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Nossa Senhora Aparecida e o Pentecostalismo Assembleiano

Por:   •  1/11/2021  •  Artigo  •  3.020 Palavras (13 Páginas)  •  129 Visualizações

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Nossa Senhora Aparecida e o pentecostalismo assembleiano: o Mensageiro da Paz e a instituição do feriado

Liniker Henrique Xavier[1]*

RESUMO

No início da década de 80, o Mensageiro da Paz, órgão oficial das Assembleias de Deus no Brasil, afirmava que a laicidade do estado brasileiro estava ameaçada por conta da tentativa de aprovar o dia 12 de outubro como feriado nacional de Nossa Senhora Aparecida, santa católica. Na câmara federal, o projeto de lei 220-A/1979, da matéria em questão, pertencia ao deputado Jorge Arbage (Arena), ex-prefeito de Capanema, no Pará. No projeto, divulgado na íntegra pelo Mensageiro, Arbage pedia que o dia 12 de outubro fosse declarado feriado nacional e que o Ministério da Educação e Cultura promovesse festas nas escolas de todo o Brasil na data, com a presença de autoridades eclesiásticas, civis e militares. A comunicação tem por objetivo apresentar como a aprovação do feriado repercutiu no periódico pentecostal, mostrando como naquele momento a igreja se comportava quando obrigada a conviver com ideias plurais. O questionamento levantado pelo jornal era como poderia um deputado eleito por adeptos “de muitas religiões e seitas”, com votos também de “evangélicos, espíritas, umbandistas, judeus, maometanos”, querer “escravizar a consciência de muitos dos seus eleitores” baseando-se no que chama de “pretensa grande maioria católica”. Enquanto a Câmara dos Deputados foi alvo das duras críticas do jornal pentecostal, o Senado foi exaltado por ter suprimido alguns pontos do projeto de lei. O periódico cobrava uma postura mais enfática dos parlamentares evangélicos contra a aprovação do feriado. O catolicismo romano, a teologia da libertação e o comunismo são frequentemente associados pela publicação, que vê na associação uma ameaça ao país. A constante batalha entre o ecumenismo católico e o pentecostalismo assembleiano aparece como ingrediente de uma disputa que se estende até os dias de hoje.

PALAVRAS-CHAVE: Ecumenismo; Pentecostalismo; Laicidade; Mensageiro da Paz; Catolicismo

INTRODUÇÃO

Os desafios da relação entre religião, política e espaço público era uma constante na década de 80, tendo vários episódios emblemáticos registrados no Mensageiro da Paz (MP)[2]. O periódico é, até hoje, um órgão de comunicação oficial da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB). O início da década de 80 é um período especialmente importante porque a Assembleia de Deus começava a preparar-se para as eleições que aconteceriam alguns anos depois, com vistas a elaboração da nova Constituição Federal. Nestes anos anteriores à eleição constituinte, percebemos que o MP vai intensificar as pautas políticas, especialmente as que possuíam teor moral, além de se aproximar do então presidente ditador João Figueiredo, o último militar a ocupar o cargo da presidência da república durante a ditadura.

Em 1981, o Mensageiro da Paz chega a afirmar que a participação dos assembleianos na campanha contra a descriminalização do aborto era fundamental porque a Igreja Católica não sensibilizava mais o governo já que, diz o MP, o clero católico e o Palácio do Planalto experimentavam uma das mais agudas crises de seu relacionamento[3].

As Assembleias de Deus estavam em franco crescimento e parte considerável dos textos que eram publicados no MP chamava a atenção para a necessidade de evangelizar a fim de que a denominação continuasse angariando fieis. Acontece que, em um país onde as pessoas majoritariamente se autodeclaravam católicas romanas, evangelizar e conquistar fiéis significava converter católicos. Temos então dois grupos em um campo de disputa: de um lado, os pentecostais da Assembleia de Deus, frequentemente chamados de “seita pentecotista”, sectários, fruto de divisões e disputa com outras denominações; do outro, a Igreja Católica Apostólica Romana, acusada de apoiar bandeiras comunistas, anti-bíblicas e idólatras. Em comum, ambas reivindicam o Espírito Santo como mentor de seus trabalhos.

A INSTITUIÇÃO DO FERIADO DE NOSSA SENHORA APARECIDA NO BRASIL

A principal matéria da edição de setembro de 1980 do Mensageiro da Paz anunciava: “Liberdade religiosa ameaçada no Brasil”. A matéria veio assinada por Gustavo Kessler[4] e tratava da instituição do Dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, como feriado nacional. Na Câmara Federal, o projeto de lei 220-A/1979, da matéria em questão, pertencia ao deputado Jorge Arbage (Arena), ex-prefeito de Capanema, no Pará.  

No projeto, divulgado na íntegra pelo Mensageiro, Arbage pedia para que o dia 12 de outubro fosse declarado feriado nacional e que o Ministério da Educação e Cultura promovesse festas nas escolas de todo o Brasil na data da santa católica, com a presença de autoridades eclesiásticas, civis e militares. Kessler, na matéria, afirma ter ficado estarrecido com o teor do projeto de lei e diz que, se apresentado ao parlamento da Itália ou da Espanha, o texto seria rejeitado porque representava um atentado ao sistema democrático e era ofensivo aos direitos humanos aprovados e difundidos pela Organização das Nações Unidas no mundo inteiro (1980, p.6). Kessler questiona como pode um deputado eleito por adeptos de muitas religiões e seitas querer “escravizar a consciência de muitos dos seus eleitores” baseando-se na “pretensa grande maioria católica” que existia no Brasil (KESSLER, 1980, p.06).

É importante ressaltar que o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontava que, em 1980, 89% da população brasileira se autodeclarava católica. Os evangélicos eram 6,6%. Na matéria, no entanto, Kessler questiona os números do IBGE, afirmando que não existia maioria católica e apresenta, então, o que chama de “situação religiosa no Brasil”:

30 milhões de espíritas e umbandistas: é o que afirmam os políticos desses credos; 13 milhões de evangélicos (como a maioria dos evangélicos não contam as crianças entre seus membros, acrescente-se ao seu total mais 13 milhões); 500 mil judeus e maometanos; 2 milhões de religiosos orientais, incluindo os budistas entre os imigrantes japoneses; 20 milhões de católicos praticantes (os verdadeiros católicos-romanos) – número que parece alto, pois os seus templos nas grandes cidades vivem vazios. Isso tudo soma 79 milhões e 500 mil. O restante (40 milhões) é composto dos sem-religião (com grande número nas classes cultas), dos desiludidos de qualquer religião, dos confessadamente ateus, e dos católicos nominais (não praticantes), que vão à igreja somente: ou no dia do casamento ou quando se batiza um filho, ou na missa de um falecido para não desagradar a família do morto (KESSLER, 1980, p.06).

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