Ensaio Sobre os Filmes 'Simba - 1955’ e 'A batalha de Argel - 1966'
Por: Diego_Rios • 25/11/2019 • Ensaio • 1.708 Palavras (7 Páginas) • 273 Visualizações
Ensaio sobre os filmes Simba (Hurst, 1955) e A batalha de Argel (Gillo Pontecorvo, 1966)
2 filmes, com uma década de diferença entre eles, mostrando 2 situações de conflito entre os colonizadores e colonizados, e nas 2 situações os brancos são retratados como vencedores, mesmo perdido suas colônias no final do conflito.
“Simba - Mark of Mau Mau!” é um filme britânico de 1955 que, recheado de exageros e preconceitos, passa ao telespectador a ideia de que os Mau Mau são animais, terroristas que não representam a maioria da população africana.
O filme nos mostra a história de Alan Howard, britânico que vai visitar o Quênia para ver seu irmão, Davey Howard. Lá, descobre que ele foi assassinado pelos Mau-Mau. Ele e Mary Crawford (mulher de seu passado que considera a África sua casa) ficam estarrecidos com isto, pois o irmão de Alan “Gostava deles. Era bom pra eles.” E ainda mais chocados quando o policial lhes diz que nenhum de seus criados ficou com ele. Mesmo Kimali, o considerado mais fiel, “Apenas deu o alarme, mas tarde demais”. Quando, estarrecidos, ainda dizem o Davey confiava neles, o policial conclui: “Este foi o mal. Confiar demais.”
Esta cena inicial dá o tom do filme. Segundo a personagem feminina principal do filme, Mary Crawford, o irmão de Alan foi morto porque era bom para os negros e por isto os nativos gostavam dele, “e não faz parte dos planos dos Mau-Mau gostarem dos brancos”. Para os outros, entretanto, ele morreu porque os negros são irracionais. Os negros nativos, divididos pelo filme entre Kikuyu e Mau-Mau, são vistos ou como crianças facilmente influenciáveis e manipuláveis ou como animais irracionais e violentos, a depender de que grupo pertencem. Crianças que os britânicos deixaram que brincassem com brinquedos errados, como armas ou “Ideias de autodeterminação e nacionalismo”; animais que “mesmo sendo da família” ainda cortariam as gargantas de seus donos se “fizerem o juramento Mau Mau” (retratado no filme com negros bebendo sangue e cortando sua pele, cortes que inclusive são usados pela polícia para identificar os negros ‘maus’). O que nunca muda nestas visões é o fato de que não se pode esperar racionalidade deles, com algumas exceções.
Uma destas exceções é Peter Karanja, negro e médico com quem Mary trabalha como assistente. Filho do chefe local, é o principal ponto de discussão entre Mary Crawford e Alan Howard. Mary, a heroína pacifista, tenta convencer Alan de que “nem todos os negros são como os Mau-Mau” e Karanja seria um exemplo de um bom negro, enquanto Alan vê cada vez mais os negros como inimigos.
Diferença de visão que é refletida na comunidade branca da região, reunida pela polícia para escutar as medidas preventivas (que incluem foguetes sinalizadores a serem disparados em caso de ataque). Mas não se preocupe, o filme nos diz qual visão é a correta. A mensagem passada pelo filme é que, ao contrário das opiniões extremistas de reprimir os africanos para “fazê-los temer os brancos mais que os Mau-Mau”, a medida mais correta a longo prazo é conversar com os negros. Sim, não dá para conversar com os Mau-Mau, eles são animais, mas dá pra conversar com os Kikuyus, que são tão vítimas quanto os brancos: os Mau-Mau os conquistam pela força, os obrigando a fazerem o juramento (sob pena de morte se recusarem) e obedecerem suas ordens (“Pra cada britânico morto, 100 Kikuyus são mortos pelos Mau-Mau”). Diálogo e reforçar a amizade com os nativos seriam a única maneira de evitar uma guerra permanente com milhões de nativos. Negros e brancos trabalhando juntos em prol da paz no Quênia, com os brancos continuando a ser a elite da sociedade é claro. Eles se recusam a ver seus criados como possíveis inimigos, já que os britânicos “cuidam deles como se fossem suas crianças”, não há motivos para eles se voltarem para seus donos, além dos Mau-Mau os influenciando para o lado ruim. Os brancos não estariam errados, eles estavam no Quênia por tantas décadas, e nunca maltrataram os nativos. Por que os negros decidiriam racionalmente lutar contra eles? Porque os brancos tomaram suas terras? Não não, estas terras foram dadas pelo governo britânico, e eles só atenderem ao apelo do governo de ocupar estas terras “vazias, que não tinham nada antes deles chegarem”. Além disto, negros nem tem a capacidade de pensar racionalmente...
O filme continua, com os Mau-Mau roubando as armas dos brancos para usá-las contra eles e colocando animais mortos nas portas de Alan Howard para assustá-lo, apenas porque ele é irmão de Davey e “consangüinidade parece ser algo importante para eles”. Após a morte dos pais de Mary Crawford, Karanja revela que seu pai, o chefe local, é o líder dos Mau-Mau. Mas ele se redime por esconder este fato, mesmo não tendo certeza até encontrar o cajado do pai no local do ataque, ao morrer enquanto tentava convencer os negros enganados por seu pai a atacarem a fazenda de Alan de que a violência não é a resposta, pois “o povo Kikuyu é pacífico”. Esta cena final do filme do confronto do pai com o filho mostra o contraste do Kikuyu bem educado, de terno, gravata e com um diploma de medicina, e o Mau-Mau feiticeiro, com vestes tribais e um cajado com uma caveira humana no topo. Confronto resolvido com um bom tiro de nosso herói branco (quebrando assim a imagem de imortalidade à balas que o líder dos Mau-Mau tinha construído), mas infelizmente isto não impede a morte do “bom negro”, atacado pelos seguidores irracionais do pai. Nas cenas finais do filme, Karanja lamenta o fato de seu pai ter “fechado os corações deles para a verdade”, mas pede que Alan não retalie violência, pois “Talvez nós negros não mereçamos a paz, mas ele (olhando para uma criança), ele não vez nada de errado”. Alan garante que talvez nem todos os companheiros de seu pai tenham recebido a mensagem de Karanja, mas ele recebeu.
Até hoje se discute entre os historiadores se o movimento Mau-Mau foi benéfico ou não para a independência do Quênia. Considerados como heróis nacionais no país, é inegável que os Mau-Mau cometeram muitos crimes de guerra em prol de sua luta. Mas também é inegável que os britânicos cometeram vários massacres na região, coisa que este filme ignora com maestria ao mostrá-los como vítimas.
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Cartazes promovendo o filme “Simba - Mark of Mau Mau!”. Observe como os negros são mostrados como os selvagens a serem combatidos para se proteger a heroína branca (fonte: https://www.imdb.com/title/tt0048620/ ).
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