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A ECONOMIA CONSUETUDINÁRIA

Por:   •  20/9/2021  •  Resenha  •  13.513 Palavras (55 Páginas)  •  76 Visualizações

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ECONOMIA CONSUETUDINÁRIA: o fiado, tupis e matrimônios[1]

Augusto Cezar Marinho[2]

Douglas Araujo[3]

CALDEIRA, Jorge. HISTÓRIA DA RIQUEZA NO BRASIL: Cinco séculos de pessoas, costumes e governos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017. Primeira parte (1500 – 1808) p.01-202.

Caldeiras (2017) fala sobre a ideia de que tanto a economia dos nativos como a do mercado interno não tinham qualquer possibilidade de gerar riqueza – apenas a de garantir a subsistência – era mais do que conveniente. Por isso sempre aceitaram essa noção, pouco mais que uma tautologia sobre a fraqueza acumulativa interna. Evidentemente esse tipo de noção perde totalmente a razão de ser quando se trata de explicar uma economia colonial que cresce mais que a metropolitana – pois o novo quadro somente pode ser explicado pelo crescimento do mercado interno da área colonial em ritmo mais rápido que aquele do comércio com a metrópole e o mundo.

Ele continua demonstrando que a noção de economia de subsistência, por exemplo, mudanças radicais de entendimento aconteceram a partir do momento em que os antropólogos também passaram a empregar técnicas quantitativas para avaliar o trabalho e a produtividade nas economias dos povos nativos. Embora sejam economias sem moeda – fato que levou os estudiosos tradicionais a supor uma economia incapaz de acumular riqueza –, descobriu-se que são economias perfeitamente capazes de produzir excedentes e trocá-los com outras formações, além de terem mecanismos próprios para a administração dos bens acumulados, da riqueza que produzem. Em grau ainda mais acentuado, a mesma capacidade de acumular bens, muito ao contrário do que sugeria a restrita circulação do dinheiro, foi sendo constatada em toda a economia do sertão.

Caldeiras (2017) diz que em termos de enraizamento espacial, os governos montados unicamente sobre os costumes comuns e consensos entre pessoas − isto é, sem leis escritas nem áreas delimitadas de autoridade política, ou seja, sem “oficinas” nem “técnicos” − eram os únicos existentes num vasto território. Embora esse território fosse chamado Brasil desde a chegada de europeus, demorou para que outras formas de governo estendessem sua autoridade sobre esses espaços e pessoas. Ao longo dos séculos houve um domínio extenso de outras formas de governo – ainda neste ano de 2017, algo como 11% do território da atual nação são governados quase exclusivamente na forma consuetudinária.

O livro de Caldeiras (2017) não tem como objeto a análise propriamente política. Mas considera os costumes e governos formais em suas possíveis relações significativas com a acumulação de riqueza. A boa regra, nessa disciplina, exige o tratamento de conjuntos documentais e sua interpretação. No caso do Brasil, contudo, a busca desse ideal leva a um universo restrito. No Brasil colonial e imperial, as escolas foram escassas. Tão raras que, até a virada do século XX, o baixo índice de alfabetização determinava um comportamento peculiar de quem passava por elas: como a condição excepcional de alfabetizado permitia que o indivíduo se considerasse um ser de elevado estatuto social, esses poucos alfabetizados costumavam reforçar ao máximo as diferenças entre o falar e o escrever como sinal de sua distinção. Por isso escreviam e se comunicavam segundo normas complicadas de ortografia, sintaxe e estilo. Ironizavam a “incapacidade” dos analfabetos de entenderem a própria língua na qual se comunicavam. Tornavam difíceis as condições para a disseminação da escrita nas escolas existentes, perpetuando essa situação.

CAPÍTULO 1 > Costumes e problemas de escrita

Caldeiras (2017) diz que em 1500, aqui residia uma população entre 1 milhão e 8,5 milhões de pessoas. Linguistas especializados em história identificaram mais de 170 línguas faladas por esses povos e distribuídas em quatro grandes troncos linguísticos: tupi-guarani, jê, caribe e aruaque e, portanto, de grande dificuldade para estudos, principalmente por não dominarem a escrita. Mesmo assim os povos dominavam a fala e a linguagem, todos os grupos viviam segundo regras de comportamento precisas, embora não escritas. Para eles, as leis se mostravam nos costumes, nos comportamentos prescritos e seguidos por todos. Como dizia Rousseau, “o costume é a maior de todas as leis, pois se grava nos corações”. Numa época em que a fome era um flagelo na Europa, os Tupi - Guarani se constituíam em exceção de relativa fartura. Essa constatação de antropólogos levou a um consenso assim enunciado por Pierre Clastres, estudioso da cultura Guarani: “Estamos, portanto, bem longe da miserabilidade que envolve a ideia de economia de subsistência. A noção de economia de subsistência e a consequente suposição de uma vida econômica restrita aos mínimos vitais foi empregada irrestritamente, no século XX, por economistas e historiadores de todas as tendências para descrever a produção dos povos das Terras Baixas. Mas o cenário muda radicalmente com a constatação de que os Tupi-Guarani eram capazes de produzir muito além dos níveis vitais.

Caldeiras (2017) afirma que apesar de produzir excedentes, os Tupi-Guarani adotaram uma solução peculiar para conciliar a abundância material e a igualdade social. Justificavam a solução com argumentos coerentes: “O sentido maior da preservação tornava inteligíveis outros pontos da teoria do valor Tupinambá. Todo trabalho estava relacionado à preservação. Sendo assim, não fazia sentido trabalhar mais quando isso não representasse mais preservação.” Com isso, todo o esforço econômico se voltava para a eficiência máxima da distribuição, a igualdade social – em vez de ampliar a produção acumulada numa sociedade dividida.

Outra questão posta por Caldeiras (2017)  é a aliança militar e o papel do chefe o qual poderia ficar com duas mulheres – ou mais, se repetisse o processo com outros grupos aliados. A poligamia dos chefes era aceita com naturalidade por todos, como parte das leis costumeiras – e tinha consequências econômicas. O chefe com muitas mulheres precisava trabalhar bem mais, pois se tornava responsável pela caça e a abertura de roças para todas elas e seus filhos. As mulheres, por sua vez, tinham de trabalhar proporcionalmente menos ao cuidar de um único marido e dividir os cuidados de distribuição entre todas. Era a desigualdade aceita. Passado o momento da guerra, a situação de poligamia continuava – assim como as alianças entre os grupos que se uniram para combater.

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