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Socialismo e suas bases aplicáveis

Por:   •  6/4/2022  •  Dissertação  •  4.586 Palavras (19 Páginas)  •  111 Visualizações

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X TESES SOBRE O SOCIAL ISMO*

Marcos Barbosa de Oliveira1

Tese I – O socialismo no Brasil de hoje subsiste na estranha forma de um morto- vivo. Urge reanimá-lo.

Vivo porque continua a ser levantado como bandeira pelas tendências mais conseqüentes da esquerda. Morto porque perdeu a definição, já não se sabe mais em que consiste o socialismo, nem se enfrenta a questão: não se discute prá valer o que significa ser socialista hoje. Para ficar com apenas um exemplo, o novo partido em formação, o P-SOL, colocou o socialismo já no nome – Partido Socialismo e Liberdade – mas em seu programa (aprovado no Encontro Nacional de 5 e 6 de junho de 2004) o que mais se aproxima de uma definição é a passagem em que se afirma que “o socialismo é indissociável da democracia e da liberdade, da mais ampla liberdade de expressão e organização, da rejeição aos modelos de partido único”, e que “a luta pelo socialismo é também a luta contra todas as opressões, injustiças e barbáries cotidianas”.

Dizem alguns que a ausência de debate sobre a questão do socialismo não é uma falha, mas uma tática necessária, já que a questão seria divisiva: dificilmente se chegaria a um consenso de modo que o debate iria contribuir não para a união, mas para a divisão das esquerdas.

Mas sem um mínimo de precisão sobre seu significado, como poderá o socialismo funcionar efetivamente como bandeira, como princípio norteador da luta anticapitalista? Parece não haver escapatória: se o que se almeja é um socialismo revigorado, plenamente vivo, então mais cedo ou mais tarde a questão de seu conceito tem de ser encarada. Quanto mais cedo, melhor; talvez a hora já tenha chegado.

Tese I I – Uma concepção viável de socialismo deve ter em relação ao socialismo clássico um elemento de continuidade e um elemento de ruptura.

O colapso do sistema comunista de 1989-91 teve um impacto profundo no pensamento socialista. Depois de um período de perplexidade, começaram a ser propostas novas concepções de socialismo, que atribuem o fracasso do socialismo real

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* Uma primeira versão deste texto (com o título “XII teses sobre o socialismo”) foi escrita para ser apresentada no V Fórum Social Mundial (Porto Alegre, janeiro de 2005).

  1. Professor Associado, Faculdade de Educação / Universidade de São Paulo.

não apenas a contingências históricas, mas pelo menos em parte a deficiências no socialismo clássico – entendido como o ideário inspirador do socialismo real.2 As novas concepções se colocam como modo de superar os erros do socialismo clássico, e têm com este elementos de continuidade e elementos de ruptura. A concepção esboçada aqui filia-se a esta linha de pensamento.

Tese I I I – A nova concepção de socialismo pode ser chamada neo-socialismo.

O que se propõe A questão do nome ao mesmo tempo é e não é importante. É importante porque dela depende o apelo ideológico da concepção, assim como o design de uma bandeira ou a forma lingüística de uma palavra de ordem afetam seus poderes de gerar seguidores. Não é importante porque é relativamente destacável da concepção: se o nome não é bom, encontra-se algum melhor.

Tese IV – Elemento de continuidade: tanto o neo-socialismo quanto o socialismo clássico são programas para a desmercantilização de tudo (W allerstein); elemento de ruptura: eles diferem quanto ao processo que realiza a desmercantilização.

De que o socialismo clássico foi um programa para a desmercantilização de tudo não há dúvida. Mercantilizar um bem é fazê-lo funcionar como uma mercadoria, e a mercadoria está no cerne da análise marxista do capitalismo, de tal forma que o socialismo, como superação do capitalismo, deve consistir na negação da mercadoria, ou seja, na desmercantilização de tudo.

Agora quanto ao processo. Questionando a estratégia desenvolvida pela esquerda no séc. 19 e início do séc. 20, Wallerstein a caracteriza como estratégia dos dois passos: “primeiro obtém-se o poder estatal, depois transforma-se o mundo”3. A transformação do mundo aí implícita tem como peça-chave a desmercantilização de tudo. E neste ponto entra o binômio socialização dos meios de produção + planejamento central. A propriedade dos meios de produção confere ao capitalista o poder de tomar as decisões na sua empresa, e de se apropriar do excedente na forma de lucro, cuja maximização é o objetivo primordial – e é isso que caracteriza a produção de mercadorias. Parece então evidente que para negar a mercadoria é necessário desapropriar os capitalistas – e para desapropriar os capitalistas é necessário conquistar

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  1. Para ficar com apenas dois exemplos, cf. P. Singer, Uma utopia militante: repensando o socialismo (Petrópolis, Vozes, 1998) e I. Wallerstein, “Uma política de esquerda para o século XX? ou teoria e prática novamente”, (in I. Loureiro, J.C. Leite, e M.E. Cevasco (orgs.), O espírito de Porto Alegre (São Paulo, Paz e Terra, 2002)).
  2. Wallerstein, op. cit., p. 27.

o poder de estado. Mas a abolição da mercadoria traz consigo a abolição do mercado. O mercado – quaisquer que sejam seus defeitos – funciona como um mecanismo regulador da economia, sua abolição exige um substituto, e esse substituto é o planejamento central. Da perspectiva do neo-socialismo, convém conceber a estratégia clássica da esquerda como envolvendo em vez de dois, três passos: primeiro obtém-se o poder estatal, depois socializam-se os meios de produção, e em seguida se instaura um sistema de planejamento central.

A estratégia dos três passos foi o erro do socialismo clássico, uma vez que, como muitas análises mostram, a ela se devem, no plano teórico, as duas grandes falhas do socialismo real: o caráter autoritário do regime, e a ineficiência do planejamento central como instância reguladora das atividades econômicas.

Entre os questionamentos de cada passo, o que tem estado mais em evidência nos últimos tempos é o do primeiro, à luz não só do caráter autoritário do socialismo real, mas também da experiência histórica dos partidos de esquerda que chegaram ao poder por via eleitoral, e mudaram de rumo – da qual o governo Lula é o caso mais recente, e mais doloroso para os socialistas brasileiros. Uma dos sintomas da atualidade da questão é a repercussão que está tendo o livro de John Holloway, Mudar o mundo sem tomar o poder4.A crítica da tomada do poder como estratégia vem associada a uma série de outras tendências: aumento da importância atribuída aos movimentos sociais como agentes de transformação social, em detrimento dos partidos; a ênfase nas virtudes da auto-gestão e da auto-organização; a preferência por formas de organização em rede, em vez de hierárquicas, etc. Uma oposição muito freqüente neste contexto é a contida nas expressões “de cima para baixo” e “de baixo para cima”. “De baixo para cima” será usado a seguir com um significado amplo, que incorpora como conotações todas essas tendências.

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