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Ato Educado - Freire

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Por:   •  5/1/2015  •  9.472 Palavras (38 Páginas)  •  580 Visualizações

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ......................................................................................................4

1 PAULO FREIRE.......................................................................................................9 2.1 Um breve histórico ..............................................................................................9 2.2 O despertar para a tomada de consciência do ato educativo.............................16

2 DEFINIÇÕES DE EDUCAÇÃO.............................................................................23

3 SABERES IMPRESCINDÍVEIS À PRÁTICA EDUCATIVA ..................................33 3.1 Educação como acolhimento no mundo.............................................................33 3.2 Educação como acontecimento ético.................................................................37 3.3 Educação como direito.......................................................................................40 3.4 Educação: um ato político ..................................................................................45

4. CONCLUSÃO......................................................................................................49 REFERÊNCIAS.........................................................................................................52

APÊNDICES .............................................................................................................54 APÊNDICE A –Obras publicadas por Paulo Freire ...................................................55

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APRESENT AÇÃO

Este trabalho teve o intuito de analisar as principais dimensões do ato educativo, tendo por norte a última obra publicada em vida do educador brasileiro Paulo Freire: Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.

Diversas razões me levaram à sua proposição e encaminhamento. Optei pela produção de um ensaio teórico, mesmo ciente das minhas limitações e do risco dessa ousadia, mas por acreditar que todos os profissionais da educação devem articular e submeter seus saberes disciplinares, técnicos ou não, à reflexão crítica, ousei.

Ousei, porque sou educadora. Como tal, meu cotidiano é e deverá ser sempre marcado pelo medo e pela ousadia, como nos fizeram pensar e concluir as conversas mantidas entre Paulo Freire e Ira Shor, em 1987. Convicta, ainda, quanto a que a posição que cada professor assume orienta a trajetória do seu trabalho, na escola ou fora dela.

Um pouco da minha história pode explicar, por suas marcas, a atitude de ousadia que trespassa o presente trabalho, desde sua proposição. Do que me recordo, relato o que segue.

Observando muitas falas e ações de professores durante a minha formação básica e das tantas outras que ocorreram ao longo da formação superior, no curso de Pedagogia, prestes a ser concluído, pude experienciar e perceber que, muitas vezes, alunos e professores são tratados apenas como fontes de trabalho, e que a escola ocupa, nesses casos, o espaço de uma empresa. Dessas, onde todos têm que ir todos os dias, passarem o cartão, assinarem seu ponto ou responderem à chamada, produzir, mesmo que a mesmice, e voltarem para casa, como se nada do que nela aconteça mude alguma coisa na vida de cada um. Melhor dizendo, parece que nada muda..., nem no aluno, nem no professor.

No curso de Pedagogia, quando desenvolvi um estágio curricular não- obrigatório, percebi que alguns professores da Educação Básica demonstravam uma visão restrita e tipificada acerca da educação. Contudo, em seus discursos o uso de jargões comuns e reconhecidos na área era habitual. Entretanto, parecia que não os compreendiam. Pregavam uma coisa e faziam outra. Seus fazeres que deveriam ser em cada ato educativo, realizados de modo intencional, sistemático com vistas à

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transformação, dos alunos e dos professores envolvidos, transcorria em uma rotina distinta de um curso libertador, porque segundo Paulo Freire não “ “ilumina’ a realidade no contexto do desenvolvimento do trabalho intelectual sério” (FREIRE; SHOR, 1987, p.25. Grifo do autor). Com isso, não se está dizendo que a educação reduza-se a um ato de conhecimento. É, além do mais, um ato político.

Diferente de outros trabalhos, as produções que ocorrerem na escola devem impulsionar os alunos a assumirem uma perspectiva crítica. Tal ocorre, quando o ato educativo está voltado para a transformação social, e para Paulo Freire a possibilidade da transformação é “possível porque a consciência não é um espelho da realidade, simples reflexo, mas é reflexiva e refletora da realidade” (FREIRE; SHOR, 1987, p.25. Grifo do autor).

A constatação dessas ações e de outras me despertaram o interesse em me debruçar na leitura e em uma reflexão orientada pelos dizeres e fazeres do educador brasileiro, isto é, nas obras de Paulo Freire. Encaminharam-me para a proposição de algumas questões. Entre elas, por exemplo: O que é a educação? Quais dimensões são imprescindíveis ao ato educativo para que este promova transformações? O que caracteriza uma educação transformadora? O que é necessário para que os fazeres que acontecem na escola deixem de ser a expressão de uma relação empregatícia, e os professores assumam a posição de que suas práticas educativas são fundamentalmente de natureza ética e política?

Não entenda o leitor deste trabalho que as respostas a essas questões serão apresentadas como as finais. A incompletude do ser humano, como fala Paulo Freire (1998) é própria da sua experiência vital, porque é “impossível saber-se incabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de explicação, de respostas a múltiplas perguntas (FREIRE, 2006, p.136). Ousei, como disse, constituir um relato de minhas reflexões, tendo por base a última obra de Paulo Freire publicada em vida, isto é, o livro Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, e assim constitui o ensaio teórico que apresento como TCC.

Por ele objetivei compartilhar e despertar o interesse de todos, especialmente de alunos e de professores, acerca da importância do ato educativo e da inesgotável fonte de ensinamentos que a leitura das obras de Paulo Freire possibilita.

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Pretendo, por este relato, instigar os leitores, especialmente os professores, a assumirem posturas que contribuam para que suas práticas educativas, formais e não formais, formem cidadãos críticos e autônomos, capazes de transformar a realidade social, bem como a se implicarem como profissionais em estabelecerem condições que iluminem as condições nas quais trabalham. Porque, alunos e professores podem, como diz Shor (1987, p.25): "aprender a ser livres, estudando [a] falta de liberdade [a pensar] criticamente sobre as forças que interferem [no] pensamento crítico".

Busca-se aqui, contribuir para que professores passem a perceber e trabalhar na educação de forma diferente, entendendo o emaranhado de significados legitimados e necessários a serem postos em questão. Sendo assim, tópicos trabalhados no presente ensaio podem incentivar a que outros reflitam e criticamente interiorizem e assumam posturas nas quais a educação seja produzida em contextos que favoreçam pensar e agir com vistas à transformação individual e social.

Este trabalho encontra-se organizado em quatro seções, que traçam um caminho do geral para o específico. Inicialmente, são apresentadas parte das contribuições de Paulo Freire, contextualizando o percurso de sua vida e produções, com o intuito de situar e caracterizar a obra.

Com o intuito de entender a concepção de educação por ele defendida selecionamos, por considerarmos básicos, alguns dos saberes que os educadores se devem apropriar para que a educação seja significativa.

Assim, na primeira seção, sob o título Paulo Freire, apresentamos esse educador, destacando sua trajetória, suas idéias centrais e sua repercussão para o cenário educacional, nacional e internacional, por meio de um breve histórico.

Para circunscrever a contribuição de Paulo Freire, várias obras e concepções de outros autores foram consideradas, porém tomou-se como base principal do presente trabalho, a obra Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pratica educativa, devido à sua relevância para análise dos atos educativos.

A segunda seção, intitulada Definições de Educação, apresenta definições de educação dicionarizadas, procurando discuti-las em face dos ideais de educação defendidos por Paulo Freire, tendo por fonte a obra selecionada. Consideramos imprescindível esta seção, pois torna-se necessário entender o que a

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educação, em seu sentido comum almeja para que se saiba se a trajetória e caminhos traçados para o ato educativo seguem, e em que medida, os principais objetivos da educação defendidos por Paulo Freire, quais sejam os da conscientização, no caso por parte de cada educador, de que a educação é um ato político e que deve ser transformadora.

A terceira seção “Saberes imprescindíveis à prática educativa”, toma por foco as proposições de Paulo Freire apresentadas em sua produção, especialmente as relativas aos saberes considerados imprescindíveis para a condução de atos educativos.

Propomos, primeiramente, a necessidade de se conceber a educação como acolhimento no mundo, em um mundo humano e no qual uma herança simbólica pública e comum precisa a ser compartilhada com as gerações mais jovens, as quais devem ser ensinadas pelas mais velhas, especialmente na escola. Analisamos para tanto as produções de Carvalho (2006) e de Màlich (2004), tendo por foco a proposição de Paulo Freire reiterada em suas obras (por exemplo, em 1986; 1987; 1996/2006; 2001), relativa à educação como ato político.

O texto de Carvalho (2006) remete para a proposição de Hanna Arendt quanto à importância da geração mais velha assumir a responsabilidade de acolher a geração mais nova. Acolhimento esse que se deve pautar pelo amor, oportunizando aos mais jovens a condição e a tarefa de renovarem a herança simbólica comum. O texto de Mèlich (2004) que instigou-nos a refletir sobre a educação como um acontecimento ético, com vistas à formação, à transformação.

Por sua vez, o texto de Gimeno Sacristán (2008) instigou a que dimensionássemos no cenário sócio-político atual a urgência de que seja propiciado a todos, o direito a educação.

Pelas exigências postas para a apresentação deste trabalho, como TCC o item Conclusões faz-se necessário. Assim o colocamos, apesar de que estas aos serem lidas devem ser situadas no momento em que foram realizadas. Como admitimos a incompletude do ser humano e a sua inquietude permanente, sabemos essas conclusões não passam de considerações que no momento nos foram possíveis.

As ponderações expressas neste trabalho pretendem contribuir para aqueles que atuam como professores ou venham a exercer esse ofício para que se sintam instigados a refletir sobre suas práticas educativas e para que analisem se

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elas se inscrevem como forças características de uma educação transformadora, como idealizada por Paulo Freire.

Além disso esta produção, no plano pessoal foi muito importante para o meu processo de formação, pois a educação é o foco principal para minha vida, especialmente como futura educadora.

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1. PAULO FREIRE

1.1. Um breve histórico

Considerado um dos maiores educadores brasileiros até hoje e respeitado mundialmente, a produção de Paulo Reglus Neves Freire, mais conhecido como Paulo Freire, trouxe e traz inegável contribuição para o cenário nacional e internacional no campo da educação, por suas idéias e concepções, as quais muitas vezes sofreram e sofrem duras críticas. As marcas da esperança e de alegria, quanto à possibilidade da educação contribuir para a transformação, social são acentuadas em todas as suas obras (vide relação no Apêndice 1).

Paulo Freire nasceu em Recife, em 1921. Segundo Britto e Fávero (2002), Freire diplomou-se em Direito (1946), mas desistiu logo desta prática, tornando-se, em 1947, Diretor do Setor de Educação e Cultura do SESI (Sistema Social da Indústria) de Pernambuco, onde em seguida assumiu a Superintendência da instituição. Atuou como professor de Filosofia da Educação na antiga escola de Serviço Social de Recife, tendo concorrido para o provimento da cadeira de História e Filosofia da Educação da antiga escola de Belas-Artes de Pernambuco para o qual acabou não sendo indicado. Por “sua ativa presença na vida educacional, cultural e política da cidade, e, depois, do Estado e do País, levou-o a ocupar diversas posições concomitantes (BRITTO e FÁVERO, 2002, p.893).

Sempre envolvido e ativo em movimentos educativos, culturais e políticos, Paulo Freire desde cedo contribuiu e fez presente suas idéias. As ações e o compromisso dele como educador levou a que a sociedade o reconhecesse como um agente imprescindível na discussão dos assuntos educacionais, sendo sempre convidado e levado a assumir diferentes cargos.

Em 1960, Paulo Freire participou da criação do MCP (Movimento de Cultura Popular) de Recife, tendo sido incumbido de dirigir a Divisão de Pesquisas da entidade. Dois anos depois assumiu a direção do serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife. Contudo, foi em 1961, que as suas primeiras experiências com vistas ao processo de elaboração de um método de alfabetização, ocorreram no Poço da Panela, local em que funcionava um dos Centros de Cultura do MCP. Entre 1962 e 1963, Paulo Freire orientou a equipe de coordenação dos trabalhos de

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alfabetização realizados na Paraíba, em São Paulo e no Rio Grande do Norte. A experiência que aconteceu neste estado culminou em uma ampla campanha publicitária e promoveu a divulgação do Método Paulo Freire pelo Brasil e no exterior. Segundo Britto e Fávero (2002) as proposições teóricas desse educador consolidaram-se entre 1961 e 1963, ao longo de suas atividades no Movimento de Cultura Popular e no serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife.

Em 1963, Paulo Freire foi convidado e aceitou integrar a comissão de conselheiros do Conselho Estadual de Educação do Estado de Pernambuco. Em meados desse ano, foi designado pelo Ministro da Educação, Paulo de Tarso Santos, para presidir a Comissão Nacional de Cultura Popular (BRITTO e FÁVERO, 2002).

Pode-se afirmar que suas primeiras experiências no campo educacional foram marcadas sobretudo pelo trabalho que desenvolveu junto à educação de jovens e adultos. Nesse mesmo ano (1963), Paulo Freire ensinou 300 adultos a ler e a escrever em 45 dias. O método de alfabetização que propôs foi adotado em Pernambuco, estado reconhecido por ser produtor de cana-de-açúcar, acentuando-se assim a marca de seu trabalho junto aos pobres, conforme informa disponível no link Cátedra Paulo Freire (2000/2008).

Em março do ano seguinte (1964), Freire assume a coordenação do Programa Nacional da Alfabetização, sob coordenação do Ministério da Educação. Mas com o golpe militar, em 1964, Freire foi acusado de pregar o comunismo, sendo obrigado a sair do Brasil, na condição de exilado. O período de exílio foi utilizado pelo educador para produzir, tendo, e aproveitado para concluir a redação e desenvolvido trabalhos relacionados à educação de jovens e adultos analfabetos. Vinculou-se em Santiago, no Chile, ao Instituto de Pesquisa e Treinamento em Reforma Agrária, trabalhando também no Escritório Especial para Educação de Adultos. Lecionou na Universidade Católica e assumiu na época o cargo de consultor da UNESCO (BRITTO e FÁVERO, 2002).

A contribuição no âmbito educacional mundial de Paulo Freire se mostra grandiosa. Em 1968, publica uma das obras consideradas por alguns críticos e seguidores como a mais importante: Pedagogia do Oprimido. Este livro registra, segundo Britto e Fávero (2002, p.897):

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[...] os resultados de uma persistente e intensa reflexão sobre suas práticas e sobre as orientações do processo educativo. Estuda a relação entre opressores e oprimidos, analisa as dimensões políticas da educação e apresenta suas propostas para uma educação libertadora, em oposição àquilo que denominou de educação bancária, domesticadora [...] documenta uma significativa evolução nos quadros teóricos de referência do educador.

Nessa obra, Paulo Freire apresenta suas reflexões acerca das práticas e regulações do processo produtivo, e analisa a relação entre opressores e oprimidos, destacando as dimensões políticas da educação e apresentando propostas para a educação libertadora, opondo-se a educação bancária, domesticadora (BRITTO e FÁVERO, 2002). Com mais de 40 anos, essa obra é um dos documentos significativos produzidos por Paulo Freire e no qual argumenta e defende uma outra postura para os que ensinam: a de que tracem condições para uma educação libertadora. Os temas abordados nessa obra ultrapassam as circunstâncias históricas de sua publicação.

Em 1969, Paulo Freire aceita o convite para ser professor da universidade de Harvard (USA). Em 1970, torna-se consultor especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas e passa a desenvolver projetos e programas educacionais em países pobres da América, Ásia e África. Neste último continente trabalhou na cidade de Guiné-Bissau e a socializou em seus escritos essas experiências. Passa a colaborar com um grupo de educadores na criação do Instituto de Ação Cultural (Idac), do qual se tornou presidente (BRITTO e FÁVERO, 2002).

Como consultor especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas, Freire desenvolveu programas de alfabetização em algumas ex- colônias portuguesas pré-revolucionárias como Angola e Moçambique, ajudando também os governos do Peru e da Nicarágua em suas campanhas de alfabetização (CÁTEDRA PAULO FREIRE, 2000/2008). Paulo Freire demonstra então, por seu trabalho, a importância da constituição de uma consciência crítica para que a participação e a emancipação se tornem possíveis.

Britto e Fávero (2002, p. 898) definem a marca do trabalho desenvolvido por Paulo Freire nessa época, como segue:

Na interação com as exigências educacionais de antigas colônias em processo de conquista da independência, retomou e ampliou as

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análises sobre as antigas e sempre presentes questões da educação dos homens para a democracia, a crítica, a participação e a emancipação. Procurou examinar o papel da educação em face dos desafios colocados pelo colonialismo e pelos movimentos nacionais de libertação.

Paulo Freire sempre buscou centrar suas análises e reflexões acerca da educação tomando a democracia como modelo político. Com descrito, em sua vida Paulo Freire não se limitou apenas em teorizar, mas buscou sempre se engajar discutindo a importância da autonomia e de uma consciência crítica para a sociedade e, sobretudo no âmbito educacional. Os programas que propôs e suas ações educativas demonstram suas preocupações relativas à “[...] transformação social e construção de uma sociedade justa, democrática e igualitária” (CÁTEDRA PAULO FREIRE, 2000/2008, p.01). Devido a suas inúmeras contribuições, Paulo Freire tornou-se um pedagogo brasileiro de destaque, devido a seu compromisso com a sociedade, principalmente com as camadas populares.

Assumindo cargos locais até chegar a postos em organismos internacionais, Paulo Freire destacou-se por estar sempre contribuindo para a reflexão e proposições de ações no campo educacional. Evidenciou, ao longo de sua vida, a importância da formação dos educadores, tanto em sua formação inicial quanto na sua formação continuada, salientando a relevância de que fossem capazes, por suas ações, isto é, pelas práticas educativas, em contribuírem para as transformações sociais necessárias para uma sociedade mais justa.

Suas propostas tornaram-se, desde então, muito conhecidas, e utilizadas até hoje. A maioria das suas expressões relativas ao ensino foram substituídas por ele, visando romper com o caráter autoritário e ideológico daquelas.

Entre essas, Britto e Fávero (2002, p.894) destacam:

[...] em vez de classe, falava-se em “circulo de cultura”. O professor era substituído pelo “coordenador de debates” (o “educador- educando”) e o aluno pelo participante do “círculo de cultura” (o “educando-educador”). Eliminavam-se cartilhas e livros de textos, substituídos pelo trabalho com a linguagem corrente na localidade e pela discussão das experiências de vida dos participantes dos “círculos de cultura”.

Sua contribuição para a educação não se restringiu à substituição de termos ou à proposição de um método. Criticou a linguagem técnica educacional,

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especialmente pela concepção autoritária e ideológica que a impregnava. O resgate respeitoso do universo do aluno para a sala de aula, ou melhor, do participante de um círculo de cultura instigava a seus leitores e seguidores a que repensem os efeitos da estrutura hierárquica educacional. Na época, nas escolas eram comuns essas discussões: como aproveitar as experiências de vida dos educandos, como organizar as atividades de modo a que as ações educativas traçassem trajetos que levassem a que o ato educativo constituisse sujeitos cientes de que são criadores de sua cultura e construtores de seus modos de vida. Isso, porque Paulo Freire assumia um visão sobre o homem e suas relações com o mundo de forma distinta da usual no cenário educativa. Nesse sentido, Britto e Fávero (2002, p.895) afirmam:

Compreendia o homem como um ser de relações, ontologicamente limitado e ao mesmo tempo aberto para o mundo, e também situado, datado, marcado pela sua “circunstância”, mas capaz de transcender os seus condicionamentos e interferir criadoramente nessas condições de existência. As possibilidades de interferência do homem definiam-se e encontravam limitações no interior de uma realidade histórico-social determinada.

Entretanto, pelo que depreendemos da leitura de algumas obras de Paulo Freire, essas limitações não são obstáculos para a transformação e a emancipação do indivíduo. Com efeito, como ele mesmo frisou:

Enquanto seres humanos conscientes, podemos descobrir como somos condicionados pela ideologia dominante. [...] Podemos lutar para ser livres, precisamente porque, sabemos que não somos livres! É por isso que podemos pensar na transformação (FREIRE, 1987, p.25).

O convite que Paulo Freire faz incessantemente aos estudantes é o de que pensem criticamente sobre as forças que os impedem de pensar criticamente. Como disse, na ocasião, Ira Shor: “Podemos aprender a ser livres estudando nossa falta de liberdade.[esta, enfim,] “é a dialética da sala de aula libertadora” (SHOR,1987, p.25).

A libertação do homem depende de que cada um se sinta “[...] criador de cultura e determinador de suas condições de existência [...] pela formação e pelo desenvolvimento da consciência crítica” (BRITTO e FÁVERO, 2002, p.895).

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Aqueles que sonham com a reinvenção da sociedade, a recriação ou reconstrução da sociedade precisam desvelar e iluminar a realidade (FREIRE; SHOR, 1987 p.84). Para Paulo Freire, para que ocorram mudanças, há que o ato educativo, o que acontece em sala de aula, não seja “um momento isolado, separado do mundo ’real’. [porque] Está totalmente vinculado ao mundo real, e este mundo real é que constitui o poder e os limites de qualquer curso crítico” (FREIRE; SHOR, 1987, p.37).

Paulo Freire defendia, acima de tudo, uma formação crítica, uma educação que fosse capaz de promover a conscientização dos educandos, pois só assim poderiam interferir na sociedade e melhor analisar a realidade em que se encontravam, podendo intervir criadoramente em suas condições de existência. Paulo Freire defendia, então, uma sociedade desenvolvida, democrática, autônoma e justa, na qual a consciência crítica de cada um permeasse a construção dos objetivos comuns da humanidade.

Ao retornar para o Brasil, em 1979, depois de seu exílio, Freire foi lecionar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Unicamp. Um ano depois, participou da fundação do Partido dos Trabalhistas, e após alguns anos, entre 1989 e 1991, assumiu o cargo de Secretário de Educação do Município de São Paulo. Deixou entre os professores desse município suas marcas, como destacam Britto e Fávero (2002, p.898):

[...] esforço de construção de um novo padrão de relacionamento entre a Secretaria, as escolas e os educadores da rede [...] Dedicou especial atenção ao processo de melhoria da formação dos docentes e estimulou projetos voltados para a instituição da interdisciplinaridade no ensino[...] Esses projetos carrearam para a Secretaria de Educação do município a colaboração de numerosos professores da USP, da Unicamp, da PUC-SP, da UNESP e de outras universidades do Estado.

No site da Cátedra Paulo Freire (2002/2008, p.01) encontra-se a seguinte síntese da contribuição desse educador: “como estudioso, ativista social e trabalhador cultural, Freire desenvolveu mais do que uma prática de alfabetização, uma pedagogia crítico-libertadora”.

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Frei Betto 1 , em seu tributo a Paulo Freire, acentua a importância que Paulo Freire teve e tem no cenário educacional e nacional, com as seguintes palavras:

Foram as suas idéias, professor, que permitiram a Lula, o metalúrgico, chegar ao governo. Isso nunca acontecera antes na história do Brasil e, quiçá, na do mundo, exceto pela via revolucionária [...] A sua pedagogia, professor, permitiu que os pobres se tornassem sujeitos políticos. [...] Graças às suas obras, professor, descobriu-se que os pobres têm uma pedagogia própria. Eles não produzem discursos abstratos, mas plásticos, ricos em metáforas. Não moldam conceitos; contam fatos. Foi o senhor que nos fez entender que ninguém é mais culto do que outro por ter freqüentado a universidade ou apreciar as pinturas de Van Gogh e a música de Bach. O que existe são culturas paralelas, distintas, e socialmente complementares. [...] O pobre sabe, mas nem sempre sabe que sabe. E quando aprende é capaz de expressões como esta que ouvi da boca de um senhor, alfabetizado aos 60 anos: "Agora sei quanta coisa não sei” [...] O senhor fez os pobres conquistarem auto-estima. Graças ao seu método de alfabetização, eles aprenderam que "Ivo viu a uva" e que a uva que Ivo viu e não comprou é cara porque o país não dispõe de política agrícola adequada e nem permite que todos tenham acesso à alimentação básica [...] Ao longo das últimas quatro décadas, seus "alunos" foram emergindo da esfera da ingenuidade para a esfera da crítica; da passividade à militância; da dor à esperança; da resignação à utopia. Convencidos pelo senhor de que são igualmente capazes, eles foram progressivamente ocupando espaços na vida política brasileira, como militantes das CEBs, do PT, do MST e de tantos outros movimentos. [...] Por este novo Brasil, muito obrigado professor Paulo Freire.

A vida e obra de Paulo Freire harmonizam e convergem seu esforço para mudar as concepções educacionais visando a construção de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária. Por isso, pode-se afirmar que Paulo Freire:

[...] revela dedicação e coerência aliados a convicção de luta por uma sociedade justa, voltada para o processo permanente de humanização entre as pessoas onde ninguém é excluído ou posto à margem da vida [...] provou que é possível educar para responder aos desafios da sociedade, neste sentido a educação deve ser um instrumento de transformação global do homem e da sociedade, tendo como essência a dialogicidade (CÁTEDRA PAULO FREIRE, 2000/2008, p.01).

1 Trecho retirado da contra-capa do livro Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa; de Paulo Freire; 33. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

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Por suas contribuições para o cenário educacional, que ganharam destaque não somente no âmbito nacional como também no internacional, Paulo Freire tornou-se o educador brasileiro mais reconhecido mundialmente. Suas idéias e proposições para a prática educativa foram e continuam sendo fruto de inúmeros estudos teóricos, exercendo sua influência e sendo admirado por sua paixão e compromisso com uma sociedade justa, democrática e acima de tudo mais humana.

1.2. O despertar para a tomada de consciência do ato educativo

Ler e dialogar com Paulo Freire tendo por fonte principal sua obra Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pratica educativa, foi essencial para a realização deste trabalho.

Diante de tantas produções que esse educador nos deixou (vide relação no Apêndice A), a obra Pedagogia da Autonomia foi selecionada, devido à relevância das concepções nela reafirmadas pelo autor acerca do ato educativo, e por ter sido a última obra publicada em vida por Paulo Freire. Nela o autor busca fazer com que os educadores reflitam, valorizem e respeitem a cultura, os conhecimentos e a individualidade dos educandos, visando formar indivíduos críticos e autônomos, além de mais uma vez, enfatizar o ato educativo como um processo de conscientização. Por conseguinte, responsável, ético, político e necessariamente problematizador.

Logo nas páginas iniciais dessa obra Freire (2006, p.15) destaca:

Gostaria, por outro lado, de sublinhar a nós mesmos, professores e professoras, a nossa responsabilidade ética no exercício de nossa tarefa docente. Sublinhar esta responsabilidade igualmente àquelas e àqueles que se acham em formação para exercê-la. Este pequeno livro se encontra cortado ou permeado em sua totalidade pelo sentido da necessária eticidade que conota expressivamente a natureza da prática educativa, enquanto prática formadora. (Grifos nossos).

O autor ressalta, ainda, que a docência não existe sem a discência. Que a relação de ensino-aprendizagem entre educando e educador ocorre de forma indissociável: ambos aprendem e ensinam. Tanto o educador quanto o educando

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devem ser sujeitos ativos no processo de construção do conhecimento, indicando alguns aspectos importantíssimos para a compreensão desta relação.

Exercer a prática educativa exige por parte dos educadores uma responsabilidade ética. A responsabilidade de ser professor ou de estar se tornando professor (em formação) é grande, pois por dever do ofício, lhes cabe a formação de sujeitos críticos, autônomos e também comprometidos com a sociedade que os cercam. Portanto, a tarefa docente deve ser compreendida como uma atividade de muita responsabilidade, porque por ela poderá ocorrer a transformação social.

Torna-se fundamental que desde o início de sua formação escolar, o educando tenha claro para si, que ele também faz parte do processo de produção do saber. O educando não pode se perceber como simples receptor de conhecimentos.

Freire (2006, p.22) relata que o educador em sua formação permanente deve se convencer “[...] definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. Deste modo, o educando quando se aceita como sujeito desse processo não contribuirá com uma formação hierarquizada, ou seja, uma formação de transferências de conteúdos, pois quando:

[...] começo por aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto, que ele é o sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, me considero como um paciente que recebe os conhecimentos-conteúdos-acumulados pelo sujeito que sabe e que são a mim transferidos. Nesta forma de compreender e de viver o processo formador, eu, objeto agora, terei a possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da “formação” do futuro objeto de meu ato formador (FREIRE, 2006, p.22).

Desta forma, o educando quando está sendo educado e se veja como objeto e considere o educador o seu formador, no futuro poderá se tornar também um educador e irá se considerar o formador (principal) e verá os educandos como simples objetos desta formação. Ensinar e aprender, são relações que não se estabelecem entre um educador-ativo e um educando-passivo, mas, sim, nas quais ambos participam e constroem os saberes. Logo esta compreensão é necessária tanto por parte do educador quanto do educando para que o ato educativos se configure como processo formador e transformador.

O ato de aprender exige, por sua vez, do educando certa rebeldia. A esse respeito, Freire (2006, p.25) assinalou que “[...] é a força criadora do aprender

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de que fazem parte a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os efeitos negativos do falso ensinar”. Esta rebeldia de buscar sempre mais, de indagar, de questionar é a que faz com que o ato de ensinar e aprender se tornem ricos e superem uma educação impregnada de autoritarismo e passividade.

Ensinar exige como que um despertar dos educandos: despertá-los da ingenuidade da sintaxe da classe dominante (GUIMARÃES; MARANHÃO, 2008). Ao ensinar, o educador deve instigar o educando a superar sua curiosidade ingênua, para que busque problematizar e acercar-se criticamente daquilo que o inquieta. Freire adverte que a superação dessa curiosidade ingênua é necessária e não se confunde com uma simples ruptura. :

A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se [...] permito-me repetir, curiosamente epistemológica, metodicamente “rigorizando-se” na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de maior exatidão [...] a curiosidade ingênua que, “desarmada”, está associada ao saber do senso comum, é a mesma curiosidade que, criticizando-se, aproximando-se de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se torna curiosidade epistemológica. (FREIRE, 2006, p.31. Grifos nossos).

Ensinar e aprender, então, não se deve dar pela ruptura dos saberes de senso comum, mas sim pela e com a superação crítica dos mesmos. Faz-se, mister que o educador desperte a curiosidade do educando, fazendo com que esta se criticize. Tal acontece, por atos educativos metódicos que imprimam rigor na relação com o objeto a ser conhecido.

Segundo Freire (2006) para que se pense certo se deve agir certo, ou seja, o ato de ensinar exige que as palavras sejam incorporadas pelo educador, pois ao se assumir como educador este profissional deve fazer com que sua prática testemunhe sua teoria. De nada adianta um professor discursar e defender uma causa e depois se opor à mesma, ou então se opor teoricamente a algo e sua prática demonstrar que lhe é favorável. Eis como ele alerta:

Que podem pensar alunos sérios de um professor que, há dois semestres, falava com quase ardor sobre a necessidade da luta pela autonomia das classes populares e hoje, dizendo que não mudou, faz o discurso pragmático contra os sonhos e pratica a transferência

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de saber do professor para o aluno?! Que dizer da professora que, de esquerda ontem, defendia a formação da classe trabalhadora e que, pragmática hoje, se satisfaz, curvada ao fatalismo neoliberal, com o puro treinamento operário, insistindo, porém, que é progressista? Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o re-diz em lugar de desdizê-lo (FREIRE, 2006, p.34. Grifos nossos).

Torna-se necessário ao ato educativo, isto é, a quaisquer relações de ensino-aprendizagem que sejam coerentes: vista como algo sério, com compromisso por inteiro. Pois a “natureza da prática educativa, enquanto prática transformadora” (FREIRE, 2006, p.16) não permite ambigüidades e contradições.

Por isso, o educador deve refletir sobre seus fazeres, porque “a prática docente crítica, implica no pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer” (FREIRE, 2006, p.38). Por conseguinte, é condição necessária a uma prática educativa coerente que o educador constantemente reflita acerca de suas ações e instigue os educandos para tal. Assim, então, poderão superar mutuamente os saberes ingênuos que permeiam, freqüentemente, as práticas de ensino e de aprendizagem.

Mais uma vez, nessa obra, Paulo Freire ressalta a importância do educador e do educando se assumirem como sujeitos:

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito, porque capaz de conhecer-se como objeto (FREIRE, 2006, p.41. Grifos nossos).

É de fundamental relevância que tanto o ato de educar como o de aprender se configurem como processos ativos para transformar, criar e realizar, fazendo com que os sujeitos envolvidos se assumam como construtores do conhecimento e se (re)conheçam como transformadores sociais.

Outra das características essenciais ao ato de ensinar destacada nessa obra, é a de que ensinar não é transferir conhecimento. Para Paulo Freire, o conhecimento que alguém adquire ocorre pelas possibilidades de sua (re)construção e produção por parte de quem aprende, porque desse modo foi ensinado.

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Ter a consciência de que todos somos seres inacabados e que temos sempre o que aprender, torna-se essencial para que cada um tome consciência de que deve sempre buscar mais, na medida em que “[...] consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além” (FREIRE, 2006, p.53). Sendo assim, o ato de aprender e ensinar devem ser configurados pelos sujeitos envolvidos nessa relação como uma busca incessante por saberem que o conhecimento não se adquire pela simples transmissão, mas sim pela “curiosidade epistemológica” (FREIRE, 2006, p.31), que viabiliza ao educador e ao educando se aproximarem “de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognoscível” (FREIRE, 2006, p.31).

No processo educativo, a posição dos educandos e educadores, modifica-se quando sempre alertas e abertos ao novo: deixam de ser objetos do processo e se assumem como sujeitos.

Freire (2006, p.58), de modo simples, compartilha sua convicção:

Quando saio de casa para trabalhar com os alunos, não tenho dúvida nenhuma de que, inacabados e conscientes do inacabamento, abertos á procura, curiosos, “programados, mas para aprender”, exercitaremos tanto mais e melhor a nossa capacidade de aprender e de ensinar quanto mais sujeitos e não puros objetos do processo nos façamos. (Grifos nossos).

O sentimento e a consciência do inacabamento de que cada um, educador e educando, é programado para aprender, possibilitam uma nova configuração para o ato educativo. A convicção do inacabamento, possibilita, ainda a que os sujeitos dessa relação assumam a autonomia para buscar, (re)criar e produzirem seus conhecimentos.

Entretanto, para que essa busca se efetive plenamente o jeito de ser de cada um deve ser considerado e respeitado. Porque a prática educativa defendida por Paulo Freire fundamenta-se “em uma ética inspirada na relação ‘homem-no-mundo’, ou seja, estar no mundo e na construção de ser ‘ser-no-mundo- com-os-outros’, isto é, ser capaz de se relacionar com as pessoas e com a sociedade (GUIMARÃES; MARANHÃO, 2008, p.471. Grifos dos autores). Porque só assim eles podem se tornar “donos de sua própria história” (FREIRE e FREIRE 2001, p.78).

Desconsiderar e desrespeitar a autonomia de ser dos educandos torna-se, por conseguinte, imoral. Assim Freire (2006, p.60) explicita:

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Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber. (Grifos nossos).

Lutar contra qualquer discriminação e respeitar a identidade e a autonomia do educando é essencial à prática educativa, enquanto prática formadora.

Além da luta pelos direitos do educando e do educador, Paulo Freire enfatiza que o ato de ensinar deve caracterizar-se por uma postura de humildade, de alegria, de bom senso e principalmente, pela esperança e por uma convicção de que a mudança e a transformação são possíveis. Segundo Freire (2006, p.79):

O êxito de educadores [...] está centralmente nesta certeza que jamais os deixa de que é possível mudar, de que é preciso mudar, de que preservar situações concretas de miséria é uma imoralidade. É assim que se este saber que a história vem comprovando se erige em princípio de ação e abre caminho à constituição, na prática, de outros saberes indispensáveis.

A esperança que reveste o ensinar, na perspectiva de Paulo Freire, é a da certeza de que as mudanças são possíveis. E o que move a educação e os atos de aprender e ensinar advém da feitura e ação de uma proposta político-pedagógica que eleja o educador e o educando como sujeitos do processo de construção do conhecimento, de modo que estes se configurem como transformadores e construtores de uma nova sociedade (CÁTEDRA, 2000/2008).

Em obra anterior, Pedagogia dos sonhos possíveis, Paulo Freire afirma que “mudar é difícil, mas possível” (FREIRE e FREIRE, 2001, p.168). Apesar da força do discurso ideológico acerca da impossibilidade de mudanças, que se converte na tendência em sempre se dizer que a “realidade é assim mesmo” (p.168), isto é, em um discurso ideológico e reacionário visto assentar-se na impossibilidade da reversão do status quo, Paulo Freire acentua como fundamental no papel da educação o processo da desnaturalização desse discurso.

Na obra Medo e ousadia, Paulo Freire adverte aqueles que pretendem se tornar educadores quanto a responsabilidade de estarem atentos às

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possibilidades de mudanças e de refletirem sobre o que é possível. Responsabilidade esta de natureza ética, que deve se expressar no exercício da tarefa docente.

Paulo Freire (2006) destaca que ensinar é algo específico ao ser humano, porque os mais jovens necessitam da segurança, do conhecimento e da generosidade dos mais velhos, no caso, do educador. Este deve ter competência, liberdade e autoridade, porém aliadas à generosidade. O autor afirma ainda que o educador deve demonstrar seu comprometimento, pois:

[...] não é possível exercer a atividade do magistério como se nada ocorresse conosco. Como impossível seria sairmos na chuva expostos totalmente a ela, sem defesas, e não nos molhar. Não posso ser professor sem me pôr diante dos alunos, sem revelar com facilidade ou relutância minha maneira de ser, de pensar politicamente [...] Não posso escapar à apreciação dos alunos. E a maneira como eles me percebem tem importância capital para o meu desempenho (FREIRE, 2006, p.96. Grifos nossos).

O educador deve comprometer-se com e na atividade educativa, e viabilizando que esta modifique não somente os educandos, mas a si mesmo. Quando não ocorre esse comprometimento é como se não houvesse acréscimo nenhum na vida dos envolvidos, como se um não conhecesse o outro. Por isso acabam não se percebendo como atores do processo.

O diálogo e o saber intervir e escutar são fundamentais para que a relação ensino-aprendizagem entre o educador e o educando seja ética, seja de acolhimento, de cuidado com o outro. Segundo Freire (2006, p.113) “o educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, em uma fala com ele” (Destaque do autor). Desta forma, o fato de o educador saber escutar o que os educandos têm a dizer contribui para que ele consiga dialogar, tornando seu discurso uma conversa agradável e significativa, necessária à mudança.

Em face dos apontamentos e testemunhos da vida de Paulo Freire, e em sua obra, Pedagogia da Autonomia, pode-se concluir quanto a que sua leitura contribui para que se possa pensar em uma relação educativa que realmente forme o sujeito autônomo, porque instiga principalmente educadores a repensarem sua prática educativa e a refletirem sobre a responsabilidade e a importância da sua prática pedagógica.

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Constituir-se em um educador, exige a consciência tanto de que cada educando é parte integrante por inteiro do processo educativo, como da sua formação, de modo a que se assuma como agente transformador e formador de uma sociedade mais crítica e autônoma. Analisar e refletir uma obra tão rica como Pedagogia da Autonomia auxilia na tomada desta consciência, através de idéias sabiamente propostas por um dos maiores educadores que o mundo já conheceu, Paulo Freire.

2. DEFINIÇÕES DE EDUCAÇÃO

Entende-se que a educação se dá por meio de uma (re)elaborações contínuas do conhecimento acumulado, sujeito a reflexões críticas, sociais e históricas. Em quaisquer sociedades a educação contribui para a formação de seus cidadãos críticos ou não, reflexivos ou não.

A palavra educação vem do latim educere, que significa tirar, desenvolver. Soares (1981, p.65), no dicionário de Legislação de Ensino, associa o verbete educação com “[...] exprimir a idéia de extrair de uma pessoa algo potencial e latente [...] É atividade criadora, que visa levar o ser humano a realizar suas potencialidades físicas, intelectuais, morais e espirituais”. Circunscreve-o, também, como “[...] um conjunto de processos através dos quais uma pessoa desenvolve capacidades, atitudes e outras formas de comportamento de valor positivo para a sociedade em que vive”. Por conseguinte, cabe a educação, segundo esta perspectiva, desenvolver nos sujeitos suas potencialidades transformando-o e formando-o em um homem integral, de forma que este passe a contribuir positivamente na sociedade em que vive, sendo a educação responsável por desenvolver um sujeito ativo e consciente.

Ferreira (2006, p.334), em seu dicionário, reforça o significado do termo educação dizendo que esta “[...] promove o desenvolvimento da capacidade intelectual, moral e física de alguém ou de si mesmo”. A educação, segundo este autor, desenvolve tanto quem a está recebendo quanto por quem a ela é responsável, ou seja, ela deve transformar educador e educando, configurando o ato

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educativo como um ato não só de instrução, mas também de internalização de ambos.

Paradoxalmente, todos parecem saber o que é educação, em seu sentido popular e/ou dicionarizado. Porém, ainda falta um entendimento claro acerca dos efeitos e características dessa mediação, dos sujeitos que fazem parte desta e da sua importância para o desenvolvimento de educadores e educandos. Enfim, para a formação de cidadãos. Alguns questionamentos são feitos, freqüentemente, a esse respeito. Por exemplo: como a educação deve transcorrer para que se configure realmente como um ato transformador? Quais aspectos devem ser considerados para que a educação forme cidadãos ativos e conscientes? Como a educação pode desenvolver educador e educando?

Para que estes questionamentos sejam, pelo menos em parte, respondidos, torna-se fundamental a reflexão acerca de alguns apontamentos referentes ao ato educativo, não com o intuito de propor respostas corretas, mas sim com o de instigar à reflexão, de modo a que se possa contribuir para uma visão diferenciada acerca de como cada um tem para si o sentido dessa palavra, isto é, educação e por conseqüência, como opera os atos educativos sob sua responsabilidade.

De primeiro, em nossa opinião, faz-se necessário a qualquer prática educativa, informal ou formal, que o educador não se veja como detentor do saber, como alguém acima de tudo e de todos, mas que entenda que o processo educativo o forma como ao educando. Que é um processo contínuo de aprendizado. Freire (2006, p. 23) lembra-nos que “[...] quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”..

Ao contrário do que comumente muitos pensam, a educação é um processo de formação mútua, entre o educador e o educando. A autoridade do primeiro não necessita que se estabeleça uma relação hierarquizada e muito menos autoritária, pois como ensina Paulo Freire:

Segura de si, a autoridade não necessita de, a cada instante, fazer o discurso sobre sua existência, sobre si mesma. Não precisa perguntar a ninguém, certa de sua legitimidade, se “sabe com quem está falando?”. Segura de si, ela é porque tem autoridade, porque a exerce com indiscutível sabedoria. (FREIRE, 2006, p.91).

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A autoridade docente, portanto, deve acontecer de forma sábia, ou seja, não deve ocorrer pela imposição ou pelo medo. Exige, isso sim, uma relação de respeito, não sendo necessário que o educador lembre a toda hora da sua autoridade ou de que todos o devem temer. Para tanto, cabe ao professor ser “[...] a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licencenciosidade” (FREIRE, 2006, p.102), fazendo com que o ato educativo seja assumido como uma relação em que cada um tem seu papel, de modo a que não seja necessária a insistência em lembrar os alunos quem é “a” autoridade. Contudo, não se pode confundir liberdade com permissividade, autoridade com autoritarismo, pois como Freire (2006, p.105) reforça: “[...] a liberdade sem limite é tão negada quanto a liberdade asfixiada ou castrada”, não podendo a relação chegar a nenhum extremo, pois tanto um quanto outro não auxiliarão para uma educação transformadora.

A segurança do que se está fazendo, se torna necessária a quem conduz o ato educativo, assim como o comprometimento, a pesquisa, a seriedade, o conhecimento. Enfim, educar exige paixão pelo ofício: não paixão cega ou de forma romantizada. Mas uma paixão que busque o entendimento dos objetivos da ação educativa e da formação do outro, sendo esta executada com o intuito de transformar os sujeitos nela envolvidos.

Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar- aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a docência e com a seriedade (FREIRE, 2006, p.24).

A prática educativa deve ser autêntica. Não permite ambigüidades, nem contradições entre o dizer e o fazer. Cada professor deve levar sua formação a sério, desde a inicial. A preocupação com esta, denota a consciência do inacabamento e da responsabilidade ética do exercício profissional. Porque este forma e transforma outros e a si mesmo, como reiteradas vezes advertiu Paulo Freire (2001; 2004; 2006, por exemplo).

Torna-se imprescindível que o educador conte com uma formação de qualidade e continuada, além de uma constante reflexão acerca de seus atos educativos, para que suas atitudes não se justifiquem pelo autoritarismo e/ou por sua incompetência profissional. Não se pode negar, entretanto, que há muitos

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professores cientificamente preparados, mas que se tornaram extremamente autoritários e arrogantes (FREIRE, 2006). Quando tal acontece, o educador perde de foco o homem que ele pretende formar, fazendo com que as relações educativas obrigatoriamente se tornem vias de mão única, não possibilitando uma troca de conhecimentos entre ambos (educador e educando).

Acerca das relações educador-educandos, Paulo Freire, em outra obra, tinha exposto suas conclusões:

Quanto mais analisamos as relações educador-educandos, na escola, em qualquer de seus níveis (ou fora dela), parece que mais nos podemos convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante – o de serem relações fundamentalmente narradoras, dissertativas. Narração de conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou fazer-se algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. Narração ou dissertação que implica um sujeito – o narrador – e objetos pacientes, ouvintes – os educandos (FREIRE, 1987, p.57. Grifos nossos).

Assim a relação educador-educandos acontece, muitas vezes, de forma que no ato educativo o educador assume o papel de narrador e o aluno de ouvinte. Esta situação, ao invés de formar os sujeitos ativos, forma os seres passivos: acostuma-os a serem, pacientes, ouvintes; a receberem conteúdos como se fossem prontos. Isto é, demonstra as marcas do “discurso ideológico da impossibilidade de mudar” (FREIRE, 2001, p.169).

Ainda buscando os contornos do campo semântico do conceito de educação tendo por fonte o dicionário de Soares (1981) encontramos o que segue: “[...] processo de reconstrução e reorganização da experiência, pelo qual lhe percebemos mais agudamente o sentido e com isso nos habilitamos melhor para dirigir o curso de nossas experiências” (SOARES, 1981, p.65). Sob este sentido, a educação é um processo que possibilita não só reconstruir e reorganizar as experiências anteriores, quanto perceber e avaliar o sentido de cada uma e, desse modo, orientar as vivências futuras.

Entretanto, para que esse processo aconteça há que o educador viabilize condições para que o educando (re)construa o conhecimento, lhe atribua significado para que o auxilie na interpretação crítica das ações vivenciadas e que vivencia, fazendo-o agir conscientemente sobre a realidade que o cerca.

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Faz-se mister, então, que a escola e os professores respeitem os saberes prévios dos educandos, isto é, os saberes que dispõe pelas experiências. Trabalhem esses conhecimentos e experiências de forma a discutirem e debaterem os problemas sociais, de modo a que entendam, por exemplo, as desigualdades que os cercam. Deste modo poderão acontecer aprendizagens nas quais os educadores e os educandos vão se transformando e se tornando de fato sujeitos da construção e da (re) construção humana. Para Freire (2006) cabe ao:

[...] professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Por que não aproveitar a experiência que tem os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das agentes. Por que não há lixões no coração dos bairros ricos e mesmo puramente remediados dos centros urbanos? (p.30. Grifos nossos).

Aprender criticamente, porém, se torna possível quando o educador instiga seus educandos para o processo de construção e de reconstrução dos seus conhecimentos prévios. Estes devem ser considerados e fazerem parte dos conteúdos, pois assim além de respeitar os saberes dos alunos, estes saberão da importância de partilharem seu conhecimento e de como contribuem para a construção de outros saberes.

Habilidades que propiciem criticidade, criatividade, pesquisa, investigação, curiosidade, persistência, humildade se fazem necessárias para que o professor se disponha para sua constante formação, ou melhor, exigem que educador seja realmente comprometido com o ato educativo, fazem com que ele esteja permanentemente pensando sua ação. Conforme Freire (2006) acertadamente propõe:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que- fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso

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para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (p.29).

Pesquisando e fazendo uma constante investigação, o professor cria condições para que os educandos também se tornem curiosos, criativos, estimulando-os a serem pesquisadores. Em obra anterior, Freire e Shor (1987) confirmaram os efeitos de uma educação controladora, na qual só as palavras do professor contam com a que possibilita a construção do conhecimento. Shor afirma:

A educação é muito mais controlável quando o professor segue o currículo padrão e os estudantes atuam como se só as palavras do professor contassem. Se os professores ou os alunos exercessem o poder de produzir conhecimento em classe, estariam então reafirmando seu poder de refazer a sociedade (SHOR, 1987, p.21. Grifos nossos).

Apenas seguir à risca o currículo oficial torna-se para o professor mais cômodo. Uma relação educativa onde um fala e o outro apenas escuta é muito mais fácil de controlar, mas esse contexto impossibilita quaisquer atos transformadores. O poder de reconstrução da sociedade pode ser instituído na escola; por novas condições para a produção de conhecimentos. Porque, como essa autora adverte: “O currículo oficial exige que [os alunos] se submetam aos textos, às aulas expositivas e às provas, para que se habituem a se submeter à autoridade”. (SHOR, 1987, p.23).

Em sua primeira edição do dicionário Aurélio, Ferreira (1975, p. 499) diz que a educação deve promover o “aperfeiçoamento integral de todas as faculdades humanas”. Quem segue esta formulação deve propor condições tais que os educandos ao serem acolhidos percebam que fazem parte da reconstrução dos conhecimentos e por sua reflexão crítica podem aperfeiçoar-se como seres humanos. Essa postura crítica que a educação libertadora não é fruto de técnicas, como explica Freire (1987, p.24-25), tem sua origem em “uma perspectiva crítica sobre a escola e a sociedade” (SHOR, 1987, p.25). Essa perspectiva é que sustenta “o ensino voltado para a transformação social” (SHOR, 1987, p.25).

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Como disse Freire (1987, p.48):

[...] o estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e a sociedade [Porque] a crítica que a educação libertadora tem para oferecer enfaticamente não é a crítica que termina no subsistema da educação. Pelo contrário, a crítica na sala de aula libertadora vai além do subsistema da educação e se torna a crítica da sociedade. [...] Uma das características de uma posição séria na educação libertadora, é, para mim, o estímulo à crítica que ultrapasse os muros da escola. (Grifos nossos)

Freire (2006) destaca que é imprescindível que a autonomia dos educandos seja respeitada, visto que, é por meio desse respeito que a educação se dará como formação e libertação humana. Quando o professor ironiza, minimiza e impõe limites excessivos, ou, até mesmo, quando não impõe limite algum aos educandos, estará desrespeitando suas inquietudes e seus interesses. Por isso, Freire (2006, p.60) afirma:

É nesse sentido que o professor autoritário, que por isso mesmo afoga a liberdade do educando, amesquinhando o seu direito de estar sendo curioso e inquieto, tanto quanto o professor licencioso rompe com a radicalidade do ser humano – a de sua inconclusão assumida em que se enraíza a eticidade.

O professor passa a desrespeitar então os educandos, quando eles são considerados inferiores, quando não considera suas curiosidades e dúvidas, quando estes são privados de respostas e experiências novas. Em suma, indo contra uma aprendizagem dialógica, na qual a questão das diferenças e de respeito é inviável.

Para que a educação não seja apenas uma utopia, o professor deve assumir um compromisso verdadeiro, um compromisso por inteiro com o outro, não o considerando apenas como receptor, mas sim como sujeito que deve ser desafiado a buscar o novo. Freire (2006) sublinha que esse desafio acontece na dialogicidade, pois a inteligibilidade torna-se possível na comunicação e na intercomunicação. Em uma relação de conversa, de troca, e não pela transferência e depósito de conceitos e fatos ao outro:

A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando

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com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado (p.38).

Paulo Freire reforça, então, que a dialogicidade é um eixo fundamental para a prática educativa, pois o exercício do diálogo instiga a conhecer o outro, a desafiá-lo, a propiciar trocas de experiências, desde que essa relação aconteça em um clima de respeito mútuo e de aprendizado significativo para todos os envolvidos, educador e educandos.

O professor preocupado em criar possibilidades para a produção de conhecimento, não se deve a preocupar com o ensino quantitativo de conteúdos. Pelo contrário, deve saber que “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 2006, p.47). Porque, os educandos devem ser vistos como sujeitos da sua história e os conhecimentos precisam ser por eles construídos.

A responsabilidade dos que trabalham com a educação é muito grande, dada à condição de formar o outro. Freire (2006) adverte que é imprescindível que o discurso feito pelo professor se torne sua prática: que não deve haver distância entre o que diz e o que faz. O discurso e a prática devem ser coerentes, pois não se pode cobrar do educando, aquilo que o próprio professor não pratica. Nessa obra, Paulo Freire instiga os educadores a que respondam sinceramente:

Como posso continuar falando em meu respeito ao educando se o testemunho que a ele dou é o da irresponsabilidade, o de quem não cumpre o seu dever, o de quem não se prepara ou se organiza para a sua prática, o de quem não luta por seus direitos e não protesta contra as injustiças? (FREIRE, 2006, p.65).

A prática educativa, então, não pode se resumir a um discurso vazio e sem sentido. Não há sentido em se fazer um discurso que não chegue à prática, pois se torna falso, além de demagógico, torna-se a falácia sem ação.

A educação transforma, como vimos acentuando, apoiadas em Paulo Freire, educando e educador. As transformações ocorrem de acordo com o que foi vivenciado, com o que ensinado e aprendido. A ação do professor não passa despercebida aos educandos: ela deixa sua marca, sendo esta impressa e configurada pelo ato educativo (FREIRE, 1987; 2006; entre outras obras).

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O professor com sua forma de ensinar e com seu jeito de ser deixa suas marcas nos alunos. Algumas delas são carregadas por todo o decorrer de sua vida. Daí, porque “[...] a prática docente, especificamente humana,é profundamente formadora”(FREIRE, 2006, p.65).

Nesta obra, Paulo Freire destaca, ainda, a importância do professor lutar pelos seus direitos, pelo seu espaço e por condições favoráveis à sua prática educativa porque ao fazê-lo marca os educandos levando-os a serem sujeitos engajados na luta pelos seus direitos enquanto cidadãos.

A alegria e a esperança devem permear o ato educativo de forma que juntas façam com que professor e aluno aprendam, ensinem, se inquietem e produzam ferramentas que resistam aos obstáculos para as transformações e mudanças, conforme Freire, (2006). A esperança se faz necessária para que o professor possa formular pensamentos problematizadores. Para que ele perceba sua ação como provocadora de mudanças levando seus educandos a compartilharem também terem essa esperança e a serem atores de sua própria história. Quando tal não acontece...

A desproblematização do futuro numa compreensão mecanicista da História, de direita ou de esquerda, leva necessariamente à morte ou à negação autoritária do sonho, da utopia, da esperança. E que, na inteligência mecanicista portanto determinista da História, o futuro é já sabido. A luta por um futuro assim “a priori” conhecido prescinde da esperança. A desproblematização do futuro, não importa em nome de quê, é uma violenta ruptura com a natureza humana social e historicamen

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