falou há pouco, seu trabalho se opõe à realidade virtual, faz contraponto...

Miquel - Não só à realidade virtual, mas há uma realidade que é um ersatz (expressão alemã usada para apontar a inferioridade ou qualidade insatisfatória da substituição) da realidade. Eu gosto da tecnologia, eu a uso muito. Não sou contrário à tecnologia, sou contrário à substituição da realidade por uma cópia sem vazios, sem furos. Este é um problema para mim. A tecnologia é muito interessante. O problema não é uma nostalgia da era pré-tecnológica. O problema é que agora pensamos que conhecemos uma obra de arte quando o que conhecemos é uma foto feita de um aparelho celular. Arte não é isto. O sexo não é o que acontece na tela de um computador. Isto é muito pobre! É uma substituição. E eu gosto das coisas reais, não das substituições.

OP - Como o senhor escolhe o suporte para cada trabalho seu?

Miquel - É muito intuitivo. Existem materiais que intuitivamente eu sei que irão me interessar. É um processo muito sexual. Eu escolho o material pela empatia física que eu tenho com ele, como uma pele.

OP - Como foi o processo de criação da Cúpula da Câmara de Direitos Humanos da ONU?

Miguel - Foi gigantesco! São 50 metros de diâmetro, mais de 1.500 metros quadrados. Então, foi muito difícil encontrar... Porque tivemos que fazer maquetes e projetos técnicos para ampliar este material numa escala tão grande. Quando comecei a fazer, naquele lugar tão gigantesco, tive que fazer muita pesquisa para encontrar o material adequado. Foi muito divertido. Durante seis meses foi um fracasso total (risos). E depois de seis meses, finalmente começou a funcionar e eu comecei a fazer a obra. Foi muito intenso, mas eu pensava: “O fracasso é um direito do artista também”. Eu não posso garantir, como um arquiteto, que a obra vá acabar. Eu não sou um arquiteto. Eu sou um artista e o fracasso pode acontecer. Então, eu dizia para mim mesmo: “Se não funcionar, devolverei o dinheiro, mas não posso garantir nada”. Por sorte, depois de seis meses encontrei como (executar a ideia) e funcionou.

OP - Quanto tempo durou a obra?

Miquel - Um ano inteiro.

OP - Como o senhor teve a ideia de usar um jatos de cimento para executar a obra?

Miguel - Este projeto começou como uma pintura. Depois, quis algo muito maior. E nos reunimos com engenheiros. Até definirmos tudo, foram muitos brainstormings com engenheiros e alguém propôs um enorme compressor de ar que abastecesse um projetor para lançar jatos, que pudesse lançar algo mais pesado, viscoso, e era isto que eu estava querendo. É incrível, porque ele lançava, me parece, 500 quilos por segundo. Fizemos 60 mil quilos de pintura, você imagine!. Incrível! Era até fisicamente perigoso, mas fabuloso. Não posso esperar que no Brasil alguém me encomende uma obra grande assim, para poder sentir isto outra vez (risos). Tenho muita vontade de fazer algo assim, desmesurado. Foi muito divertido. Mas foi intuição! Eu nunca havia feito, ninguém nunca havia feito. Não poderíamos saber se funcionaria ou não. E no primeiro dia não tínhamos uma maquete para testar, tivemos que testar direto no lugar (na Cúpula). Mas em seguida, vi que funcionaria. E funcionou.

OP – Quais são as suas influências estéticas?

Miquel – Seguramente, a história da pintura ocidental é muito importante, sempre. A África foi muito importante. Picasso, sem dúvida, Miró... Mas o fato de ter vivido na África tanto tempo faz dela uma grande influência. Agora, vendo em perspectiva, percebo que quase tudo que faço vem, mais ou menos, desta grande experiência de trabalhar tantos anos na África.

OP – Quanto tempo o senhor viveu na África?

Miquel – Desde 1988 a 2007. São muitos anos... 19, 20 anos. Tenho sorte de estar vivo, porque muita gente morria na África.

OP – Por que o senhor foi morar na África?

Miquel – Eu vivia em Nova York (EUA). E em Nova York, no final da década de 80, eu era amigo do Jean-Michel Basquiat... Meus amigos estavam todos morrendo de Aids ou de drogas.... E era uma sensação de fim de algo. Eu precisava mudar de ares. Eu acredito que fui à África para sobreviver.

OP – Por que a África especificamente?

Miquel – Eu não sabia nada da África, não foi planejado. Eu fui para deserto, para o Saara. Eu queria ir para um lugar vazio. Depois do Saara eu encontrei a África e a África me interessou muito... A cultura, a música, o povo, tudo. E aí eu fui ficando. Até passar 20 anos (risos), por muitos motivos distintos. E aí comecei a trabalhar com cerâmica, com outros materiais, com cupins...

OP – Cupins, os insetos?

Miquel – Sim. Fiz muitas obras com cupins. Deixava os quadros de madeiras, para que eles comessem, fizessem buracos, e depois pintava sobre. Usava os cupins como material, como parte do processo.

OP – Eram co-criadores?

Miquel – Elas criavam comigo sim. Trabalhavam 24 horas por dia, sete dias por semana (risos).

OP – O cinema influencia seu trabalho?

Miquel – Sim. Quando eu era mais jovem, ia ao cinema todos os dias.

OP – Qual cinema lhe interessa?

Miquel – Eu vivo em Paris porque, seguramente, entre outras coisas, é a cidade do mundo com mais salas de cinema. E tem telas grandes. Eu gosto de ir a cinemas com telas enormes. O último filme a que eu assisti e que gostei muito é de (Nuri Bilge) Ceylan, um diretor turco. O nome do filme é Winter Sleep, algo como “Sonho de Inverno” em português. Deste diretor eu estou gostando muito atualmente. Também gosto muito de (Andrei) Tarkovsky (cineasta russo). Os filmes de Andy Warhol (artista plástico e cineasta norte-americano) eu gosto muito. Criei muito assistindo a eles. Sim, realmente gosto muito de cinema. E gosto de Glauber Rocha, vi muito.

OP – Do que trata sua arte?

Miquel – Da vida, não? Sim, da vida da morte, como um todo. Como toda arte (risos). Toda arte trata do mesmo. Sim, da vida, da morte e do espaço que há entre elas.

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