Antropologia
Por: Bruna Menezes • 30/10/2015 • Trabalho acadêmico • 4.147 Palavras (17 Páginas) • 174 Visualizações
O novo jeito de comprar: um olhar antropológico
The new way to shop: an anthropological view
CARVALHO; Priscila Rezende; Mestranda (Universidade de São Paulo) preerezende@gmail.com
Resumo
O seguinte texto discute a emergência de comportamentos de consumo a partir da interação entre o indivíduo e as mídias digitais. Para isso, utiliza-se uma abordagem antropológica da narrativa publicitária, analisando e interpretando o cotidiano representado e os estímulos ao consumo. Observa-se que o novo jeito de comprar sugerido dialoga com comportamentos estabelecidos, que vão além do ato da compra.
Palavras-chave: comportamento de consumo, mídias digitais, publicidade
Abstract
The following text discusses the emergence of consumer behaviors from the interaction between the individual and the digital media. Thereby, it’s adopted an anthropological approach of advertising narrative, analyzing and interpreting the represented everyday stimuli to consuming. It is observed that the suggested new way to buy dialogues with established behaviors that go beyond the act of purchase.
Keywords: consumer behavior, digital media, advertising
Introdução
Em uma economia baseada no excesso, em que bens de produção são transformados em bens de consumo pelo artifício do espetáculo, a narrativa publicitária traduz esse e outros aspectos da sociedade e cultura contemporânea, nas quais o consumo tem papel central (Bauman, 2008). Sendo assim, discursam sobre experiências de consumo que não estão isoladas, pois trazem, em si, uma vasta gama de significações da vida humana.
As formas de comunicação e circulação dessas narrativas, junto com as consequências na constituição do imaginário e na transmissão de conhecimento, foram completamente transformadas pela revolução das tecnologias da informação, intensificada após a década de 70, cujo impacto é estrutural e afeta a indústria, a comunicação, o consumo e as expressões poéticas, fazendo emergir novos comportamentos e padrões cognitivos. Não se restringe a apenas um campo, como afirma Manuel Castells (2000), a revolução das tecnologias da informação é o ponto de partida para a compreensão das estruturas do contemporâneo. Essas transformações se tornaram cada vez mais constantes e influentes nas mais diversas atividades, levando a verdadeiras renovações na produção e no consumo de bens.
A partir de uma abordagem antropológica, este trabalho investiga tanto as representações quanto os estímulos relacionados ao uso e interação com essas novas tecnologias pelas manifestações nas práticas de consumo cotidianas. Pela descrição e interpretação da narrativa publicitária (Rocha; Pereira, 2012), busca-se compreender o significado dos fenômenos culturais no processo comunicacional estabelecido pela publicidade e apontar efeitos no comportamento de consumo. Justifica-se pelo fato de esses significados e efeitos se expandirem para toda a vida social, o que dá pistas para entender os estilos de vida contemporâneos.
O corpus selecionado é o vídeo publicitário “The new way to shop”, da empresa de comércio eletrônico de moda Net-a-Porter, que divulga o lançamento de uma nova plataforma de relacionamento e vendas por celulares, ao mesmo tempo em que sugere o advento de um “novo jeito de fazer compras”, o que, como citado, é mais amplo do que a ação da compra. Ao produzirem produtos e discursos, as empresas assimilam comportamentos e os reforçam pelas mensagens publicitárias. A experiência de compra pelos meios digitais não exclui experiências em outros meios, os ambientes interagem e indicam efeitos da cultura digital no comportamento de consumo por inteiro – ou no comportamento social fortemente regulado pelo paradigma do consumo. A abordagem antropológica no estudo do consumo também é discutida como meio de acessar informações que métodos convencionais de pesquisa, no atual cenário, não acessam.
A sociedade de consumo e a revolução digital: paradigmas contemporâneos
O termo consumo remete às principais atividades dos seres humanos, desde a satisfação de necessidades elementares às significações socialmente construídas, de forma paradoxal, mas reveladora de sentidos, da função social distintiva e política-ideológica, de motivações humanas triviais, de ordem natural e fisiológica, até motivações que assimilam toda a ordem de valores nos grupos sociais dos mais primitivos até os dias atuais, de acordo com Jean Baudrillard (1995). No decorrer do século XX a economia marcada pela produção aos poucos se transforma em uma economia marcada por excesso, elegendo o consumo como mais relevante. Essa transição se desenrola no período em que o moderno dá sinais de ser superado por aquilo que se denomina pós-modernismo (Featherstone, 1995), hipermodernidade (Lipovetsky, 2004) ou modernidade líquida (Bauman, 2004). Independente do termo adotado refere-se ao contemporâneo globalizado, cuja questão principal é a quebra com as bases da modernidade em diversos campos e que se intensifica na segunda metade do século XX, caracterizando a primeira década do século XXI. Além da centralidade do consumo, nota-se a passagem para uma era pós-industrial, baseada em novas tecnologias e informação, a computadorização da sociedade, a reorganização socioespacial a partir de novos padrões, de culturas emergentes, de vínculos instáveis.
Alguns paralelos apontados por Zygmunt Bauman (2008) jogam luz sobre as alterações na sociedade, de forma geral, que justificam a afirmação de que somos uma sociedade de consumidores, em uma cultura de consumo, em que as regras do mercado afetam tanto a vida social, quanto as práticas humanas, o comportamento, a identidade e a produção: a importância uma vez dada à durabilidade dos bens, hoje é dada a renovação acelerada; o desejo de estabilidade foi substituído por desejos mais volumosos, intensos e efêmeros; a segurança da permanência deu lugar a uma cultura agorista; os indivíduos são julgados tendo o poder de consumo como principal critério de inclusão e exclusão, se sobrepondo à força produtiva.
Ainda que comparados, não há intenção de engrandecer a produção diante do consumo, ou vice-versa: adota-se uma posição de complementaridade entre ambos[1]. O consumo não se encerra no ato da compra: é parte constituinte de narrativas de práticas cotidianas e de identificação, e também o é da narrativa da produção e dos modos de uso. A cultura é como a personalidade dessa sociedade, marcada pelo paradigma do mercado, classificada também como cultura de consumo (Jameson apud. Featherstone, 1995; Solomon, 2011; Castro, 2008), evidenciada nos fenômenos do cotidiano, da vida de todos os dias e todas as pessoas, complexa e múltipla com gestos, relações e atividades, que abrange ambiguidades como o público/privado, social/ individual, resistência/alienação (Netto; Carvalho, 2007). Isso significa que as práticas da vida social, em sua maioria, se transformaram em práticas racionalizadas pelo consumo – ao se adquirir um objeto de decoração, decidir como passar o tempo livre ou em que escola matricular os filhos, somos expostos à mesma lógica de mercado.
...