Antropologia Nos Serviços De Saúde
Tese: Antropologia Nos Serviços De Saúde. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: pereira42 • 2/4/2014 • Tese • 4.805 Palavras (20 Páginas) • 197 Visualizações
Introdução
Muito tem sido falado e escrito sobre o cuidado à saúde no Brasil e no
mundo nos últimos tempos. Além da literatura especializada sobre o tema,
praticamente todos os dias deparamo-nos com matérias em jornais, revistas,
rádio, televisão e mesmo em conversas informais, sobre casos de pessoas
que não foram atendidas, pessoas que morreram, tiveram seqüelas pela falta
de atendimento médico ou mesmo pessoas que foram mal atendidas e até as
que foram atendidas e não tiveram seus problemas resolvidos. Restringindonos
ao caso brasileiro, é bem verdade que nem sempre se fala só do caos do
sistema de saúde e dos absurdos que ocorrem em função dele. Há novas
descobertas sendo feitas, novos medicamentos sendo desenvolvidos,
mecanismos de doenças sendo elucidados, cirurgias revolucionárias,
aparelhos fantásticos, “dicas” para uma “vida saudável” que nos inundam de
informações. O que não deixa de ser um quadro paradoxal: grandes e
incontestáveis avanços tecnológicos em benefício do ser humano, por um
lado, e, por outro, uma sensação de crise permanente, com atendimento
inadequado, insuficiente e, pior, oferecido sem eqüidade.
A preocupação com a saúde definitivamente incorporou-se ao nosso
cotidiano. Só que, ainda hoje, para perplexidade de alguns, nem sempre
todos os problemas de saúde são vistos dentro do sistema formal de cuidado
à saúde. Pelo contrário: calcula-se que 70 a 90% dos episódios de doença são
manejados fora desse sistema, por autocuidado ou busca de formas
alternativas de cura (Kleinman et al., 1978; Kleinman, 1980; Knauth, 1991).
Ou seja, o modelo biomédico é apenas um entre tantos sistemas disponíveis
no “mercado” da saúde. O que há de comum entre esses diversos sistemas e
que gostaríamos de explorar um pouco mais neste artigo é o encontro que
se estabelece entre o paciente e o agente de cura2 . Tal encontro possui
elementos peculiares referentes à comunicação, freqüentemente
negligenciados na prática médica e de saúde em geral (Helman, 1994;
Pedersen & Baruffati, 1989). Mais do que isso, essas peculiaridades são
moldadas de maneira marcante pelas características culturais de cada grupo
social envolvido.
Interações entre serviços de saúde e usuários
Mesmo sob o ponto de vista formal, a relação entre serviços de saúde e
usuários envolve muitos outros aspectos além do encontro físico entre
médico e paciente num consultório, por exemplo. Há, entre outros fatores,
as políticas de saúde em cada local e as concepções dos indivíduos sobre o
que é estar doente. A doença é uma experiência que não se limita à
alteração biológica pura, mas esta lhe serve como substrato para uma
construção cultural, num processo que lhe é concomitante. Não queremos
dizer com isso que exista uma seqüência de “primeiro biologia e depois
cultura”, mas sim que existem percepções culturais acerca de um fenômeno
que também abarca o biológico, mas que o supera. Ou seja, uma
determinada pneumonia bacteriana pode ser causada pelo mesmo agente
infeccioso em todo o mundo, com alterações fisiopatológicas equivalentes
2 Na falta de uma
tradução melhor,
“agente de cura” é
utilizado no sentido do
termo healer, em
inglês, e que pode ser o
médico, o curandeiro, o
erveiro, o pai-de-santo
ou outro profissional
da saúde que
desempenhe essa
função.
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ANTROPOLOGIA NOS SERVIÇOS DE SAÚDE:...
Interface - Comunic, Saúde, Educ, v6, n10, p.63-74, fev 2002
em diversos indivíduos. Mas a forma de tratamento, o sistema de saúde
disponível e, sobretudo, a percepção que a pessoa acometida terá sobre a
sua doença variarão enormemente.
Isso fica mais claro quando conseguimos estabelecer a diferença agora já
clássica entre illness e disease (Kleinman et al., 1978; Kleinman, 1980;
Kleinman, 1986). E aqui nos permitimos o uso dos termos em inglês por
terem um sentido mais acurado, uma vez que, em português, a palavra
“doença” contempla os dois significados.
Podemos dizer que illness, o equivalente a “perturbação”, é a forma como
os indivíduos e os membros de sua rede social percebem os sintomas,
categorizam e dão atributos a esses sintomas, experenciando-os, articulando
esse sentimento por meio de formas próprias de comportamento e
percorrendo
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