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A Vinculação de Salário-mínimo a qualquer piso remuneratório

Por:   •  18/6/2018  •  Relatório de pesquisa  •  5.271 Palavras (22 Páginas)  •  302 Visualizações

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Assim, a vinculação de salário-mínimo a qualquer piso remuneratório vai em desencontro com a Constituição. Urge trazer à baila, portanto, trecho do voto do então Ministro Moreira Alves quando do julgamento do RE 242.740, em que funcionou como Relator:

“E não é demais atentar para a circunstância de que, mesmo com relação a salário, a vedação de sua vinculação ao salário mínimo se aplica se, porventura, se estabelecer que o salário de certo trabalhador será o de 'valor correspondente a algumas vezes o salário mínimo', pois aqui não se está concedendo a ela a garantia constitucional do artigo 7º, IV, mas, sim, se está utilizando o salário mínimo como indexador para aumento automático de salário de valor acima dele”.

(RE 242.740-3/GO, Relator Ministro Moreira Alves, 1ª Turma, publicado no DJU de 18/05/2001)

        Na mesma senda, o excelso Supremo Tribunal Federal tem ENTENDIMENTO EM SENTIDO CONTRÁRIO AO SOLICITADO PELO ORA RECLAMANTE, notadamente o cristalizado por meio da Súmula Vinculante nº 04, do STF, contrariada pela decisão recorrida, in verbis:

Salvo os casos previstos na Constituição Federal, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”.

        Neste diapasão, o que moveu o legislador de 1980 a criar a norma excepcional do art. 13 do Decreto-lei nº 1.820 se conecta intimamente com o espírito teleológico e sistemático do art. 7º, IV, da CF/88. Os cofres que custeiam os salários dos servidores da Administração Direta e autárquica são públicos e a gestão de recursos públicos é repleta de vicissitudes que obstaculizam seu livre empenho, como ocorre na esfera privada. O manejo de recursos do Tesouro Nacional exige uma gestão cautelosa, ou seja, se faz imperiosa uma gerência protecionista por parte do administrador público, a Reclamada.

        É nesse dedilhar que o art. 66, do Decreto nº 93.872/86 preconiza que aquele que recebe recursos da União “deve comprovar o seu bom e regular emprego, bem como os resultados alcançados”. Assim, muitas das vezes, para salvaguardar o princípio basilar da boa administração da res pública, não é possível alcançar o patamar mínimo dos salários profissionais. Então, diante de princípios e regras que impediam o administrador público de içar os salários de seus servidores aos níveis fixados em leis, criou-se a norma do art. 13, do Decreto-lei 1.820/80 que, associado ao art. 7º, IV, da CF, exclui respectivas vinculações. Era de fato necessário que se criasse a referida norma, pois, caso contrário, estaríamos admitindo uma contradição no nosso ordenamento jurídico. Seria afirmar que uma lei pune uma conduta que outra lei, igualmente válida, exige do gestor público, ou seja, legalmente sancionar o que é legalmente fomentado.

        Destarte, toda lei possui uma rigidez ilusória, exterior. É por sua natureza elástica e dúctil, cuja significação varia com o decurso do tempo e a marcha da civilização. Esta é, pois, uma vantagem que traduz as realidades jurídicas sucessivas. Acrescenta, ademais, que lei é a vontade transformada em palavras, uma força constante e vivaz, objetivada e independente do seu prolator, onde se busca sempre o sentido imanente no texto, e não o que o elaborador teve em mira. É justamente o que se defende aqui.

        Não se pretende criar uma interpretação extensiva ao Decreto-lei 1.820/80, haja vista que fere frontalmente a técnica jurídica. Desejamos, sim, que se abram os olhos dos que diariamente operam e vivenciam o Direito para as novas realidades que brotam e que requerem adequado espaço no ordenamento pátrio. Queremos nos valer não do instrumento hermenêutico da interpretação, mas da construção. Gisela Maria Bester elucida que a construção, diferentemente da interpretação, “destina-se a tirar conclusões a respeito de matérias que estão fora e além das expressões contidas no texto da norma. São conclusões que se colhem no espírito, e não apenas na letra da norma, ou ainda, e principalmente, na análise dos fatos, isto é, na análise da realidade” (BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional, Vol. I: Fundamentos Teóricos. 1ª edição. São Paulo: Manole, 2005, p. 158).

        A construção, então, visa confrontar elemento intrínsecos (os contidos no texto da norma) com outros extrínsecos (fatos não abarcados pela norma). Clama por um cotejo entre o espírito (vontade) que levou o legislador de 1980 a excetuar os servidores públicos da Administração Direta Federal, do Distrito Federal e respectivas autarquias e o que atualmente constatamos com os empregados da Conab. É a mesma situação que se apresenta. A Conab, malgrado ser pessoa jurídica de direito privado, é empresa estatal dependente do Tesouro Nacional, o que, per se, lhe impõe os mesmos empecilhos suportados pelas pessoas elencadas no art. 13 do Decreto-lei 1.820/80.

        Deve-se motivar a inoponibilidade do piso salarial à Reclamada com os mesmos argumentos fundadores daquele art. 13 do Decreto-lei 1.820/80. A mesma razão que existiu outrora subsiste aqui, entretanto peca por sua extemporaneidade. Requer-se que esse MM. Juízo esteja sensível a esses fatos ao julgar sobre a aplicação ou não do piso salarial dos engenheiros no quadro de carreira da Reclamada. É impelido por este conhecimento que Carlos Maximiliano (p. 59) proclama que entre o legislador e o julgador existe a mesma relação que entre o dramaturgo e o ator. Deve este atender às palavras da peça e inspirar-se no seu conteúdo, contudo, se é verdadeiro artista, não se limita a uma reprodução pálida e servil, mas dá vida ao papel. Neste espectro, não é de bom alvitre o administrador-julgador proceder como insensível e frio aplicador mecânico de dispositivos, e sim como órgão de aperfeiçoamento destes, mediador esclarecido entre a letra morta da norma e a vida real, apto a plasmar, como matéria-prima da lei, uma obra de elegância moral.

        Dessume-se, daí, que o piso salarial estabelecido na Lei 4.950-A/66 é inoponível à Reclamada. Uma, porque esta exigência não mais se coaduna com o ordenamento jurídico hodierno. Duas, porque qualquer ilação que obrigue a Reclamada neste sentido estará desvestida de justiça, partindo-se da premissa de que a Companhia não pode, a seu talante, reajustar salários, tampouco é concebível um sistema legislativo que pune uma conduta ao mesmo tempo que a fomenta. É de fato necessário que se tenha a referida diretiva normativa, pois, caso contrário, estaríamos admitindo uma contradição no nosso ordenamento jurídico. Repita-se, seria afirmar que uma lei pune uma conduta que outra lei, igualmente válida, exige do gestor público.

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