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A Massai Branca e o conceito de justiça

Por:   •  10/12/2018  •  Dissertação  •  2.427 Palavras (10 Páginas)  •  538 Visualizações

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE NACIONAL DE DIREITO

Giulia Rigueti De Moura Estevão (DRE: 118018335), João Vitor Silva E Silva (DRE: 116189009)

A Justiça É Um Valor Universal, Ou Podem Coexistir Diferentes Tipos De Justiça Em Diferentes Sociedades?

Uma reflexão do filme A Massai Branca, associando o valor de justiça e os meios de atingi-la com a possibilidade de um convívio de entendimentos multiculturais, por vezes conflitantes, dentre as sociedades.

Paperwork apresentado para a disciplina de Filosofia do Direito do curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Professor: Philippe Oliveira De Almeida

Rio de Janeiro

2018

O filme A Massai Branca de 2005 trata-se de uma cinebiografia que apresenta como um dos principais pontos o choque entre a cultura de uma suíça que acaba por se apaixonar por um guerreiro tribal do Quênia. Durante todo longa-metragem, a protagonista inserida em um novo ambiente, a tribo de seu marido, se esforça para realizar uma relativização cultural, ou seja, observar o sistema cultural sem uma visão etnocêntrica em relação aos observado. Contudo por uma divergência extrema de hábitos e costumes não é capaz de se adaptar às tradições conflitantes com sua visão de relações e de mundo, abandonando o marido e retornando para casa com a filha.

        Frente a um questionamento de justiça como um valor universal na perspectiva do filme e do mundo, cabe aqui introduzir as ideias de direito e justiça apresentada na filosofia antiga.

No período dos grandes filósofos gregos, introduziu-se a ideia de Direito, condutor das normas sociais, como moral. Diante da ideia de uma natureza muito organizada (fysis), onde, em todo momento, buscava-se a compreensão e entendimento da ordem natural dos seres, concluiu-se a existência de regras de direito natural, não escritas, mas pré-estabelecidas que o indivíduo deve acatar de modo invariável, sendo estas válidas a todos, independente de cultura e sociedade (Sabadell, 2018). A base desse direito, por vez, se encontrava, além dessa filosofia racional da natureza, também na ideia de justiça, uma virtude moral, onde há capacidade de agir, livre de pensamentos egoístas e impulsos, de modo a fazer o correto.  Atrela-se, portanto nesse conceito de justiça, a capacidade de seguir o direito, agindo de modo adequado (justo), segundo uma moralidade natural comum a todos, sendo, dessa forma, um valor universal.

Com o decorrer do tempo, travam-se distintas discussões: sobre a origem do direito entre jusnaturalistas e juspositivistas; sobre o dever de se seguir uma norma considerada injusta; sobre como agir de modo que suas ações sejam consideradas corretas, e consequentemente justas; entre outros. Todavia o cerne do conceito de justiça, como capacidade de agir de maneira correta, segue sendo um valor universal. O que será considerado em cada cultura jurídica e social como correto e errado, consequentemente justo e injusto, será variável de acordo com a racionalidade cultural de cada grupo.

É necessário apontar que, como introduzido por Ruth Benedict no livro O Crisântemo e a Espada (1972)[1], “a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo”. Dessa forma é compreensível que ao deparar-se com uma realidade sociocultural diferente da que o indivíduo foi inserido inicialmente, como ocorre com a protagonista Carola no filme supracitado, há um estranhamento e oposição a determinados valores. Os antropólogos ao se utilizarem do Relativismo Cultural fazem uma grande tentativa de manterem-se neutros ao descrever uma sociedade, no entanto, sob uma visão condicionada, pela “lente através da qual o homem vê o mundo” e o contato direto, contínuo há uma divergência e por vezes um etnocentrismo, uma consideração de superioridade cultura, e tentativa de imposição da própria racionalidade e práticas socioculturais.

Por vezes, sob um pretexto de introdução da racionalidade, a moral e os bons costumes, uma onda imperialista, como visto nas épocas de expansão ao novo mundo, no século XV, acabou gerando uma predominância de uma epistemologia do norte, sobre o sul, como menciona Boaventura de Sousa Santos[2]. Tal ação gerou destruição de tradições e de antigos conhecimentos, como dos povos pré-colombianos, em detrimento de saberes advindos das metrópoles europeias, buscando expandir uma universalidade de saberes, cultura e religião, inserindo tradições e pensamentos nada embasados dentro das culturas locais.[3]

Quando Carola indigna-se no filme com relação à pratica da mutilação genital por considera-la irracional, e, consequentemente, injusta por ser tortuosa, é explicada por seu marido como uma tradição que era aceita naquele local. Ademais, na cena do trabalho de parto de uma mulher grávida, em que todos se recusam a ajudar por ela estar “enfeitiçada”, a personagem insiste e acaba por obrigar o esposo a ajuda-la por não compreender a lógica de tal cultura. Nestas partes em questão, por exemplo, ao mesmo tempo em que há determinada tentativa de imposição cultural por um etnocentrismo primário de transposição da lógica, visualiza-se que o condicionamento da visão humana impossibilita o entendimento de ritos de outra sociedade, pois, as explicações para ritos na sociedade são lógicas e apresentam coerência dentro do próprio sistema daquele grupo.

Além disso, ressalta-se aqui que relativistas culturais argumentam que discursos sobre os direitos humanos universais, que por sua vez, tendenciosamente, advém de sociedades ocidentais poderosas no cenário econômico internacional, negam a soberania cultural dos povos menores e com menor poder de influência no mundo, comprometendo a tolerância e o multiculturalismo (BRYM, 2006). Tais sociedades tem o costume de uma imposição de seus ritos e tradições capitalista de forma mais dura e imperativa sobre as demais nações, como ocorre em diversas reuniões e conselhos como na ONU, onde tais países compõem mesa fixa e apresentam poder de veto. Nesses contextos, há também uma tentativa de imposição do próprio sistema jurídico e, consequentemente, a ideia de o que será encarado como justiça nos núcleos da sociedade, promovendo assim uma dominação.

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