Urbanismo
Por: Diana Scheidt • 14/6/2015 • Artigo • 3.497 Palavras (14 Páginas) • 326 Visualizações
URBANISMO / FRANÇOISE CHOY – USO EXCLUSIVO DA DISCIPLINA URB00058 (PROPUR/UFRGS)
URBANISMO
Françoise Choay*
Em diferentes dicionários do século XX, o urbanismo é alternativamente
definido como ciência, arte e/ou técnica da organização espacial dos estabelecimentos
humanos. A incerteza destas definições demanda uma abordagem histórica da noção.
Do latim urbs (cidade), este termo recente tem por base o neologismo espanhol
urbanización, criado em 1867 pelo engenheiro-arquiteto espanhol Ildefonso Cerdá, em
sua Teoría general de la urbanización, para designar uma disciplina nova: a ciência da
organização espacial das cidades: “Vou introduzir o leitor no estudo de uma matéria
completamente nova, intacta e virgem. Como tudo aí é novo, precisei procurar e
inventar nomes novos para exprimir idéias novas cuja explicação não se encontrava
em nenhum léxico”. De fato, pela primeira vez na história, Cerdá concedia um
estatuto científico à criação e ao arranjo das cidades, concebidos como domínios
pertencentes a uma disciplina autônoma. O termo urbanización designava, ao mesmo
tempo, o que em francês chamamos hoje de processo de urbanização e as leis que,
para Cerdá, o submetiam (“O fato ao qual geralmente se atribui a origem e
desenvolvimento ao acaso, na verdade obedece a princípios imutáveis, a regras fixas”,
Teoria, p. 32). A tarefa do urbanista (urbanizador) consistia precisamente em
descobrir estas leis, cujo funcionamento até então permanecera desconhecido, em
integrá-las a uma teoria geral e em aplicá-las deliberadamente na concepção e
organização do espaço construído, escapando assim à inércia das contingências
históricas que sempre entravaram e retardaram o livre desdobramento da
urbanización e de suas leis.
O termo criado por Cerdá seria finalmente reservado ao processo (planificado
ou não) de investimento do espaço por construções e redes de equipamentos,
enquanto que, nas línguas de origem latina, a nova disciplina era designada por um
derivado mais simples do latim urbs: urbanismo em espanhol, urbanismo e
urbanística em italiano, em francês urbanisme – termo que foi introduzido entre 1910
e 1914 entre os praticantes que gravitavam ao redor de E. Hénard e do Museu Social.
Contudo, o termo urbanism não conquistou os países anglo-saxões, onde, introduzido
há poucos anos, tem um significado variado e abrange, de maneira incerta, diversas
noções associadas à cidade, como a noção de paisagem. O termo é às vezes utilizado
nos Estados Unidos na acepção francesa, mas ele deve então quase sempre ser
explicitado por um conjunto de locuções, sendo que nenhuma delas cobre
completamente o significado do termo francês, o qual, entretanto, corresponde ao
alemão Städtebau.
Assim que foi criado, o termo urbanismo foi adotado por praticantes e passou
para a linguagem comum. Pouco a pouco, este termo iria designar noções e objetos
muito diversos, que ultrapassavam e algumas vezes contradiziam a acepção original
de Cerdá, segundo a qual o urbanismo seria uma disciplina autônoma, nascida na
segunda metade do século XIX, tendo por vocação o arranjo científico do espaço
urbano.
Hoje, estes abusos de linguagem seguidamente tornam difícil a compreensão do
significado inovador da démarche do engenheiro espanhol, o corte que ela introduziu
na história da organização do espaço construído, sublinhado pela criação de um
* CHOAY (Françoise), “Urbanisme”, in MERLIN (Pierre) e CHOAY (Françoise), Dictionnaire de l’urbanisme
et de l’aménagement, Paris, PUF, 1988, pp. 683-690 [livre tradução de João F. Rovati, julho 2005]
URBANISMO / FRANÇOISE CHOY – USO EXCLUSIVO DA DISCIPLINA URB00058 (PROPUR/UFRGS)
neologismo para designá-lo. Para se ter uma idéia da importância desse corte,
convém evocar esquematicamente os processos tradicionais de criação e de
organização espaciais nas sociedades urbanas.
Antes do Renascimento (cf. F. Choay, La règle et le modèle, Paris, 1980), não
encontramos nenhuma sociedade onde a produção do espaço construído tenha sido
tributária de uma disciplina reflexiva autônoma. A organização do espaço urbano (em
planta ou em elevação) resulta diretamente do funcionamento de certas práticas
sociais – em particular religiosa ou jurídica, cuja permanência histórica tem por efeito
a constituição de tipos, reproduzidos ao longo dos anos (cidades do Islã e do Ocidente
medieval, por exemplo). De outra forma, é prescrita por textos de origem sagrada,
em geral expressões de uma cosmologia (China antiga), ou, ainda, certos tipos
urbanos, constituídos de maneira empírica, são deliberadamente reproduzidos no
curso
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