O cristão e a mente: como ser um cristão não deve pensar
Resenha: O cristão e a mente: como ser um cristão não deve pensar. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 30/10/2013 • Resenha • 4.719 Palavras (19 Páginas) • 277 Visualizações
Originally published in English under the title:
The Christian Mind: how should a Christian think?
First edition 1963 by S.P.C.K.
Holy Trinity Church
Marylebone Road, London
© Harry Blamires 1963
1a Edição - Setembro de 2006
Portuguese translation
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ISBN 85-88315-52-1
Printed in Brazil / Impresso no Brasil
Impressão e acabamento: Imprensa da Fé
TRADUÇÃO – Hope Gordon Silva
REVISÃO – Regina Aranha
DIAGRAMAÇÃO – SK editoração
CAPA – Julio Carvalho
Sumário
Prefácio .................................................................................................... 004
1. Para os preguiçosos ................................................................. ............005
2. Os mistificadores da religião ............................................................... 010
3. A aparência do pregador ...................................................................... 013
4. A natureza boa e a firmeza ................................. .................................015
5. Paciência .............................................................................................. 019
6. Bisbilhotices ........................................................................................ 021
7. Agarre as oportunidades ...................................................................... 023
8. Mantenha os olhos abertos .................................................................. 025
9. Como usar o pensamento .................................................................... 027
10. Imperfeições ...................................................................................... 029
11. Coisas que não valem a pena tentar ................................................... 031
12. Dívida ................................................................................................ 033
13. Lar ..................................................................................................... 038
14. Homens em adversidade .................................................................... 042
15. Esperança ........................................................................................... 046
16. Gastar ................................................................................................. 049
17. Uma palavra boa para as esposas ...................................................... 052
18. Homens de duas caras ....................................................................... 057
19. Sugestões para prosperar ................................................................... 060
20. Exagero .............................................................................................. 064
21. Coisas que eu não escolheria ............................................................. 068
22. Tentar ................................................................................................. 071
23. Monumentos....................................................................................... 074
24. Pessoas muito ignorantes ................................................................... 078
Prefácio
Em Sabedoria Bíblica escrevi para homens simples e pessoas comuns. Por isso, as palavras elegantes e sofisticadas foram substituídas por expressões e provérbios fortes e frases do dia a dia. Direciono meus ataques aos vícios de muitas pessoas, tentando incutir nelas as virtudes morais, sem as quais os homens se degradam. Muitas das coisas que precisam ser ditas para as massas de trabalhadores não se adaptam ao púlpito e às pregações dos dias de descanso; porém estas poucas linhas podem ensinar todos os dias economia e diligência em casa e no trabalho; e se alguém aprender estas lições, eu não me arrependerei de ter usado um estilo tão simples.
Lavrador é um nome que posso usar com legitimidade, pois todo pastor põe a mão no arado já que tem obrigação de rasgar o solo árido. O que escrevi com inspiração e certo humor não precisa de apologia, já que o som moral desse ensinamento chegou aos ouvidos
de pelo menos 300.000 pessoas, portanto não há nenhuma virtude especial em escrever de modo sofisticado.
C. H. Spurgeon
Capítulo 1: Para os preguiçosos
Dar conselho aos ociosos é tão inútil quanto despejar água em uma peneira; do mesmo modo, tentar aperfeiçoá-los é como tentar engordar um galgo. O Antigo Testamento já nos dizia para amassar nosso pão com água, se amassarmos uma ou duas cascas duras nesses charcos estagnados sempre nos restará ainda um consolo: se as pessoas preguiçosas não se tornam melhores quando semeamos bom senso, não tornamos piores por tentar adverti-las e não colhermos nada. Repreender preguiçosos é como ter um pedaço duro de solo para arar em que, com certeza, a colheita será menos farta. Mas se apenas a terra boa tivesse de ser cultivada, os lavradores poderiam se afastar do trabalho, e nós só teríamos de pôr o arado no sulco. Homens preguiçosos são muito comuns e crescem sem que seja necessário cultivá-los, mas a quantidade de sagacidade que existe em muitos deles seria insuficiente para pagar a aração: não é necessário nada para provar isso além do nome e do caráter deles, se não são tolos, são preguiçosos, e conforme diz Salomão: "O preguiçoso considera-se mais sábio do que sete homens que respondem com bom senso", já aos olhos de todos os outros, sua tolice é tão clara como o sol no céu. Se os ataco duramente, ao falar com eles, é porque sei que podem agüentar, pois se eles estivessem caídos no chão do celeiro, eu precisaria surrá-los muito antes de conseguir tirá-los da palha, e nem mesmo a debulhadora a vapor conseguiria fazer isso. Ela os mataria antes de conseguir levantá-los da palha, pois a preguiça está nos ossos de algumas pessoas e mostra-se em sua carne ociosa, faça você o que fizer com elas.
Bem, por isso, antes de tudo me parece que pessoas preguiçosas deveriam obrigatoriamente ter um grande espelho pendurado onde fossem obrigadas a se ver, com certeza, no final, se os olhos delas forem como os meus, não suportariam olhar para si mesmas por muito tempo ou com freqüência. A visão mais horrível do mundo é a de um desses vadios autênticos que dificilmente seguraria sua vasilha de comida se chovesse mingau de aveia e, com certeza, jamais seguraria um pote em que coubesse mais comida do que a necessária para si mesmo. Talvez, se a chuva fosse de cerveja, ele conseguisse despertar um pouco, mas acabaria de encher o copo depois. Provérbios descreve esse homem: "O preguiçoso põe a mão no prato, e não se dá ao trabalho de levá-la à boca". Acho que esse tipo de homem deveria ser tratado como os zangões que as abelhas expulsam das colméias. Todo homem deve ter paciência e piedade pela pobreza, mas para a preguiça seria melhor um chicote comprido ou uma volta pela roda do moinho. Esse poderia ser um purgante saudável para todos os preguiçosos. Mas seria muito difícil para alguns deles conseguir sua dose completa de medicamento, pois eles nasceram ricos, mas a riqueza não faz nada sozinha, ela precisa que alguém lhe empreste a mão. Como diz o velho ditado: "O preguiçoso é como o cão que encosta a cabeça na parede para latir" ou como as ovelhas preguiçosas para quem é muito trabalhoso carregar a própria lã. Seria muito útil se pudessem se ver, mas talvez fosse muito trabalho abrirem os olhos, mesmo que segurassem os óculos para eles.
Tudo no mundo tem alguma utilidade, mas o doutor em teologia, o filósofo ou a coruja sábia, em seu campanário, quebrariam a cabeça para descrever a utilidade da preguiça, ela me parece ser um vento mau que não sopra nada de bom para ninguém, um tipo de lodo onde as enguias não se reproduzem, um fosso sujo que não consegue alimentar nem mesmo um sapo. Peneire um preguiçoso, grão a grão, e não encontra nada de bom. Tenho ouvido pessoas dizerem que é melhor não fazer nada que promover a desordem, mas não estou bem certo disso, essas palavras brilham, mas não acredito que sejam ouro. É uma preguiça maléfica apesar da pitada de louvor; digo que a preguiça é má, e é de todo má. Por sorte, um homem que promove desordem é um pardal apanhando milho, mas um homem preguiçoso é um pardal sentado em um ninho cheio de ovos, que se transformarão em pardais e, em breve, causarão um monte de feridas. Não é necessário que me digam, tenho certeza – a erva daninha mais ordinária da terra não cresce na mente daqueles que estão ocupados com maldades, mas nas inquietações impuras criadas pela imaginação dos homens preguiçosos em que o mal se esconde sem ser visto, como a velha serpente, que ele realmente é. Não gosto que os nossos jovens se envolvam em desordem, eu preferiria vê-los com lodo até o pescoço que saracoteando por aí sem nada para fazer. Se hoje o mal de não fazer nada parece menor, amanhã, vocês descobrirão que ele é maior; o diabo põe carvão no fogo, e, assim, o fogo não arde, mas em função disso será um fogo muito maior no final. Preguiçosos, vocês têm de ser seus próprios trombeteiros, pois mais ninguém pode achar algo de bom em vocês para louvar. Eu gostaria de ver você através de um telescópio, pois certamente isso implicaria que você estaria muito distante; entretanto, nem mesmo os maiores óculos da igreja conseguiriam ver algo de valor em você. A respeito das toupeiras, dos ratos e das doninhas ainda há algo para se falar, mesmo que a visão deles pregados em nosso velho celeiro seja bonita; quanto a vocês, só serão úteis na sepultura ao ajudarem a aumentar o cemitério, mas eu não posso entoar uma canção em seu favor melhor que este verso, conforme disse o sacristão da igreja, pecado da minha própria composição:
Um preguiçoso desajeitado, bom para nada,Pecaminoso por dentro e esfarrapado por fora. Quem se importa em tê-lo por perto?Expulsem-no! Expulsem-no!
"Como o vinagre para os dentes, e a fumaça para os olhos", assim é o preguiçoso para o homem que sua para ganhar a vida honestamente, enquanto esses indivíduos deixam o mato crescer até os tornozelos e, como diz a Bíblia, atravancam a terra.
O homem que perde seu tempo e sua força com a indolência se oferece como alvo para o diabo, que é um atirador extraordinariamente bom e perfurará o preguiçoso com seus tiros; em outras palavras, o homem preguiçoso atenta o diabo a tentá-los. Aquele que joga quando deveria trabalhar enfeitiça um espírito do mal para ser seu parceiro; e aquele que nem trabalha nem joga é uma oficina à disposição de Satanás. Se o diabo capturasse um homem preguiçoso, ele o poria para trabalhar, faria com que ele encontrasse ferramentas e, depois de muito tempo, pagaria um salário a ele. Não é daí que vem a embriaguez que enchem nossas cidades e vilas de miséria? A preguiça é a chave para a penúria e a raiz de todo o mal. O homem que não tem estomago para trabalhar tem dois para comer e beber. Nas horas de preguiça, aquele pequeno buraco logo abaixo do nariz engole o dinheiro que colocaria agasalhos nos ombros das crianças e pão na mesa dos casebres. A palavra de Deus afirma: "Os bêbados e os glutões se empobrecerão", e o versículo mostra a ligação entre eles ao concluir: "E a sonolência os vestirá de trapos".Sei disso do mesmo modo que sei que o musgo cresce nos telhados velhos e que o hábito de se embriagar brota das horas de preguiça. Eu aprecio o lazer quando posso usufruir dele, mas isso é completamente diferente; uma coisa é pau, a outra é pedra.
Gente preguiçosa não sabe o que é lazer; está sempre com pressa e bagunçado, pois como negligencia o trabalho no momento certo sempre tem muito o que fazer. Ficar na indolência, hora após hora, sem fazer nada é o mesmo que fazer buracos na cerca para deixar os porcos passarem, e eles passarão – não se engane, pois os buracos que farão ninguém vê, exceto aqueles que cuidam do jardim. O próprio Senhor Jesus nos disse que enquanto os homens dormem, o inimigo semeia a praga; isso está muito certo, pois o mal entra no coração muito mais freqüentemente pela porta da preguiça que por qualquer outra. Nosso velho pastor costumava dizer: "Um preguiçoso é a melhor matéria prima para o diabo, ele pode criar qualquer coisa desde um ladrão até um assassino". Não sou o único a condenar os preguiçosos, certa vez, eu ia entregar ao nosso pastor a longa lista dos pecados de uma das pessoas a respeito de quem ele havia me questionado, eu comecei dizendo: "Ela é terrivelmente preguiçosa". No mesmo momento, ele disse: "É o suficiente; todos os tipos de pecados estão nesse, ele é o sinal para conhecer um pecador cheio de pecados".
Meu conselho para os jovens é: "Saiam do caminho da preguiça, pois vocês podem pegar essa doença e nunca se livrar dela". Tenho sempre medo de que eles aprendam o caminho da preguiça e fico muito atento para perceber qualquer coisa desse tipo logo no início; pois como vocês sabem, é melhor matar o leão enquanto é filhote.
Certamente, nossos filhos carregam nossa natureza negativa neles, por isso podemos vê-la crescendo como erva daninha em um jardim. Quem consegue tirar ao limpo do que não é limpo? O ganso selvagem não choca o ovo quebrado. Nossos garotos saem para a vida apenas com seus aspectos negativos, a não ser que, desde o início, tornemos nosso lar um local tranqüilo e bastante atraente para eles e os treinemos a odiar a companhia dos indolentes. Não os deixe ir ao bar "Rosa e a Coroa", faça-os, enquanto são jovens, aprender a ganhar uma coroa e cultivar as rosas no jardim de seus pais. Criem os jovens como abelhas, e eles não serão zangões, vadios.
Atualmente, há muito a se dizer em relação a mestres e mestras incompetentes. Ouso dizer que há algo de bom nisso, pois, há incompetentes de todos os tipos hoje, como sempre houve. Em outra ocasião, se me permitirem, darei uma palavra sobre o assunto; mas tenho certeza de que há muito espaço para censura, mesmo entre as pessoas trabalhadoras, especialmente em relação à preguiça. Vocês sabem que somos obrigados a arar com o gado que temos à disposição; mas quando tenho de trabalhar com certos homens, preferiria dirigir uma equipe de lesmas ou ir à caça de coelhos com um furão morto. Porque de imediato seria mais fácil tirar leite de pedra ou suco de cortiça do que conseguir resultados com alguns deles; mesmo porque eles estão sempre falando dos seus direitos. Eu gostaria que eles examinassem os próprios erros, em vez de se encostarem às alças do arado. Afinal, preguiçosos e dorminhocos não são trabalhadores, não passam de porcos, bois ou cardos em macieiras. Nenhum deles faz parte do grupo de caçadores que se veste com paletós vermelhos, e nenhum deles é trabalhador ou se denomina assim. Às vezes, eu gostaria de saber porque alguns de nossos empregadores mantêm afinal tantos gatos que não caçam ratos. Seria mais fácil eu deixar minhas moedas caírem em um poço que pagar para pessoas que apenas fingem trabalhar. Vê-las todos os dias se arrastando sobre uma folha de repolho, é algo que apenas nos irrita e faz nossa carne ferver. Viva e deixe viver, digo eu, mas não inclua os preguiçosos nessa licença. "Não dê comida aos que não trabalham".
Talvez seja o momento adequado para dizer que algumas pessoas das classes mais altas, como são chamados, dão um exemplo vergonhoso em relação a isso, alguns abastados são quase tão preguiçosos quanto ricos, e, muitas vezes, até mais. As ratazanas dormem por tanto tempo e tão ruidosamente quanto os ratinhos. A maioria dos párocos compra ou encomenda um sermão para evitar o trabalho de pensar. Isso não é uma preguiça abominável? Eles zombam dos que fazem discursos afetados, mas não ficam envergonhados ao ficar em pé para ler um sermão de outra pessoa como se fosse seu. Muitos de nossos fazendeiros não têm mais nada para fazer além de repartir o cabelo ao meio; e, em Londres, conforme me disseram, muitos dos nobres, tanto senhoras como cavalheiros, não têm ocupação melhor que matar o tempo. Atualmente, diz-se que quanto mais alto o salto, maior o tombo; da mesma forma, quanto mais importante é a pessoa, mais sua preguiça chama atenção, e mais ela deve se envergonhar dela. Não digo que elas têm obrigação de arar, mas que têm o dever de fazer alguma coisa em relação à situação, além de serem como as lagartas no repolho comem a melhor parte; ou como as borboletas que se exibem, mas não produzem mel. Não posso me irritar com essas pessoas por qualquer coisa, pois sinto pena delas, quando penso nas regras de moda estúpidas que são obrigadas a obedecer, e na vaidade com que prolongam seus dias. Eu preferiria antes vergar minhas costas com o trabalho pesado do que ser um rapaz elegante com nada para fazer além de me olhar no espelho e ver em mim mesmo um sujeito que nunca pôs uma simples batata no pote da nação, mas apenas tirou muitas. Antes despencar das montanhas de Surrey, esgotado como a velha égua marrom de meu mestre, que comer pão e queijo sem ter trabalhado para isso; é melhor ter uma morte honrosa que levar uma vida imprestável. Seria melhor entrar em meu caixão que ser um morto vivo, um homem cuja vida é uma folha em branco.
De qualquer modo, não é fácil que os preguiçosos passem impunes por todos seus esquemas porque, no fim, sempre carregam a maior parte das penas. Elas não consertam o telhado, portanto têm de construir uma nova cabana; não põem o cavalo na carroça, por isso, terão elas mesmas de puxar a carroça. Se fossem espertas, executariam bem seu trabalho, a fim de não fazê-lo duas vezes, e se esforçariam trabalhar bem enquanto estão na lida para tirar a pendência da frente. Meu conselho é: se você não gosta de trabalho pesado, comece a trabalhar com garra, execute-o e goze seu tempo de descanso.
Eu gostaria que todas as pessoas religiosas pensassem a respeito desse assunto, pois alguns professores são surpreendentemente preguiçosos e, com isso, fornecem um material lamentável para a língua dos ímpios.
Penso que um lavrador religioso deve ser o melhor homem no campo, e não deve permitir que nenhum grupo o derrote. Quando estamos trabalhando, temos o dever de estar com a atenção no trabalho e não podemos parar para conversar, mesmo que a conversa seja sobre religião. Do contrário, não apenas roubamos de nosso empregador o nosso próprio tempo, como também o tempo dos cavalos. Eu costumo ouvir pessoas dizerem: "Nunca pare o arado para matar um rato", da mesma forma, é uma tolice parar para bater papo; além disso, um homem que desperdiça o tempo, quando o patrão está ausente é um bajulador, o que considero o oposto de ser cristão. Se alguns dos membros de nossa congregação fossem um pouco mais ágeis com os braços e as pernas quando trabalham e um pouco menos ativos com as línguas, falariam mais sobre religião do que falam agora. O povo diz que o maior enganador é o mais devoto, eu fico constrangido em afirmar que um dos maiores preguiçosos que conheço é um homem que se declara abertamente um falante. Seu jardim está tão coberto de ervas daninhas que por pouco não tomo a iniciativa de capiná-lo para ele. Se ele fosse mais jovem, conversaria com ele a respeito disso para livrar nosso grupo da vergonha que ele acarreta sobre nós e a fim de orientá-lo melhor, mas quem pode ser professor de uma criança de sessenta anos? Ele é um espinho constante para o nosso amável pastor, que anda muito aflito com isso e diz muitas vezes que tem vontade de ir para outro lugar porque não consegue lidar com essa conduta; mas eu digo-lhe que em qualquer lugar que viva sempre encontrará um arbusto espinhoso perto de sua porta, e será uma benção se não encontrar dois.
Contudo, eu gostaria que todos os cristãos fossem diligentes, pois a religião jamais teve por desígnio que nos tornássemos preguiçosos. Jesus foi um grande trabalhador e seus discípulos não tinham medo de trabalhar duro.
Da mesma forma, tem muito disso no servir ao Senhor com o coração frio e a alma preguiçosa, além de fazer a religião definhar. Os homens cavalgam quando caçam para ganhar algo, mas são lerdos quando estão a caminho do céu. Os pregadores continuam a vacilar e a falar de forma monótona, em uma verdadeira lengalenga, e o povo começa a bocejar, cruzar os braços e a dizer que, por isso, Deus está recusando a bênção. Todo preguiçoso maldiz sua sorte quando se vê incluído grupo dos esfarrapados; e algumas igrejas aprenderam esse mesmo artifício pernicioso. Eu acredito que quando Paulo planta, e Apolo rega, Deus faz crescer, e não tenho paciência com os que põem a culpa em Deus, quando eles são os culpados. Agora esgotei todos os meus recursos. Receio ter falado em vão, mas fiz o melhor que pude, nem um rei poderia fazer mais. Uma formiga nunca produzirá mel se não trabalhar com o coração, e eu jamais exporei meus pensamentos de forma tão bela como alguns escrevem um livro de sucesso; mas a verdade é a verdade mesmo vestida de chita e, assim, chego ao fim de toda essa história.
Capítulo 2: Os mistificadores da religião
Quando o homem tem a cabeça peculiarmente vazia, em geral, tem a presunção de ser um grande juiz, em especial, em relação à religião. Ninguém é tão sábio quanto o homem que não sabe nada. A ignorância é a mãe de sua impudência, e, a enfermeira de sua obstinação, aliás ele não distingui o joio do trigo, resolve os assuntos como se a sabedoria estivesse na palma de sua mão. O próprio papa não seria tão infalível. Ouça suas palavras depois de participar de uma reunião ou de ouvir um sermão, e você saberá como reduzir um homem de bem a frangalhos, se já não souber fazer isso. Ele vê imperfeições onde elas não existem; e se encontra qualquer coisa imperfeita faz tempestade em um copo d'água. Apesar de toda sua capacidade caber na casca de um ovo, ele pesa o sermão na balança da própria vaidade, com os ares de um bem nascido e criado Salomão. Se o sermão estiver acima do seu padrão, ele exagera nos elogios, mas se não for do seu gosto, ele resmunga, fala rispidamente e ladra como um cão diante de um porco espinho. Neste mundo, homens sábios são como árvores em um cercado, encontramos apenas um aqui, outro ali. Quando esses homens raros falam juntos sobre um discurso, ouvi-los faz bem aos ouvidos; mas os sabichões convencidos dos quais estou falando, ficam estufados de vaidade por causa de sua forma de pensar materialista, e suas palavras são tão sem sentido quanto o grasnar dos gansos no campo. Nada sai de um saco, a não ser o que estava dentro dele, e como a mala deles está vazia não tiram nada dela, a não ser vento. É muito natural que nem os pastores nem os sermões sejam perfeitos – o melhor dos jardins pode ter algumas ervas daninhas, o milho mais limpo pode ter alguma palha –, mas esses cavalheiros fazem críticas e encontram imperfeições em tudo e em nada, com o intuito de mostrar seu profundo conhecimento. Tão logo dão folga para suas línguas, começam a criticar que o capim não tem um tom de verde agradável ou que o céu ficaria mais nítido se fosse caiado.
Um grupo de ismaelitas foi forjado por esses ambiciosos ignorantes, poderosos no conhecimento da doutrina contida em um sermão, nisso são incisivos como marretas e infalíveis como a morte. Quem não sabe nada, presume que sabe tudo; por isso, eles são de uma teimosia sem limites. Todos os relógios, até mesmo os solares, têm de ser acertados com os deles. A menor divergência com sua opinião faz com que o homem se sinta aniquilado até o fundo do coração. Aventure-se a argumentar com eles, e o ínfimo conhecimento dele extravasa rapidamente; perguntar a eles a razão de alguma coisa é a mesma coisa que procurar açúcar enterrado na areia. Eles engarrafaram o mar da verdade e o carregam nos bolsos de seus coletes; mediram a linha da graça divina e deram um nó no barbante no comprimento exato do amor dos eleitos de Deus. As coisas que os anjos custam a conhecer, eles já as conhecem todas, como as crianças que vêm coisas incomuns nos caleidoscópios. Tendo vendido sua modéstia e se tornado mais sábios que seus mestres, eles montam em um cavalo muito alto e passam por cima dos cinco portões trancados dos textos bíblicos, que ensinam doutrinas que contrariam suas idéias absurdas. Quando isso acontece a homens de bem, é muito triste ver esses potes de ungüento perfumado deteriorados pelas moscas, porém aprendemos a lidar com eles, assim como faço com a velha Violeta, uma égua excepcional, mas que, às vezes, põe as orelhas para trás e empaca. Mas há bastante arrogância nos que são apenas ferrão, sem mel; apenas chicote, sem feno; apenas grunhidos, sem bacon; nos que, da manhã à noite, não fazem nada além de injuriar, em todos que não agüentam ver seus espetáculos até o fim. Seria mais suportável se eles, ao menos, misturassem um pouco de bem viver a todo esse orgulho, mas não, eles não se preocupam com essa verdade. Não se pode esperar que homens tão perfeitos como eles sejam bons em alguma outra coisa; eles são os cães de guarda divinos que protegem a casa de Deus contra os ladrões e assaltantes que não pregam doutrina sadia; e se eles fossem causa de aflição para as ovelhas ou furtassem um ou dois coelhos às escondidas, quem os culparia? O povo querido de Deus, como eles mesmos se intitulam, já tem de fazer muito para manter sua doutrina audível; e quem se preocupa se os métodos não são perfeitos! Ninguém pode cuidar de tudo ao mesmo tempo. Eles são as toupeiras que buscam caça em nossos pastos, não para si mesmos, pois não há nada aproveitável lá para eles, mas sim para os prados que corrompem. Eu não encontraria nem mesmo a metade de um erro na doutrina deles, se não fosse direcionada para os seus espíritos; mas, se comparados a ela, o vinagre é doce, e os lobos parecem ovelhas. É uma doutrina tão elevada que está muito acima de minha capacidade, porém, preciso ter muita experiência e muita prática ao lidar com ela ou embrulhará meu estômago. Por outro lado, eu disse o que tinha para dizer, preciso abandonar o assunto, ou alguém perguntará o que tenho que ver com o moinho de vento de Dom Quixote?
Às vezes, repreendem o pregador por seu modo de falar. Mais uma vez, esse é um campo fácil de se encontrar imperfeições, pois todo monte de feijão sempre tem um escuro, e todo homem tem suas falhas. Nunca conheci um bom cavalo que não tivesse algum hábito estranho ou outro defeito, e nunca vi um pastor de mérito não usar algum artifício ou singularidade, assim, esses são os bocados de queijo que os mistificadores descobriram e censuram, esse homem é muito vagaroso, e o outro, muito rápido; o primeiro é muito poético, e o segundo, muito maçante. Seria uma tristeza, se todas as criaturas de Deus fossem julgadas desse jeito, nós precisaríamos apertar o pescoço da pomba para domesticá-la; atirar nos tordos por comerem aranhas; matar as vacas por balançarem as caudas; e as galinhas por não nos fornecerem leite. Quando um homem tirar um obstáculo, ele logo consegue um pedaço de madeira; da mesma forma, qualquer tolo tem algo a dizer contra o melhor pastor da Inglaterra. Do mesmo modo, se a forma de pregar é constituída apenas de palavras simples e séria, ninguém pode fazer objeção a ela – por lhe faltar polimento se o conteúdo é bom –, ela não pode soar imprópria. Ninguém deveria usar linguagem prolixa no púlpito – e pode-se considerar toda linguagem negativa se as pessoas simples não conseguem entendê-la, mas as palavras religiosas, sóbrias, decentes e simples ninguém pode criticar. O homem do campo fica tão aquecido com chita, quanto um rei com veludo, e uma verdade é tão confortadora em palavras simples quanto em um discurso refinado. Cada um no seu lugar; quando estão com fome, os homens deixam a cozinheira preparar a carne, pois ela a deixa mais tenra e substanciosa. Se os ouvintes fossem melhores, os sermões também seriam. Quando os homens dizem que não podem ouvir, eu recomendo que comprem um captador de som e lembrem do velho ditado: "O pior surdo é quem não quer ouvir".Quando jovens pregadores ficam desanimados, devido às observações duras e indelicadas, em geral, conto-lhes a história do velho, do menino e do burro e o que aconteceu com a tentativa de agradar a todos. Nenhum tocador de flauta jamais conseguiu agradar a todos os ouvintes. Quando se põe o capricho e a fantasia no lugar do julgamento, a opinião de um homem não passa de vento, por isso, ninguém se preocupa com isso mais que com o vento que assobia pelo buraco da fechadura.
Já ouvi falar de pessoas que conseguiram encontrar erros em coisas que nem faziam parte do discurso. Não importa quão bem se trouxe o assunto à tona, havia outro assunto sobre o qual nada foi dito e, portanto, tudo estava errado. Isso é tão justo quanto encontrar defeito em meu arado porque não cava buracos para os feijões ou estragar um bom campo de milho porque não há nabos nele. Quem procura por cada uma das verdades de um sermão? Da mesma forma, vocês poderiam reclamar de um prato com um pedaço de carne porque não tem bacon, ou vitela, ou ervilhas verdes.
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