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Evolucao Do Sistema Eleitoral Em Mozambique

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Por:   •  1/6/2014  •  5.769 Palavras (24 Páginas)  •  630 Visualizações

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“Até hoje, não conhecemos esses que elegemos!” Um cidadão de Ancuabe, Cabo Delgado

Se quisermos definir de uma forma rápida e simples o que é a representação política nas so- ciedades contemporâneas que se reivindicam da democracia, seguindo a linha de análise de Bourdieu (1989, 1987a e 1987b), diremos que se trata da forma como o poder político se cons- titui, a partir de um processo de delegação através do qual a maioria dos cidadãos transfere — pelo voto e por um período limitado — o seu poder a um pequeno número de profissionais, ou quase profissionais, da política. Nesse processo, a competição pelo poder de representação política é protagonizada no essencial pelos partidos, empresas especializadas na luta pelo exer- cício do poder político (Offerlé, 1987), que tendem a monopolizar a formulação, ou expressão, de interesses sociais no campo político. A eleição, ou seja, a decisão sobre os decisores, que constitui o mecanismo central de constru- ção da representação política, embora não a esgote, é um processo complexo de luta concor- rencial entre os pretendentes ao exercício de cargos políticos e obedece a um conjunto de regras que formam o sistema eleitoral. Sublinhe-se, no entanto, que este não é um simples instru- mento, neutro, capaz de traduzir mecanicamente uma pretensa vontade expressa pelos cidadãos no voto, mas um arranjo institucional que cria essa vontade e lhe dá forma, influenciando di- rectamente a representação política e, como tal, motivo de lutas pela definição da configuração mais favorável aos diferentes agentes políticos em competição. Note-se que, dependendo do sis- tema eleitoral em vigor, a mesma votação pode produzir resultados diferentes. Assim, deve-se relativizar a ideia segundo a qual a eleição seria uma expressão fiel da “vontade popular”, que na realidade não existe a não ser como produto de um trabalho de construção operado pelos actores políticos. Neste artigo vamos apresentar uma breve perspectiva histórica da evolução do sistema de re- presentação política em Moçambique, a formação do actual sistema eleitoral e discutir alguns aspectos críticos deste e seus efeitos.

O SISTEMA ELEITORAL UMA DIMENSÃO CRÍTICA DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA EM MOÇAMBIQUE

Luís de Brito

17O Sistema Eleitoral Desafios para Moçambique 2010

Desafios para Moçambique 2010 O Sistema Eleitoral 18

A CAMINHO DA INDEPENDÊNCIA

Para se compreender a questão da representação política em Moçambique no período de par- tido único, que se seguiu à proclamação da independência e durou até ao início dos anos 1990, é necessário olhar para os seus antecedentes, isto é, para alguns aspectos da história do movi- mento independentista, pois a forma como - e as condições em que - este nasceu e se desen- volveu social e ideologicamente foram determinantes para as opções políticas tomadas na formação do Estado independente. Em primeiro lugar, destaque-se o próprio processo de formação da Frelimo. Segundo a ver- são oficial, esta foi formada em 1962, em Dar Es Salaam, como resultado da fusão de três mo- vimentos, a Makonde (mais tarde, Mozambique) African National Union (MANU), a União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO) e a União Nacional de Moçambique Independente (UNAMI), que se tinham desenvolvido nos finais dos anos 1950 e início dos anos 1960 no seio dos emigrantes moçambicanos nos países vizinhos de Moçambique, res- pectivamente na Tanzânia e Quénia, na Rodésia e no Malawi. Na realidade, entre 1962 e 1964, a maioria dos dirigentes dessas organizações já tinham abandonado – ou sido expulsos – da Frelimo e tentavam reconstituir os seus antigos movimentos. Se considerarmos com atenção o processo da sua formação e em especial os novos actores que surgem em cena, vemos que a Frelimo é, mais que a adição das organizações acima referidas, um novo movimento construído à volta de um grupo de intelectuais e “assimilados”, que vão formar a sua direcção, e de jovens de origem camponesa, que na altura fogem do interior de Moçam- bique para a Tanzânia e vão formar o grosso do seu exército. Porquê então dar tanto relevo à “fusão” dos três movimentos? A insistência neste aspecto explica-se numa perspectiva de legiti- mação política e social: ao apresentar-se dessa maneira, a Frelimo apropria-se ao mesmo tempo da “representação parcial” de cada um dos movimentos1 e aparece como o movimento da “uni- dade nacional”. Não só isso lhe permite reivindicar-se como representante de todo o “povo mo- çambicano”, como afirmar-se como depositária da legitimidade nacional, por oposição ao “regionalismo” daqueles movimentos (Brito, 1988). Em segundo lugar, considere-se o monopólio da Frelimo no processo de luta pela independên- cia. A sua capacidade de organizar de forma efectiva a luta anticolonial, tanto no interior do país como na arena internacional, a par da fraqueza política e organizativa dos outros grupos con- correntes2, permitiram à Frelimo ser reconhecida pela Organização da Unidade Africana como “único legítimo representante do povo moçambicano”. Ao mesmo tempo, no decorrer do pro- cesso da luta (armada, a partir de 1964), a hegemonia de um grupo revolucionário inspirado pelo marxismo foi-se consolidando, tendo-se afirmado definitivamente no início dos anos 1970. Finalmente, note-se o papel da ideologia. A referência ao marxismo proporcionou aos diri- gentes da Frelimo não só um quadro teórico para pensarem a luta pela independência, mas

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sobretudo o instrumento que lhes permitiu conceberem o Estado-nação a construir. Para o grupo dirigente, composto por militantes originários da elite colonizada, maioritariamente estu- dantes e funcionários, sem enraizamento popular, a expressão das suas aspirações nacionalis- tas através de um discurso revolucionário de inspiração marxista, discurso universalista e modernista, permitiu não só justificar o seu poder no seio do movimento independentista, a sua afirmação como vanguarda das classes populares, mas permitiu igualmente conceber o seu pro- jecto de poder para o Moçambique independente (Brito, 1991).

REJEIÇÃO DO PLURALISMO

Com o golpe de Estado em Portugal, a 25 de Abril de 1974, a Frelimo consegue rapidamente impor negociações ao novo poder português, cujo teor se circunscreveu à discussão das mo- dalidades de transferência do poder, para a proclamação da independência sob a sua liderança, num processo que foi designado por

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