AI-tocracias: Como Tecnologia e Autocracia Interagem
Por: firlomorze • 15/9/2022 • Resenha • 1.024 Palavras (5 Páginas) • 76 Visualizações
AI-tocracias: como tecnologia e autocracia interagem
Filipe Campante
A democracia tem enfrentado um momento de desafios e incertezas ao redor do mundo, no que vem sendo denominado “ recessão democrática”. Pela primeira vez em algumas décadas, desde o “fim da história” descrito por Francis Fukuyama (e incompreendido por muitos) há quase 30 anos, não está claro se o futuro pertence à democracia liberal, ou a alternativas autoritárias.
Em particular, o crescimento sem precedentes da China trouxe à baila a possibilidade de que um modelo autocrático ofereça um dinamismo econômico superior. Se isso pode se sustentar de modo duradouro é uma questão em aberto, e há razões para ceticismo a despeito do que preconizam os entusiastas do modelo chinês e de sua ênfase no planejamento estatal. No entanto, há algo novo que pode vir a criar uma vantagem econômica para regimes autocráticos: a tecnologia da inteligência artificial.
Para entender esse elemento novo, cabe primeiro reconhecer o já sabido: se há algo que os economistas aprenderam ao longo do estudo do desenvolvimento econômico, é que o crescimento de longo prazo depende da inovação tecnológica. É possível crescer por algum tempo com base na acumulação de insumos – adicionando máquinas, construindo fábricas, trazendo mais gente para o mercado de trabalho. Isso, porém, em algum momento encontra limites: fica cada vez mais caro produzir mais simplesmente comprando mais máquinas ou contratando mais gente. Continuar crescendo requer fazer mais e melhor com os mesmos insumos, e é isso que a inovação tecnológica faz.
Há fartos exemplos de regimes dos mais variados que cresceram por algum tempo com base na acumulação pura e simples. Mesmo a União Soviética logrou uma industrialização acelerada nesses termos, antes de colapsar sob o peso da ineficiência de seu sistema econômico. Os chamados “tigres asiáticos”, como mostrou o economista Alwyn Young nos anos 1990, também obtiveram seu sucesso inicial em larga medida por meio dessa estratégia.
O desejo por controle político cria a demanda e provê os insumos para a inovação tecnológica em inteligência artificial, e essa inovação consolida o controle político
Mas inovar requer ideias, e aí o buraco é mais embaixo. É preciso garantir que aqueles que tiverem essas ideias possam colher seus frutos, o que requer uma proteção aos direitos de propriedade de uma camada ampla da população. Isso porque quanto mais gente tentando descobrir novas e melhores maneiras de produzir, mais ideias serão geradas, e mais prosperidade.
- aí que regimes autocráticos tradicionalmente falham. Eles são, por definição, mais fechados, e portanto limitam quem tem acesso aos recursos e à proteção de seus direitos. Da mesma forma, eles tendem a não lidar bem com a instabilidade inerente a esse processo: a inovação sacode o marasmo e reorganiza os recursos dentro da sociedade. Isso a torna arriscada aos olhos de quem quer preservar o status quo e seu próprio poder político e econômico.
As democracias liberais, por imperfeitas que sempre tenham sido, criaram um ambiente mais adequado para processar essa dinâmica de forma positiva. Talvez por isso, a evidência empírica mais recente, ainda que não inteiramente livre de controvérsia, apontava para um efeito causal positivo da democracia sobre a prosperidade econômica.
Mas e se uma determinada tecnologia, por alguma razão, trouxer em seu bojo uma maior
harmonia entre os desígnios autocráticos e os incentivos à inovação? É exatamente essa a possibilidade aventada pelo trabalho recente de um grupo de economistas (Martin Beraja, Andrew Kao, David Yang e Noam Yuchtman), com relação a um dos segmentos mais tecnologicamente dinâmicos nos dias de hoje: a inteligência artificial.
O primeiro elemento nessa conexão entre inteligência artificial e autocracia (uma “AI-tocracia”, no trocadilho com a sigla em inglês) vem do fato de que essa tecnologia tem enorme potencial de facilitar o controle social e político tão desejado por regimes autocráticos. O exemplo mais claro está nas tecnologias cada vez mais avançadas de reconhecimento facial, que podem ser usadas para reconhecer e intimidar potenciais dissidentes.
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