O CONTEXTO HISTÓRICO (AS LIGAS CAMPONESAS E O GOLPE DE 64)
Por: 220103 • 12/11/2020 • Dissertação • 2.510 Palavras (11 Páginas) • 217 Visualizações
CONTEXTO HISTÓRICO (AS LIGAS CAMPONESAS E O GOLPE DE 64)
Poucos sabem que o campesinato é a única classe social que, desde a proclamação da república, tem experimentado constantes confrontos militares com o Exército.
Diferentes forças políticas investiram na organização de diferentes formas de intervenção na questão agrário-camponesa, dentre as quais se destacaram as Ligas Camponesas, sob a liderança do advogado socialista Francisco Julião, a partir de 1955.
As primeiras Ligas Camponesas datam da luta em torno da redemocratização desencadeada no contexto do final da Segunda Guerra Mundial.
A criação das Ligas Camponesas pode ser explicada como uma forma de fugir da rigidez institucional e do burocratismo já existente no sindicalismo urbano e também ao conjunto de restrições impostas ao sindicalismo rural na década de 1940.
A realização do I Conferência Nacional dos Trabalhadores, em setembro de 1953, com sessões nos estados do Ceará, na Paraíba e em São Paulo, teve como uma de suas deliberações a necessidade de fundar uma entidade nacional que congregasse os trabalhadores rurais.
Esta preocupação se concretizaria na II Conferência Nacional dos Trabalhadores Rurais, realizada em São Paulo, em 1954, com a criação da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), engendrada e apoiada pela estrutura nacional do PCB.
Já o Congresso de Salvação do Nordeste foi realizado em Recife/PE, em 1955 enfatizou o anacronismo das estruturas sociais, especialmente a do campo, e o atraso econômico da região, colocando em evidência o problema camponês, institucionalizando, sob a influência dos militantes das Ligas Camponesas, a prédica da Reforma Agrária como forma de superação dos problemas da região. Encorajados pela repercussão das resoluções deste Congresso, os camponeses pernambucanos organizaram, em setembro de 1955 o I Congresso de Camponeses de Pernambuco, com a participação de cerca de três mil delegados de associações camponesas.
Após a derrota das esquerdas com o golpe de 1964, com a brutal repressão aos movimentos camponês e operário - no primeiro caso, registrado, de forma emocionante, no filme de Eduardo Coutinho (Cabra Marcado Pra Morrer/1984) -, o regime militar impõe aos camponeses somente o caminho da sindicalização, transformando o sindicato em instituição eminentemente assistencialista, com a criação do FUNRURAL, em 1971, e, com o Estatuto da Terra, a possibilidade da reforma agrária localizada e restrita a áreas de tensão social grave.
CABRA MARCADO PRA MORRER (1984)
Amir Labaki (2006: 110-111) situa o filme de Eduardo Coutinho, Cabra Marcado para Morrer (1984), como o mais “influente documentário brasileiro de todos os tempos”.
O filme começa com imagens da profunda pobreza dos campos brasileiros.
Com a chegada da equipe em Sapé, na Paraíba, em abril de 1962, surgiria um novo objeto e que seria precursor do filme: a morte de João Pedro Teixeira, líder da Liga de Sapé, que havia ocorrido semanas antes da chegada da equipe.
Naquela mesma semana, Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro, organizaria um comício em protesto ao assassinato e contra as perseguições políticas promovidas pelos dos latifundiários da região.
Era comum que a imprensa local, associada aos interesses das elites agrárias, alardeasse que os camponeses estavam ligados a uma “criminalidade esquerdista” e que havia um processo de cubanização do Nordeste brasileiro.
A Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), investigava e classificava esses sujeitos como subversivos e diversas prisões arbitrárias foram realizadas no período.
Diante deste contexto de instabilidade, segundo a narração do filme, decidiram realizar as filmagens em uma área próxima e mais semelhante possível: o Engenho da Galileia, em Vitória de Santo Antão, no interior de Pernambuco.
O golpe civil-militar veio em abril de 1964 e o Engenho da Galileia foi um dos primeiros alvos dos militares e das forças repressivas da região.
Com esta invasão foram presos alguns líderes da Liga Camponesa, como João Virgínio, Zezé da Galileia e Rosário, assim como também mais cinco membros da equipe de filmagem. Elizabeth Teixeira, Coutinho, e outros participantes da produção, conseguiram escapar, principalmente devido a ajuda de Zé Daniel, uma das lideranças camponesas da Galileia que acabou sendo preso no mês seguinte.
O material do filme foi apreendido pela censura que se criava e taxado como obra dos comunistas. No entanto, muitas imagens foram salvas uma vez que os negativos haviam sido enviados para o laboratório no Rio de Janeiro dias antes.
Sendo assim, o filme apenas retorna suas gravações em 1981. Desta vez, sem roteiro e contando apenas com a ideia de reencontrar os camponeses que haviam trabalhado no “Cabra Marcado para Morrer” de 1964.
O intuito era retomar o projeto através de depoimentos sobre o passado e a pretensão era de fazer uma teia de memórias e testemunhos de tal forma a construir não apenas a memória de um filme que não ocorreu devido ao golpe civil-militar de 1964, mas também da trajetória de seus atores que nunca foram ficcionais.
Elizabeth Teixeira, que se tornou o personagem mais forte desse filme, há anos havia se refugiado no interior do Rio Grande do Norte em uma pequena cidade chamada São Rafael.
Com a sua retomada em 1981, podemos perceber uma virada no seu intuito, sendo a Reforma Agrária e luta dos trabalhadores rurais nas Ligas Camponesas o foco central.
No filme, o clima de violência e arbitrariedades é retratado de forma evidente no assassinato de João Pedro Teixeira. O líder da Liga de Sapé foi assassinado por emboscada enquanto, voltava para casa após buscar livros escolares para os filhos na cidade vizinha.
Outros personagens sobressaem no filme, como João Virgílio, uma das lideranças camponesas do Engenho da Galileia, com sua narrativa de resistência contra um modelo local e federal que lhe oprimia.
Fora preciso coragem desses camponeses, para enfrentar todas as violências que se abateram nos primeiros membros das Ligas Camponesas do Engenho da Galileia, em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, por serem os precursores de contestações que contrariavam muitos interesses da bancada rural. Exemplo disto, é a bandeira “Reforma Agrária na lei ou na marra” defendida pelas Ligas Camponesas a partir
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