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A Gastronomia Tradicional

Por:   •  21/3/2017  •  Artigo  •  1.035 Palavras (5 Páginas)  •  467 Visualizações

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE

TECNÓLOGO EM GASTRONOMIA

ALIMENTOS E IDENTIDADE REGIONAL

RECEITA DE FAMÍLIA

JAIR S K FILHO

PORTO ALEGRE, JUNHO DE 2015

A receita que escolhi para esse trabalho é o charutinho de folha de uva da minha avó materna. Este é um prato sazonal, feito várias vezes durante a época do ano em que as folhas estão novas e tenras. É um prato típico do Mediterrâneo Oriental em geral, e da cozinha sírio-libanesa em particular. Foi da Síria que vieram os pais da minha avó (a mãe veio antes, com 8 anos, acompanhada da avó da minha avó, e o pai veio alguns anos depois, aos 18, sozinho), para se estabelecerem em Porto Alegre, e aqui que nasceram seus quatro filhos.

Ela conta que a comida árabe era consumida diariamente em casa, sendo preparada sempre por sua mãe, e que comiam os charutinhos igualmente no período em que as folhas estavam disponíveis – aparentemente a ideia de conservá-las nunca foi aventada. De certa forma, o ritual de buscar e coletar as folhas, em casas e calçadas de ruas vizinhas, faz parte do preparo da comida hoje como fazia há setenta anos. E todo ano se repetem as conversas acerca desta procura, das incertezas sobre estarem “no ponto” ou não e até das conversas com vizinhos mais reticentes ao descobrirem que as folhas são comestíveis.

No que se refere ao preparo, os ingredientes principais são mantidos. Tal qual a mãe dela, minha avó prepara o recheio com arroz, carne e tomate crus temperados com sal, hortelã, cebola, alho, salsinha e limão. A receita original levava também pimenta síria e, eventualmente, pimentões vermelhos, ambos retirados para agradar um maior número de pessoas na casa, e não a cozinheira.

Nos dias de charutinho, as atividades começam mais cedo. As folhas são lavadas e branqueadas, depois selecionadas, separando as muito pequenas para forrar a panela e separar as diferentes camadas. As outras são cortadas ao meio, quando muito grandes, ou mantidas inteiras. Enrolar cada uma das peças é um trabalho repetitivo e meticuloso: abre-se a folha, coloca-se a quantidade precisa de recheio na parte exata, enrola-se uma ponta, fecham-se as extremidades, tudo encerrado com uma leve apertada para retirar o excesso de líquido da folha.

De maneira geral, todas as refeições com comida árabe em casa são a oportunidade para minha avó relembrar histórias de pequena, das conversas ininteligíveis em árabe mantidas pelos pais, quando estes não queriam que os filhos participassem, das brincadeiras e molecagens – e as consequentes surras sofridas, dos parentes que perderam contato, das lembranças boas e arrependimentos. É o ambiente mais propício para que todos fiquem à vontade, e eventualmente conversas mais sérias, suprimidas em outros momentos, surgem. Sempre à volta da mesa, na mesma cozinha que há mais de quarenta anos está lá, no mesmo lugar.

Para a cozinheira, cabe destacar, ao contrário de muitas mulheres da sua idade, a culinária só apareceu mais tarde, e meio à contragosto. Desde cedo trabalhando fora, como secretária e depois feirante (profissão que exerceu até a aposentadoria), só cozinhava nos dias de folga, e frequentemente a comida árabe – aprendida com a mãe - fazia parte do cardápio. Quando passou a cozinhar mais dias na semana, buscou cursos e livros para conhecer outras técnicas e preparos e poder diversificar o cardápio.

Tal contragosto, aliás, aparece frequentemente nos comentários cotidianos, sobre não saber mais o que fazer; mas, nos dias de preparos tradicionais, os assuntos mudam. Ainda assim, ela não vê o trabalho de fazer a comida como algo necessariamente positivo, e na primeira vez que me sentei com ela pra aprender a fazer os charutinhos, quando me dispus a enrolar e fechar todos, escutei um “me dá pena”, pela tarefa considerada cansativa e desinteressante. Nesse sentido, é uma experiência ambivalente: ao mesmo tempo que cozinhar não aparece como um valor em si, e eventualmente é inclusive encarado como uma espécie de retrocesso, o cozinhar comida árabe é uma forma de ligar-se ao passado, aos pais (mortos há muitos anos) e à infância.

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