Análise ADPF 54
Por: CamillaVerginio • 8/9/2015 • Trabalho acadêmico • 4.388 Palavras (18 Páginas) • 514 Visualizações
INTRODUÇÃO
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 (ADPF 54) trata-se de uma ação movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde buscando que fosse declarada inconstitucional a interpretação dos seguintes artigos do Código Penal: 124, 126 e 128; além da eficácia abrangente e do efeito vinculante da decisão. O caso em questão diz respeito ao impedimento de antecipação terapêutica nos casos de gravidez em que seja relatada a anencefalia do feto, mediante diagnóstico de médico habilitado.
O reconhecimento do direito subjetivo da gestante em agir, nos casos envolvendo fetos anencéfalos, sem a obrigatoriedade de apresentação antecipada de autorização judicial ou quaisquer outras formas que relatem permissão específica estatal.
A ação consiste no pedido de que seja utilizada uma técnica, conforme os preceitos constitucionais de interpretação, apoiando-se em normas infraconstitucionais polissêmicas, além de visar a optação da técnica em sentido não só compatível com o órgão constitucional brasileiro, mas também na exclusão de interpretações incompatíveis com a mesma, declarando-a, desta forma, inconstitucional. A argumentação é baseada no princípio da conservação das normas, ou seja, da presunção da constitucionalidade normativa.
Desta maneira, o objetivo deste artigo é discorrer sobre a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 54, além da argumentação proposta por cada ministro votante e o comparativo dos votos dos mesmos, buscando também abranger os pontos importantes para a decisão definitiva do Supremo.
1. DA ANENCEFALIA
1.1 Conceito
Em termos biológicos anencefalia consiste na não formação ou na formação parcial dos ossos que formam a calota craniana, que gera uma alteração no desenvolvimento da massa encefálica, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural nas primeiras semanas de formação embrionária.
A cada mil recém-nascidos no Brasil, um é diagnosticado com a má-formação cerebral. Esse índice deixa o Brasil em quarto lugar no mundo com mais casos de fetos anencéfalos, atrás do Chile, México e Paraguai.
1.2 Meios de detectação da anencefalia durante a gestação
O exame mais comum consiste no acompanhamento visual do feto após cinco semanas de gravidez por meio de ultrassonografia. Outro exame utilizado é de Alfafetoproteina, uma espécie de proteína produzida pelo feto e é eliminada no liquido amniótico. As alterações anormais nos níveis dessa proteína revela a existência de defeito encefálico.
O diagnóstico da anencefalia poderá ser feito somente a partir da décima segunda semana de gravidez, através de exame de ultrassom, mediante duas fotografias identificadas e datadas, que demonstrem a ausência de calota craniana, que deverão ser anexadas ao laudo médico, que será assinado por dois médicos.
2. INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ OU ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DA GESTAÇÃO DE FETO ANENCÉFALO
A criminalização da interrupção de gestação de feto anencéfalo foi decidia pelo pleno do Supremo Tribunal Federal pela Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamento – ADPF nº 54 em 2012.
Nesse julgamento, amplamente debatido, inclusive com realização de audiências públicas, diversos argumentos foram levantados. No final, o plenário do STF decidiu pela procedência da Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental dando interpretação conforme a Constituição aos artigos 124, 126e 128, I e II do Código Penal.
A discussão se voltou na compatibilização dos artigos acima referidos do Direito Penal com os princípios estampados na Constituição de 1988. A antecipação terapêutica do parto de feto anencéfalo deveria ser considerada crime de aborto? No entendimento da Suprema Corte não.
Vários princípios foram levantados: a vida, aplicável ao feto, e dignidade, liberdade e saúde da gestante aplicável à mulher. O Min. Marco Aurélio, faz interessante reflexão ao dizer que o primeiro dos direitos é a vida, sem a qual, não haveria nenhum outro direito – pesa a favor do feto. Por outro lado, pondera a existência de outros direitos fundamentais que pesam a favor da gestante, como já elencados. Traz em seu voto o ponto crucial para solução jurídica constitucional para o caso em questão: Princípio da proporcionalidade.
O código civil já em seu artigo 2º, garante direitos ao nascituro, como podemos ver: “Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
Na esfera penal, a vida possui diferentes graus de proteção, desde a concepção até à vida adulta, como consubstanciadas nos crimes de homicídio, infanticídio e aborto.
Vemos nos dois ramos do direito aqui apresentados o ponto central encontrado para decisão do STF: a vida. A partir desse ponto chega-se ao envolvimento do Estado na possibilidade de autorização ou não do aborto. Por um lado a pretensão de um Estado intervencionista, que promova uma ação positiva em defesa do direito do feto, direito à vida. Por outro lado, a pretensão de um Estado não interventor, se traduzindo em uma proteção contra este Estado em favor da liberdade e autodeterminação da mulher.
Com relação ao feto pesa contrária a certeza médico-científica que afirma a impossibilidade de vida extrauterina do feto anencéfalo. Associada a esse argumento está a lei 9.434/1997 (lei de transplantes de órgãos), ao fixar como momento da morte do ser humano o da morte encefálica. Nesse sentido, o relator Marco Aurélio cita Claus Roxin, afirmando que com o evento morte encefálica, se encerraria a proteção à vida.
O Código Penal ao tratar de aborto permite o chamado “aborto sentimental”, permitindo que a gestante opte pela interrupção de gestação de feto sadio proveniente de crime de estupro, por definir como estado de necessidade esculpante. Essa possibilidade contempla a liberdade sexual da mulher.
Outro aspecto relevante está na argumentação de submissão a tratamento de tortura nem a tratamento desumano ou degradante da gestante. A Constituição de 1988 veda essa prática em seu artigo 5º inciso III. Obrigar a levar a gestação até o nascimento tem sido considerado para muitos, no meio médico e jurídico, equiparável à tortura. Pesquisas foram apresentadas com resultado de que as mulheres que anteciparam o parto de feto anencéfalo se recuperaram mais rapidamente dos traumas sofridos do que as que levaram o a gestação
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