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O prefácio do autor ao livro Cristianismo

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Por:   •  23/11/2014  •  Resenha  •  2.884 Palavras (12 Páginas)  •  338 Visualizações

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Prefácio

O conteúdo deste livro foi originalmente divulga¬do na forma de programas de rádio antes de ser publi-cado em três volumes separados: Broadcast Talks (1942), Christian Behaviour (1943) e Beyond Personality (1944). Nas versões impressas, fiz pequenos acréscimos àquilo que falei ao microfone; mas, em linhas gerais, mantive o texto tal como fora ao ar. Na minha opinião, uma "con¬versa" pelo rádio deve manter-se o mais próxima possí¬vel da linguagem oral e não deve soar como um ensaio acadêmico lido em voz alta. Em meus programas, por¬tanto, empreguei todas as contrações e coloquialismos usados nas conversas cotidianas. Nas edições impressas, reproduzi este modo de falar, usando don't e we've em vez de do not e we have . E toda vez que, nos colóquios radiofônicos, eu sublinhara a importância de uma pa¬lavra com o tom de voz, publiquei-a em itálico. Hoje, tendo a pensar que isso foi um erro — um híbrido in¬desejável entre a arte da fala e a da escrita. Um pales¬trante deve usar a variação da voz como instrumento de ênfase, pois esse método é próprio ao meio de co¬municação empregado. Já um escritor não deve utilizar os itálicos para esse fim. Ele dispõe de meios próprios e diversos de frisar as palavras-chave, e deve usá-los. Na presente edição, desfiz as contrações e substituí a maior parte dos itálicos, reformulando as frases em que apare¬ciam: espero que, mesmo assim, a obra não tenha per¬dido o tom "popular" ou "familiar" que desde o início pretendi dar-lhe. Também fiz cortes e acréscimos em partes da obra cujo tema julguei compreender melhor hoje do que há dez anos, ou onde sabia que a versão original não fora compreendida pelo público.

O leitor deve saber desde já que não oferecerei aju¬da a ninguém que esteja hesitante entre duas denomi-nações cristãs. Não sou eu que vou lhe dizer se você deve seguir a Igreja Anglicana, a Católica Romana, a Meto-dista ou a Presbiteriana. Essa omissão é intencional (mes¬mo na lista que acabei de elaborar, a ordem é alfabética).

Não faço mistério a respeito da minha posição pessoal. Sou um simples leigo da Igreja Anglicana e não tenho preferência especial nem pela Alta Igreja, nem pela Baixa, nem por coisa alguma. Neste livro, porém, não busco converter ninguém à minha posição. Desde que me tor¬nei cristão, penso que o melhor serviço, talvez o único, que posso prestar a meus semelhantes incrédulos seja explicar e defender a fé comum a praticamente todos as cristãos em todos os tempos. Tenho várias razões para pensar assim. Em primeiro lugar, as questões que divi¬dem os cristãos entre si quase sempre envolvem pontos da alta teologia ou mesmo de história eclesiástica, que de¬vem ser tratados apenas pelos verdadeiros conhecedores da matéria. Vadeando nessas águas profundas, eu não po¬deria ajudar a ninguém; antes, teria de ser ajudado. Em segundo lugar, penso que se deve admitir que a discussão dos pontos disputados não contribui em nada para tra¬zer para o âmbito cristão uma pessoa de fora. Enquan¬to nos ocuparmos em escrever e discutir sobre estes te¬mas, estaremos fazendo mais para impedir essa pessoa de ingressar em qualquer comunidade cristã do que para trazê-la para a comunidade à qual pertencemos. Nossas divisões só devem ser discutidas na presença dos que já chegaram a acreditar que existe um único Deus e que Jesus Cristo é seu único Filho. Por fim, tenho a impres¬são de que mais e melhores autores se engajaram no debate desses temas controversos do que na defesa daquilo que Baxter chamou "cristianismo puro e simples". A par¬te que me coube é a mais modesta, mas é também aquela em que penso poder dar a melhor contribuição. A deci¬são de segui-la foi natural.

Pelo que sei, foram esses os meus únicos motivos, e ficarei grato se as pessoas se abstiverem de fazer espe-culações fantasiosas sobre o meu silêncio a respeito de certos temas em que há desavença.

Esse silêncio não significa, por exemplo, que eu es¬teja "em cima do muro". Às vezes estou: há, entre os cris¬tãos, certas questões pendentes cujas respostas, segundo penso, ainda não nos foram fornecidas. A respeito de ou¬tras, talvez eu nunca obtenha as respostas; se as buscasse, mesmo que num mundo melhor, ser-me-ia dito o que foi respondido a um inquiridor bastante superior a mim: "O que lhe importa? Quanto a você, siga-me!" Há uma terceira ordem de questões, no entanto, sobre as quais tenho uma posição firme, mas mesmo assim não me pronunciarei sobre elas, pois não escrevo para expor o que eu poderia chamar "minha religião", mas para ex-plicitar o cristianismo "puro e simples", que é o que é e sempre foi, desde muito antes de eu nascer, quer eu goste disso, quer não.

Certas pessoas tiram conclusões precipitadas do fato de eu manter silêncio a respeito da Virgem Maria, a não ser para afirmar o nascimento virginal de Jesus Cristo. Mas não é óbvio o meu motivo para proceder dessa ma¬neira? Se falasse mais, penetraria em regiões altamente controvertidas; e não existe, entre os cristãos, uma con-trovérsia maior ou que deva ser tratada com maior tato. As crenças dos católicos sobre esse assunto não são de-fendidas apenas com o fervor normal que se espera en¬contrar em toda a religiosidade sincera, mas (muito na-turalmente) com o ardor incomum e, por assim dizer, cavalheiresco, com que um homem defende a honra de sua mãe ou de sua amada. E muito difícil discordar do católico sem, ao mesmo tempo, não parecer a seus olhos um malcriado ou mesmo um herege. Já a crença do pro¬testante a respeito deste assunto desperta sentimentos inerentes às raízes de todo o monoteísmo. Para o pro¬testante radical, a distinção entre o Criador e a criatura (por mais santa que seja) parece ameaçada: o politeís¬mo renasce. Logo, é difícil discordar do protestante sem parecer a seus olhos algo pior do que um herege — um pagão. Se existe um tema que tem o poder de causar danos a um livro sobre o "cristianismo puro e simples" - se existe um tema que pode tornar absolutamente im¬produtiva sua leitura para quem ainda não acredita que o filho da Virgem é Deus —, é este.

Curiosamente, você não poderá concluir, a partir do meu silêncio deliberado sobre os temas que suscitam polémica, se eu os considero importantes ou pouco im¬portantes, pois a questão da importância é em si mes¬ma um dos pontos polémicos. Uma das coisas sobre as quais os cristãos discordam é a importância de suas dis-cordâncias. Quando dois cristãos de igrejas diferentes iniciam uma discussão, não demora muito para que um deles pergunte se o ponto em questão "é realmen¬te importante", ao que o outro retruca: "Importante?

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