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A DEPRESSÃO NO CONTEXTO DA PSIQUIATRIA E DA RELIGIÃO

Por:   •  27/2/2018  •  Resenha  •  28.638 Palavras (115 Páginas)  •  298 Visualizações

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A DEPRESSÃO NO CONTEXTO DA PSIQUIATRIA E DA RELIGIÃO

INTRODUÇÃO

A relação entre religiosidade e doença existe desde os primórdios. Diversos trabalhos científicos, mormente nos Estados Unidos da América, abordam as influências positivas da religiosidade em portadores de doenças crônicas como diabetes, câncer e cardiopatias (KOENIG et alii 1998, pp. 536-542). O benefício da religiosidade é objetivado no apoio e na acolhida dados pelas comunidades religiosas aos doentes, no poder transcendente da fé, e nos valores religiosos que propiciam uma melhor qualidade de vida, com diminuição do tempo de doença.

         No exercício da psiquiatria clínica nestes últimos 30 anos , verificamos que a religião pode trazer influências negativas aos doentes portadores de depressão. Atendendo a pacientes em hospitais da rede pública, em ambulatórios de saúde mental e também em nossa clínica psiquiátrica particular; constatamos a dificuldade dos mesmos quanto à compreensão da doença depressiva. Deparamo-nos ainda com enorme resistência em aceitarem que apresentam um quadro depressivo; e esta resistência ou dificuldade no entendimento da doença se mostrou maior nos pacientes cristãos. Esta foi uma das razões que nos impulsionou à realização deste texto, e para tal compreendemos que teríamos que tomar duas direções: verificar as influências do sentimento religioso no cristão portador de depressão, mormente as prejudiciais, e, tendo em mente a preocupação vinda da evidência clínica de que grande parte da população ainda desconhece a depressão, oferecer um texto que também pudesse contemplar este assunto, trazendo mais conhecimentos e esclarecimentos a respeito desta doença segundo a visão da moderna psiquiatria.

Em pleno século XXI, pode-se contar com os progressos da ciência em todas as áreas.  Nestas últimas décadas, vimos um avanço notável das neurociências. Novas técnicas de pesquisa como a moderna neuro-bioquímica, técnicas de imagens cerebrais, imunologia e genética tornaram possíveis novas abordagens no conhecimento dos mecanismos cerebrais envolvidos na gênese e na compreensão das doenças mentais como a doença depressiva, oferecendo ao portador de depressão a opção de se tratar, se recuperar e levar uma vida saudável.

 

A doença depressiva é uma das doenças com maior incidência no mundo atual. Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), 3 em cada 10 pessoas no mundo apresentam depressão.

Segundo Andrade, Walters, Gentil & Laurenti (2002, pp. 316-325), a prevalência de depressão na cidade de São Paulo está situada ao redor de 18,5%, dependendo da metodologia utilizada; esta porcentagem pode ser muito maior, posto que a maioria dos deprimidos sequer procura tratamento.

A doença causa enorme sofrimento e limitação a seus portadores, e tem um impacto social e econômico importante (GREENBERG et alii 1993, pp. 405-418). O custo de tratamento da depressão é mais elevado que o de outras doenças crônicas como a Hipertensão, o Câncer e a doença de Alzheimer. Como a depressão apresenta início precoce de manifestação, e elevada tendência a recorrências (cronificação), os pacientes ficam incapacitados por longos períodos em suas vidas, se não se submeterem a tratamentos adequados.  

O entendimento da depressão como doença do cérebro, devida a fatores etiológicos multicausais, com diversas manifestações clínicas, e que produz comprometimento das funções físicas e psíquicas, nem sempre foi claro. Para o homem primitivo, a doença era devida à influência dos deuses ou demônios; para os hebreus, era uma punição imposta por Iavé quando se desviavam do caminho de Deus; nos salmos de Davi, existe clara relação entre depressão e pecado.

A relação entre sentimento religioso e depressão permaneceu basicamente inalterada através da história do homem. Nesta relação, existe uma causalidade entre depressão e: divindades, demônios, pecado ou falta de fé. Estas associações estão tão profundamente arraigadas no homem que ainda o influenciam.

 


 A RELAÇÃO ENTRE DEPRESSÃO E CAUSAS RELIGIOSAS

O HOMEM PRIMITIVO

A Antropologia, a Teologia, a Sociologia e a Psiquiatria Trans-histórica mostram-nos que o homem primitivo, em função de sua impotência, ignorância e temor diante de fatos ou catástrofes naturais como fome, seca e doenças, atribuía estes fenômenos a forças que lhe eram superiores (deuses e demônios).

Para compreendermos de forma mais precisa os fenômenos ligados ao sentimento religioso, bem como suas manifestações, construções e modificações no entendimento humano, recorreremos inicialmente aos estudiosos das formas primitivas das manifestações religiosas.

Rudolf Otto (2005, p.145), quando aborda a evolução do sentimento religioso, comenta:

O que o sentimento religioso primitivo captava sob a forma de ‘terror demoníaco’ e que mais tarde se desenvolve, cresce e se enobrece, não é a origem ou é ainda algo de racional ou de moral, mas algo específico e precisamente irracional. (...) O próprio terror demoníaco que tem múltiplos graus eleva-se ao nível do temor dos deuses e do temor de Deus. O daimonion torna-se theion.

Otto nos alerta para a necessidade de se compreender que certos fenômenos ocorriam como frutos de criações naturais da imaginação primitiva dos tempos pré-históricos, tais como: as noções de puro e impuro, a crença nos mortos e o culto aos mesmos, a crença nos espíritos e o seu culto, a magia, as lendas e os mitos, a adoração de objetos naturais terríveis e surpreendentes, a idéia do poder, o demonismo e o totemismo.

Durkheim, em seu livro As formas elementares da vida religiosa (DURKHEIM 1966), elabora uma teoria geral das religiões a partir da análise das instituições religiosas mais simples e primitivas, e o faz em tribos de aborígenes australianos. O autor procura compreender a essência do fato social religioso observado em suas primeiras formas a partir do estudo do Totemismo. Para ele, esta é a forma mais simples ou elementar de manifestação ou de representação social de religião.

Assim se refere Durkheim (1966, p. 231) em relação ao homem primitivo:

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