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Zoé

        Você já imaginou quantas mentiras lhe foram contadas ao longo da vida? Não importa quantos anos você tenha, você já acreditou em pelo menos uma. Minha vida até os 18 anos foi uma mentira, mas uma boa mentira, acho melhor eu lhe contar a história do começo porque esta começando a ficar confuso e não sou muito boa em explicações, nem com datas, por isso não verá algo do tipo “na tarde do dia quatro de agosto de mil novecentos e bolinha”.

        A princípio, perdoe minha memória um tanto quanto falha, ás vezes faço questão de esquecer algo e com isso as lembranças empregnadas com esse algo vão juntas. Meu nome é Zoé, eu sei que não é um nome muito comum, mas eu gosto dele e admita há um charme a mais em ter um nome pouco usual, você já nasce de certa maneira especial.  Cresci no Brasil e não, não é carnaval o ano inteiro, pra ser mais específica em Brasília, mas isso não importa. Fui criada pela Clara e o Miguel, são pais maravilhosas, Clarinha era funcionária do governo e Miguel professor portanto cresci com bastante conforto. Devo lhe informar que a Clara morreu semana passada. O Miguel  ta bastante triste e ainda não parou de chorar, desculpa dar notícias tão tristes mas são necessárias. Antes de morrer Clara escreveu duas cartas, uma para mim, outra para o Miguel. A minha dizia assim:

“Querida Zoé, sei que se orgulha dos pais que tem e nós nos orgulhamos da educação que demos à você.  Lutei 3 anos contra a doença mas acho que ela venceu, nem todo mundo se regenera como aquele cara maravilhoso dos filmes.  Obrigada pela sua primeira palavra ter sido “mamãe”, obrigada por compartilhar seus risos comigo e seus medos, obrigada por fazer compras comigo no shopping, obrigada por explicar as gírias dos jovens de hoje e obrigada por todo amor que me deu. Zoé eu te amei, eu te amo e sempre vou te amar minha querida, nunca duvide disso.

        Minha querida, queria lhe contar isso pessoalmente mas acho que não terei tempo, por favor me entenda, não lhe contei antes por medo de me rejeitar. No ano de seu nascimento houve um maremoto que deixou milhares de pessoas feridas e outras milhares mortas.  Encontrei o Miguel sentado ao lado dos escombros de uma casa chorando muito, eu fazia parte do grupo de pessoas destinadas a ajudar. Miguel mesmo sujo, chorando, molhado e com as roupas rasgadas era o homem mais lindo que já vi em toda a minha vida, eu o chamei e ele me olhei com aqueles olhos claros e eu senti que nada no mundo fosse me deixar mais feliz do que acordar todos os dias olhando para aqueles olhos, no colo de Miguel havia você, berrando por um  pouco de comida, você não fazia ideia do que estava acontecendo ao seu redor, não havia mais casas perto da praia, corpos espalhados pelo chão, crianças sozinhas, pais chorando a morte de seus filhos e o mar finalmente calma como se a culpa não fosse dele, pronto para receber todos novamente de braços abertos. Acho que a essa altura você já percebeu que não é minha filha, eu tirei vocês de lá e me apaixonar tanto por Miguel quanto por você, uma criança birrenta, chata e totalmente maravilhosa. Quando a cidade acalmou e começaram a reconstruir tudo, os muros, as casas, as vidas, Miguel e eu já namorávamos e você já era oficialmente minha filha. Nunca imaginei que me dispondo a ajudar aquelas pobres pessoas vítimas de uma tragédia horrível encontraria os dois amores da minha vida. Seu pai e eu nos casámos três anos depois, você tinha quatro e foi nossa dama de honra, parecia uma bonequinha. Eu e Miguel concordamos em nunca lhe contar isso, porque você era realmente minha filha, eu sentia isso dentro de mim e quando você disse ‘’mamãe’’ a primeira vez eu tive certeza que você também sentia isso. Me desculpe por lhe esconder isso durante todo esse tempo, mas saiba que você sempre será minha filha e eu sua mãe.