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A Concepção Da Vocação De Lutero

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Por:   •  19/3/2015  •  3.160 Palavras (13 Páginas)  •  1.482 Visualizações

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III

A concepção de vocação de Lutero

Já não resta dúvida de que na palavra alemã Beruf e talvez mais claramente ainda na

palavra inglesa Calling está pelo menos implícita uma conotação religiosa de uma tarefa

confiada por Deus. Quanto maior a ênfase colocada na palavra em um caso concreto, mais

evidente a conotação. E se traçarmos a história da palavra dos idiomas civilizados,

aparecerá que nem os povos predominantemente católicos nem os da antiguidade clássica

possuíam qualquer expressão que tivesse tal conotação, do que hoje chamamos de

“vocação”, (no sentido de uma tarefa de vida, de um campo definido no qual trabalhar),

enquanto ela existiu para todos os povos predominantemente protestantes. Poderemos, mais

adiante, demonstrar que isso não se deve a qualquer peculiaridade étnica dos idiomas em

apreço. Não é, por exemplo, produto do espírito germânico, mas em seu significado

moderno a palavra se origina nas traduções da Bíblia, pelo espírito do tradutor e não do

original. Na tradução da Bíblia de Lutero, parece ter sido usada pela primeira vez em um

ponto de Jesus Sirach (XI 20,21) exatamente no nosso sentido moderno. Depois disso,

rapidamente assumiu seu atual significado no falar cotidiano de todos os povos

protestantes, apesar de não se encontrar nenhuma sugestão prévia na literatura secular ou

mesmo nos escritos religiosos, e até onde pude me certificar só é encontrada em um místico

alemão, cuja influência sobre Lutero é de todos conhecida.

Assim como o significado da palavra, a idéia é nova e é produto da Reforma. E isso deve

ser assumido como conhecimento geral. É verdade que certa valorização positiva das

atividades rotineiras mundanas, que está contida no conceito de vocação, já existiu na Idade

Média e mesmo na baixa antiguidade Grega; falaremos disso mais tarde. Mas pelo menos

uma coisa é indiscutivelmente nova: a valorização do cumprimento do dever nos afazeres

seculares como a mais alta forma que a atividade ética do indivíduo pudesse assumir. E foi

o que trouxe inevitavelmente um significado religioso às atividades seculares do dia a dia e

fixou de início o significado de vocação como tal. O conceito de vocação foi, pois,

introduzido no dogma central de todas as denominações protestantes e descartado pela

divisão católica de preceitos éticos em praecepta et consilia. O único modo de vida

aceitável por Deus não era o superar a moralidade mundana pelo ascetismo monástico, mas

unicamente o cumprimento das obrigações impostas ao indivíduo pela sua posição no

mundo. Esta era sua vocação.

Lutero desenvolveu o conceito ao longo da primeira década de sua atividade como

reformador. De início, em harmonia com a tradição predominante na Idade Média, como

representada por exemplo por São Tomás de Aquino, ele concebeu a atividade no mundo

A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo

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como uma coisa da carne, embora desejada por Deus; era condição natural indispensável

para uma vida de fé, mas eticamente neutra ,b como o comer ou beber. Porém, com o

desenvolvimento do conceito de sola fide, com todas as suas conseqüências e seus

resultados lógicos, a ênfase cada vez mais aguda contra os consilia evangelica católicos dos

monges, como ditados pelo demônio, a importância da vocação se avultou. A vida

monástica não era apenas desprovida de valor e de justificativa perante Deus, mas também

encarava a renúncia aos deveres deste mundo como um produto do egoísmo, uma abstenção

das obrigações temporais. Ao contrário, trabalhar dentro da vocação se lhe afigurou como a

expressão externa do amor fraternal. Isto ele prova com a observação de que a divisão do

trabalho força cada indivíduo a trabalhar para os outros, embora seu ponto de vista seja

muito ingênuo, em gritante contraste com as posições bem conhecidas de Adam Smith

sobre o mesmo tema. Contudo, essa justificativa, evidentemente escolástica em sua

essência, logo desapareceu, restando, cada vez com maior ênfase a colocação de que o

cumprimento dos deveres mundanos é, em todas as circunstâncias, o único modo de vida

aceitável por Deus. Ele, e somente ele representa a vontade de Deus, e por isso qualquer

vocação legítima tem exatamente o mesmo valor aos olhos de Deus.

Esta justificativa moral para as atividades mundanas foi um dos mais importantes

resultados da Reforma, especialmente da participação de Lutero, e isto está fora de dúvida e

já é lugar comum. Essa atitude é completamente oposta à profunda aversão de Pascal para

com as atividades mundanas, em sua postura contemplativa, e que ele tinha na convicção

profunda que só poderia ser entendida como vaidade ou ganância.

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