O Sonho Meu
Por: Antonio Silva • 30/11/2023 • Abstract • 1.201 Palavras (5 Páginas) • 57 Visualizações
O SONHO MEU
Mais uma vez perdido em pensamentos, outrora seriam dúvidas, justificações, e opiniões sobre a angústia, talvez uma simples crise, existencial sempre presente, mas agora não, somente me restam as memórias passadas, se calhar até só a ilusão dessas, não consigo ter a certeza, tanto para viver ainda e já a lembrança me falha. Assalta-me o pensamento um desses episódios de outros tempos, não longínquos. Este sei ser verídico.
Era verão, estaria de férias também, não me recordo ao certo do ano, pois lá está, a memória deu de si. Lembro-me de que estaria a passar as ditas férias numa das infraestruturas algarvias, se me permitem o acrescento que nada mais envolve que a bendita sinceridade. Filho de pai que lá trabalha, este havia-nos levado para Sagres, e eu, que nunca fui muito adepto do “venha para fora cá dentro”, não estava muito empolgado, opinião errada de jovem implicante. Ficaria a minha mente logo a fazer outros juízos assim que tocassem os meus pés no solo da terra de abundantes e bons pescadores. Jovem orgulhoso que era, nunca cheguei a admitir tal coisa.
Passava as noites negras em branco, sem sono quando deveria dormir, a forçar a consciência quando deveria dar asas ao subconsciente. Porquê? Ainda hoje não o sei, pois ainda hoje o faço, e não acabará hoje o hábito começado no “hoje” de outros dias. Sei bem que me levantei sorrateiramente uma vez quando já a noite cobria tudo de breu, um véu negro usado no funeral do sol que acabaria por ressuscitar, tal Cristo, ou então junção deste com Apolo, mas terá a natureza memória curta e logo tudo repete, ou então é ritual. Não conhecia a zona, aliás ainda agora não sei o que conheço do que se possa chamar a minha própria zona, tudo está em mudança contínua, imparável e infatigável afinal, por isso orientava-me pelo aroma marítimo, era esse o meu destino, ir sentar-me numa rocha de uma enseada a olhar o horizonte. Por isso, quando alcancei a praia, sendo qualquer praia a minha praia, obviamente sentei-me numa rocha de uma enseada a olhar o horizonte, e a ver o tempo a passar, esperava algo, mas sabia que não esperava nada, contudo ali permanecia a esperar. Havia ao longe uma casa, pequena, simples, com uma janela, e uma mulher nela. Ela olhou para onde eu estava, ali, e ela sorriu pelo que poderia ser a primeira e última vez de muitas próximas. O mundo então parado retornou a girar, e eu sentado numa rocha de uma enseada, e o tempo a passar. Não esperava nada, mas sabia que esperava algo, por isso ali permanecia a esperar.
Tenho por hábito fitar o mar durante imenso tempo, contemplando a grandiosidade deste local de partida, há quem diga também de chegada, mas não concordo, tudo parte, até nós foi dele que partimos no início do mundo e das histórias. Sentia um imenso desejo de me atirar a ele, regressar às origens, fugir de tudo, jovem medroso… Fi-lo, levantei-me, corri de braços abertos pronto a fazer parte da constituição daquele tudo que é o mar, tendo permanecido eu o mesmo nada que sempre fui ou ainda talvez um nada mais acentuado, ironicamente. Esbracejei, bati as pernas, parecia que lutava por me soltar quando o que mais queria era envolver-me naquilo, nadei por fim ao apanhar-lhe o engenho. Cansei-me também pouco depois, fui ao fundo, entrava naquele momento no ventre donde partira milhões de anos antes, das cinzas às cinzas, parece que nem tudo parte afinal, o destino é sempre o regresso a casa para o eterno descanso.
Acordei, tinha sonhado. Como é que me deixara adormecer ali? Nunca fui homem de dormir fora do lar, daí as minhas insónias por não pertencer a lado nenhum, mas não entendo, se não pertenço a lado nenhum, toda a Terra é o meu lar… Contradições atrás de contradições, sempre foram assim o meu ser e existência, a pensar demasiado. Mas dói-me pensar. É como se me apercebesse uma e outra vez que mesmo sendo, nada sou, possivelmente será essa a maldição que me assombra, ser existindo a pensar. Olhei para o relógio, o sol estava quase a nascer, acabou o devaneio, eram horas de voltar ao quarto onde os meus pais me tinham visto pela última vez. Levantei-me da rocha da enseada em que estive a olhar o horizonte. Faltariam, mais coisa menos coisa, insignificantes imprecisões dada a ilusão do tempo, quarenta e cinco minutos para se fazer dia, vi isso quando olhei para os ponteiros da máquina do tempo que tinha no pulso, algo mais concebível de se dar essa nomenclatura não deverá existir, mas seria facilmente identificável ao olhar para o lado da terra de nuestros hermanos. Andei um bocado, até me aperceber de algo que a muitos assustaria mais que a própria morte, ou deverei dizer a vida, rara é a pessoa que não tem medo de viver, e ainda, a morte não é algo mais que uma etapa da própria vida, a etapa final por mero acaso; apercebi-me que não sabia para onde deveria ir, e isso deixou-me tão indiferentemente feliz, se algo assim possa existir ou até ser imaginado. Indiferente, porque tanto me fazia estar ali ou noutro qualquer lugar, feliz, porque me sentia finalmente só, como se nada no mundo existisse para além de mim, pode parecer egoísmo, mas a explicação disso é somente porque não havendo ninguém mais que eu, ninguém mais que eu teria impacto no que eu fizesse com a minha vida. Coisas destas de nos perdermos no mundo e em quem somos acontecem a quem se orienta pelo aroma marítimo, só esse reconhecendo e nenhum caminho sabendo que não leve ao verdadeiro lar.
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