Heráclito Fontoura Sobral Pinto - Resenha

HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO: 1893-1991

Eduardo F. Oliveira[ Bacharel em Direito e pesquisador acadêmico.]

“Precisa-se gentes com bastante meiguice no sentimento, bastante força na peitaria, bastante paciência no entusiasmo e sobretudo, oh! sobretudo bastante vergonha na cara!”

MARIO DE ANDRADE (excerto de “Cartaz”, publicado no jornal A Noite de 09 de janeiro de 1926)

Heráclito Fontoura Sobral Pinto, foi um dos advogados e juristas brasileiros de maior destaque do século XX. Ao revés de tantos, cujo nome já vem feito, Sobral Pinto teve uma origem humilde[ Cf. SCALERCIO, Márcio. Heráclito Fontoura Sobral Pinto: Toda liberdade é íngreme. Rio de Janeiro: Editora FVG, 2014. (Livro eletrônico). p. 13. - “Na formação de Sobral Pinto há de destacar de início o aspecto pouco ressaltado entre nós, o da mobilidade social em nosso país. De família modesta, pai ferroviário, ascende graças aos estudos e às suas características pessoais, à posição de destaque que obteve na vida brasileira.”], filho de pai ferroviário e mãe, Idalina Augusta Fontoura Sobral Pinto, dona de casa. Nasceu em 05 de novembro de 1893, em Barbacena, Minas Gerais. Sua notoriedade se deu pelos esforços nos estudos e por sua construção psíquica – com seus modos altamente idiossincráticos –, que lhe permitiriam se tornar um homem, não à frente, mas acima de seu tempo, logo ao lado da Lei.

Com apenas alguns anos, a família se muda, em virtude de uma promoção do pai, Príamo Cavalcanti Sobral Pinto, para Porto Novo do Cunha, subúrbio de São José de Além Paraíba. Na cidade se acentuaria a personalidade católica do então menino Sobral Pinto, em razão da proximidade com o Padre Carloto Távora[ Cf. DUELLES, John W. F. Sobral Pinto: "The conscience of Brazil". Austin: The University of Texas Press, 2002. p. 2. "The family spent twelve years in the pleasant climate of Porto Novo, living in a one-story house amidst mango trees. [...] Church services were faithfully attended, and thus Heráclito came under the religious influence of Padre Carloto Távora, his father's best friend.].

Não à toa, o senso aguçado de justiça de Sobral Pinto se evidencia por volta dos nove ou dez anos, em uma passagem, onde, ao que consta, presenciou a prisão, a violência e truculência policial contra a pessoa e, não se contendo, enfrentou as autoridades policiais para que parassem de bater no preso[ É assim que conta Paula Fiuza, neta de Sobral Filho, em entrevista ao “Tempo e História”, disponível no endereço <https://www.youtube.com/watch?v=h0u3q0VJ354>, entre os minutos 4'41” e 5'49”.].

Com tal senso aguçado, formou-se em Direito na Faculdade Nacional de Direito, hoje parte da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1917, começou no cargo de assistente, obstado das atividades ordinárias por um câncer na garganta. Somente em 1922 conseguiria formar uma pequena sociedade numa banca de advocacia[ SCALERCIO, Márcio. Heráclito Fontoura Sobral Pinto: Toda liberdade é íngreme. Rio de Janeiro: Editora FVG, 2014. (Livro eletrônico). p. 41. ].

Nos anos de 1920, alcançou o cargo de procurador criminal interino, moldando, na ocasião, uma de suas características, como Scalercio aponta na biografia – detalhada e ao estilo inglês –, a de não deixar uma crítica livre de seu contraponto, mantendo o debate público aberto, fosse na Tribuna ou nos periódicos da época[ SCALERCIO, Márcio. Heráclito Fontoura Sobral Pinto: Toda liberdade é íngreme. Rio de Janeiro: Editora FVG, 2014. (Livro eletrônico). p. 50. ].

Não há como não perceber, nos primeiros anos, as convicções situacionistas e conservadoras de Sobral Pinto. Opunha-se radicalmente aos comunistas[ Idem. p. 57.], estando, muitas vezes, sob acusações, como as de Assis Chateubriand, de sua “inclinação reacionária”[ Idem. p. 53.]. Isso, pois, agia, em função do cargo, de modo moroso, ao tardar o envio dos processos aos juízes, enquanto os presidiários se quedavam em cárcere[ Idem. p. 51.].

Em verdade, Sobral Pinto era um legalista, como, de suas próprias falas se percebe, compreendendo que “O partido comunista era ilegal no Brasil.”[ PINTO, Heráclito F. Sobral. Lições de Liberdade. Belo Horizonte: Ed. Comunicação, 1977. p. 10.]

Naturalmente, deve-se, em muitos casos, evitar a mescla entre o público e o privado, contudo, há pessoas como Sobral Pinto, onde o elemento subjetivo é relevante e reflete na esfera pública, de tal sorte, que não se pode deixar de dizer[ Nesse sentido a lição de ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia das Letas, 2008 (edição digital), DOI: 165,9 / 651: “A personalidade é uma questão totalmente diferente. É muito difícil de apreendê-la e talvez se assemelhe mais intimamente ao daimon grego, o espírito guardião que acompanha cada homem ao longo de toda sua vida, mas está sempre olhando por sobre seu ombro, resultando que ele é mais facilmente reconhecido por todos que encontram o homem do que por ele mesmo. Esse daimon — que não tem nada de demoníaco em si —, esse elemento pessoal num homem, só pode aparecer onde existe um espaço público; este é o significado mais profundo do âmbito público, que se estende muito além do que entendemos comumente por vida política. Na medida em que esse espaço público é também um âmbito espiritual, há manifesto nele aquilo que os romanos chamavam de humanitas, entendendo por isso algo que era a própria estatura da qualidade humana, pois era válida sem ser objetiva. É precisamente o que Kant, e depois Jaspers, entende por Humanität, a personalidade válida que, uma vez adquirida, nunca abandona um homem, ainda que todos os outros dons do corpo e da mente possam sucumbir à destrutividade do tempo. A humanitas nunca é adquirida em solidão e nunca com a oferta de sua obra ao público. Só pode ser alcançada por alguém que lançou sua vida e sua pessoa na “aventura no âmbito público” — quando, nesse curso, arrisca-se a revelar algo que não é “subjetivo” e, por essa própria razão, não pode reconhecer nem controlar. Assim, a “aventura no âmbito público” onde se adquire a humanitas torna-se um presente para a humanidade.”.] e, definitivamente, Sobral Pinto se aventurou no âmbito público.

Em razão de cartas que, materialmente, configuravam um relacionamento extraconjugal com a esposa de um tenente-coronel, tendo em vista um escândalo midiático premente, Sobral Pinto pediu sua demissão do cargo de acusador público, sendo esta aceita, durante o governo do então Presidente Washington Luís. Posteriormente aceitou o cargo de Procurador-Geral, o qual novamente se viu obrigado a