Relato etnográfico: Bar do Brejeiro – Cesário Lange
Por: mabegalvao • 28/6/2017 • Resenha • 1.320 Palavras (6 Páginas) • 329 Visualizações
Maria Beatriz Assumpção Galvão
Relato etnográfico: Bar do Brejeiro – Cesário Lange
Eu pretendo por meio deste texto fazer um relato etnográfico de um bar na área rural de Cesário Lange, cidade do interior paulista. Antes de começar o relato propriamente dito, é preciso contextualizar a região pois esta não necessariamente está no imaginado de todos os leitores. A cidade se localiza na região do vale do Tietê a aproximadamente 150 km da cidade de São Paulo. O bairro da Campininha, do qual trataremos agora, era antes formado por pequenos sítios, mas possui hoje uma grande quantidade de minifúndios improdutivos e grandes plantações de cana de açúcar. O bairro se conectava, no passado, com a área urbana da cidade apenas pela estrada, o que o deixava isolado. Não possuía luz elétrica, telefone ou transporte.
Tratava-se, antes, quase de uma economia de subsistência. A renda da população local provinha também das colheitas de café, feijão e cana-de-açúcar. Hoje em dia, o café foi erradicado na região, o feijão não é mais plantado e a cana se tornou a única atividade agrícola relevante do ponto de vista econômico. Isso gerou um movimento de compra ou arredamento dos sítios maiores pelos usineiros locais, transformando completamente a paisagem.
Os antigos sitiantes completavam sua renda com trabalho temporário, como boia fria. Mas mesmo o trabalho braçal na colheita da cana desapareceu com a mecanização compulsória da indústria. Aqueles moradores que conseguiram vender e alugar suas propriedades foram embora para cidade e quem sobrou foi a população mais marginalizada e empobrecida, ocupando principalmente as pequenas formadas no território rural, como a da Mococa, localizada logo ao lado do estabelecimento que trataremos. Nesse contexto, falaremos do Bar do Brejeiro.
O Bar do Brejeiro é o resquício de uma época na qual os moradores do bairro da Campininha não possuíam carros e ainda não tinham passado pelo processo de êxodo rural descrito acima. Até eu ter uns 7 anos, o principal meio de transporte eram pangarés. Cavalos de raça não identificada, magros, mas ainda tratados muitas vezes com zelo. O bar funcionava como secos e molhados no começo, as compras mais básicas eram feitas ali e seus frequentadores bebiam pinga e jogavam sinuca entusiasmados. Hoje, exibe certa decadência, pois sua principal razão de existir já não é mais necessária. Agora, os moradores possuem carros, ainda que velhos, e conseguem se locomover até a cidade com mais facilidade.
Assim, pode-se dizer que o local funcionava nessa época como entreposto comercial. O Brejeiro, apelido do dono do bar, era o único morador a possuir um carro e, assim, revendia os produtos básicos em seu estabelecimento, obviamente, com um lucro considerável. Os laços ali construídos eram conturbados, pois ao mesmo tempo que o proprietário funcionava como agiota local, vendendo os produtos a prazo com juros exorbitante, era ele que levava as pessoas a cidade em situações de emergência.
O local era também um importante centro de discussão política. Como Moacir, o verdadeiro nome do Brejeiro, era quem tinha contato frequente com a cidade na comunidade, era ele quem trazia as notícias para a região, fossem elas provenientes de jornais ou fofocas políticas locais. Assim, se discutia ali o futuro da comunidade, claramente só homens faziam parte das conversas. Decisões eram tomadas naquele local e, normalmente, eram até repassadas para o poder público pelo proprietário.
Do lado da Igreja de São Roque, ondo ocorre a tradicional festa do pastel no dia do Santo padroeiro, fica o Bar que estamos falando. Já do outro lado há um pasto com três vacas malhadas, provavelmente para dar leite. É uma construção que exibe todos os seus tijolos do tipo baiano e foi claramente feita sem nenhum auxílio de profissional, seja de um arquiteto, seja de um engenheiro.
Composto apenas por um cômodo dividido por uma bancada, o bar possui um piso de azulejos brancos levemente sujos de terra da rua de terra batida e quatro mesas de plástico daquelas patrocinadas por marcas de cerveja. O cômodo se estende um pouco para a “rua”, formando uma espécie de varanda, também de azulejo. Nesse espaço ficam 3 das quatro mesas. Há algumas prateleiras com produtos básicos, tanto de higiene, como alimentícios, e uma mesa de sinuca. É possível perceber o pó em alguns deles.
Fui nesse bar depois de andar a cavalo para tomar uma cerveja com meu primo. Queria olhar para ele sob uma lente analítica pela primeira vez. Fazia 4 anos que não entrava ali. Minha família possui um sítio próximo, a única propriedade de lazer da região.
Ao lado do bar há um lugar para o “estacionamento” de animais. Onde antes haviam cavalos e charretes, hoje, os únicos animais ali eram o meu e o do meu primo. Sentamos em uma mesa do lado de fora. Durante toda a minha estada essa foi a única a ser ocupada. O Brejeiro, quando cheguei, me abriu um sorriso simpático e levemente banguela.
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