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DESAPROPRIAÇÃO: Ato Discricionário Sem Limites?

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Por:   •  21/8/2014  •  2.563 Palavras (11 Páginas)  •  717 Visualizações

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DESAPROPRIAÇÃO:

ato discricionário sem limites?

RESUMO

Breve abordagem do direito discricionário do Estado e uma alusão aos princípios constitucionais do direito público que foram afetados em caso concreto, partindo-se do acórdão referente ao recurso especial no 36.611 dirigido ao Superior Tribunal de Justiça.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por escopo uma breve abordagem de um relevante tema do Direito Administrativo: a limitação do poder discricionário do Estado.

Objetiva-se aferir quais princípios constitucionais do direito público foram afetados em determinado caso concreto: um ato administrativo discricionário de desapropriação.

2. O ACÓRDÃO

O presente artigo toma como base o acórdão relativo a recurso especial dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, que possui a seguinte ementa, in verbis:

“É lícito ao Poder Judiciário declarar nulo decreto expropriatório onde se verifica desvio de poder.

É nulo decreto declaratório de utilidade ou necessidade pública, onde não se especifica a finalidade de desapropriação.

SUPREIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Recurso Especial no 36.611

Requerentes: Hamilton José Azevedo e Cônjuge

Recorrido: Município de São Francisco do Sul

Relator: Sr. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS”

O recurso se refere à ação expropriatória por utilidade pública movida pelo Município de São Francisco do Sul, SC e à ação ordinária de nulidade de decreto de expropriação ajuizada pelos proprietários, sendo os dois processos reunidos por continência.

Em primeiro grau, a ação de desapropriação foi declarada procedente e improcedente a demanda anulatória. O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina confirmou a sentença, a cuja decisão os sucumbentes manifestaram recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça.

Este recurso pretendia a declaração de nulidade do ato expropriatório, ao argumento de que a intervenção municipal da propriedade teve por fim obstar a execução de construção, devidamente licenciada e posteriormente embargada, sendo que o embargo administrativo à obra fora afastado por sentença proferida em mandado de segurança.

Segundo as informações prestadas pelo expropriante no mandado de segurança, a desapropriação foi feita apenas porque os expropriados persistiam em dar início a determinada edificação. Além disso, o Prefeito Municipal declarou desconhecer projetos para implantação de algum equipamento ou obra pública sobre os terrenos ora expropriados e alegou ainda que, possivelmente, poderia construir uma ponte que se localizaria atrás das áreas expropriadas.

Assim, foi considerado pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça inválido o Decreto Municipal 244 de 02/09/86 (sendo a decisão por unanimidade de votos) que declarou os imóveis em causa de utilidade pública para fins de desapropriação, visto que o agente administrativo buscou objetivo alheio à natureza do ato expropriatório.

3. DESAPROPRIAÇÃO OU EXPROPRIAÇÃO

A desapropriação ou expropriação é o processo administrativo pelo qual o Estado retira de alguém certo bem, por necessidade ou utilidade pública, ou ainda por interesse social, e o adquire, originariamente, para si ou para outrem, mediante prévia e justa indenização, paga em dinheiro, salvo os casos enumerados pela Constituição Federal (CF), em que o pagamento é feito mediante títulos da dívida pública ou da dívida agrária - estes últimos, casos de expropriação extraordinária.

A Constituição Federal, nos artigos 5o, inciso XXIV, 182, parágrafo 4o, inciso III e 184 e seus parágrafos, fixa de forma clara e precisa os requisitos da desapropriação para as espécies que regula, a saber:

“Art. 5º., inciso XXIV — a lei estabelecerá o procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

(...)

Art. 182., § 4º É facultado ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para a área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente de:

III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais;

(...)

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos de dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

§ 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.

§ 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor ação de desapropriação.

§ 3º Cabe á lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.

§ 4º O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.

§ 5º São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.”

Segundo BANDEIRA DE MELLO (1995), p.438 pode-se dizer que desapropriação é o procedimento administrativo através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e adquire para si, mediante indenização, fundando em um interesse público.

É de necessidade pública a desapropriação sempre que o Estado, para atender a situações normais da comunidade ou anormais e imprevistas que se lhe apresentam, tem de adquirir o domínio e o uso de bens de terceiros. A utilização da propriedade deve ser conveniente e vantajosa ao interesse público.

Pode-se observar o interesse social, por exemplo, quando o Estado adquire a propriedade de alguém e a trespassa a terceiro para impor um melhor aproveitamento da terra rural ou para prestigiar certas classes sociais.

Conclui-se, dessa forma, que a expropriação só pode ocorrer em razão de finalidade pública, não podendo ocorrer, em hipótese nenhuma, desapropriação por interesse privado de pessoa física ou jurídica. O foco deve estar, necessariamente, no interesse público, pois só esse justifica e legitima o ato administrativo expropriatório.

4. O ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO

Segundo MOREIRA NETO (1998), p. 2 os estudos e projetos constitucionais nos anos de 87 e 88 deram um tratamento inovador à administração pública, destacando-se o fato de que princípios fundamentais do direito administrativo (legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade) foram inseridos na Constituição e a motivação passou a ser condição geral de validade dos atos administrativos.

Essas inovações foram de extrema importância, principalmente quando se tem em vista o ato discricionário.

Para se abordar o ato discricionário, faz-se relevante esclarecer, primeiramente, o que vem a ser o poder discricionário.

Antes de mais nada, o poder discricionário não pode ser confundido com poder arbitrário.

De acordo com MEIRELLES (2002), p. 114, in verbis: Poder discricionário é o que o Direito concede à Administração, de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo.

No ato administrativo discricionário o administrador tem uma maior liberdade de ação. Mas deve-se ter em mente que essa liberdade é sempre parcial, vinculada ao interesse público, sujeita aos limites permitidos em lei. Isso porque num Estado Democrático de Direito não há espaço para ações estatais arbitrárias – contrárias ou excedentes à lei - e, portanto, ilegais.

Mas o que vem a ser interesse público? MOREIRA NETO (1998), p. 13, informa-nos uma definição de interesse público, a saber:

“interesses coletivos gerais que a sociedade comete ao Estado para que ele os satisfaça, através da ação política juridicamente embasada ou através de ação jurídica politicamente fundada”.

A discricionariedade estatal não é, portanto, ilimitada. Esse poder foi atribuído ao Estado para que este possa alcançar, da melhor maneira possível, as situações que o legislador não conseguiu prever, devendo aquele agir com idoneidade, respeitando os princípios constitucionais, de forma a confirmar a confiança que lhe foi depositada.

5. MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO

Segundo MEIRELLES (2002), p. 150, para que um ato tenha validade e eficácia, deve ser analisado o mérito administrativo deste, a saber: valoração dos motivos, escolha do objeto, conveniência, oportunidade e justiça.

Nos atos discricionários, como o que está sendo abordado neste artigo, existem elementos sempre vinculados (competência, finalidade, forma) e aqueles que a administração pode decidir livremente (motivo e objeto), só podendo ser corrigidos judicialmente se caracterizado desvio ou abuso de poder.

Segundo CRETELLA JÚNIOR (1997), p. 292, para que seja observado o desvio de poder, devem estar presentes quatro elementos, in verbis:

- autoridade administrativa;

- competência;

- uso de poder;

- fim diverso do conferido pela lei.

Dando continuidade à sua argumentação, Cretella Júnior afirma: “ ‘A autoridade administrativa’ (causa eficiente) do ato administrativo ‘usa de sua competência, de acordo com as formas prescritas em lei’ (causa formal), ‘para exercer o poder que lhe é posto nas mãos’ (causa material), não entretanto, ‘para perseguir’ o fim previsto, mas para ‘fim diverso’ (causa final) ‘daquele que a lei lhe conferira’.”

Dessa forma, para que um ato seja válido, deve ser observado se o motivo é relevante, se o objeto foi escolhido de forma pertinente, se é conveniente, no momento da execução, aquele ato para a Administração Pública e se com esse ato não será praticada nenhuma injustiça.

6. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS AFETADOS

Faz-se relevante, no momento, uma abordagem aos princípios da Administração Pública que foram afetados neste caso concreto.

A Constituição Federativa do Brasil explicita quais são os princípios norteadores dos atos praticados pela Administração Pública, in verbis:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.

6.1. O princípio da legalidade

Partamos do princípio da legalidade. Enquanto no direito privado tem-se como regra básica que o que não está proibido está permitido, no direito público tem-se o oposto: o que não está permitido está proibido.

Conforme BANDEIRA DE MELLO (1995), p. 47, este é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo.

Tomando-se por base o que diz a Constituição, fica claro que legalidade não é somente atuar conforme a lei, mas também agir de acordo com os princípios administrativos.

Tendo em vista que a desapropriação tem de ser ocasionada por “necessidade ou utilidade pública ou por interesse social” - como já vimos no art. 5º da Constituição Federal – e neste caso isso não ocorreu, verificamos que este princípio foi fatalmente ferido.

É patente, portanto, o desvio de poder neste ato da Administração Pública, pois apesar da aparência de ato administrativo discricionário, houve um afastamento dos pressupostos legais da desapropriação, sendo o fim da Administração diverso do indicado pela lei.

Em concordância com MEIRELLES (2002), p. 87, para que o ato tenha plena legitimidade, não basta atender à legalidade; os princípios da moralidade e da finalidade também devem ser obedecidos.

6.2. O princípio da moralidade.

Fazendo-se, novamente, menção ao art. 37 da CF, a moralidade administrativa constitui, atualmente, pressuposto de validade do ato administrativo.

Para atuar, o agente administrativo deve discernir o Bem do Mal, o honesto do desonesto.

Segundo MEIRELLES (2002), p. 442, do princípio da moralidade abordado na Constituição Federal decorre o dever de conduta ética do servidor público.

Partindo-se do Dec. 1.171, de 22.06.94 (Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil e Federal) tem-se que “a dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o serviço público” – nesse sentido também tratam o Código de Conduta da Alta Administração Federal publicado no DOU de 22.08.2000 e a Res. 2, de 24.10.2000.

Atualmente, muitos consideram a imoralidade uma hipótese de ilegalidade que pode atingir os atos administrativos – a ilegalidade quanto aos fins ou o desvio de poder. Como afirma DI PIETRO (1998), p. 70 , in verbis, “No direito positivo brasileiro, a lei que rege a ação popular (Lei nº 4.717/65) consagrou a tese que coloca o desvio de poder como uma das hipóteses de ato administrativo ilegal, ao defini-lo, no artigo 2º, parágrafo único, alínea “e”, como aquele que se verifica ‘quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência’ ” .

Este princípio,portanto, também foi afetado na medida em que um ato público foi utilizado para prejudicar outrem, promovendo a desigualdade. Este foi um ato desonesto, e portanto, imoral.

6.3. O princípio da impessoalidade ou finalidade.

O princípio da impessoalidade ou finalidade também não foi respeitado neste caso. De acordo com o princípio da finalidade, o agente que pratica o ato deve fazê-lo pensando não em suas ideologias, mas na comunidade, com vistas ao interesse público, de forma impessoal. Nessa mesma intenção é que afirma GASPARINI (1995), p. 13: No embate entre os interesses público e particular há de prevalecer o interesse público.

Não pode, portanto, o agente atuar de modo a beneficiar ou a prejudicar pessoas determinadas, utilizando-se da sua condição de agente público para isso. Nesse sentido afirma MEIRELLES (2002), p. 90: “O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a administração, visando unicamente a satisfazer interesses privados por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade”.

Os fins, neste caso concreto, não visavam o interesse público, mas sim o interesse particular, como ficou provado, de impedir a continuação de uma obra.

7. CONCLUSÃO

Diante do exposto, pode-se notar que os princípios mencionados (da legalidade, moralidade e impessoalidade ou finalidade) foram claramente aviltados. Felizmente, o ato foi prudentemente anulado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Relevante ressaltar que o não respeito aos princípios constitucionais produz efeitos jurídicos, uma vez que a própria Administração ou o Poder Judiciário pode decretar a invalidade do ato praticado.

Dessa forma, fica evidenciado que até mesmo os atos discricionários devem sofrer certa limitação.

De acordo com DI PIETRO (1998), p. 69, existe uma moral administrativa, imposta pelo Legislativo que condiciona a utilização de qualquer poder jurídico, incluindo o discricionário.

Esses limites servem para permitir que a Administração Pública alcance seus objetivos e coibir o abuso de poder e conseqüente prática de injustiças por pessoas que se aproveitem de sua condição de agente público e da confiança que lhes foi depositada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Acórdão referente ao recurso especial nº 36.611;

Constituição da República Federativa do Brasil;

Código de Conduta da Alta Administração Federal publicado no DOU de 22.08.2000 e a Res. 2, de 24.10.2000;

Dec. 1.171, de 22.06.94 (Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil e Federal);

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 1995;

JÚNIOR, José Cretella. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 1997;

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. – São Paulo: Malheiros, 2002;

NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Legitimidade e Discricionariedade: Novas Reflexões sobre os imites e Controle da Discricionariedade. 3. ed. – Rio de Janeiro: Saraiva, 1998;

MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. – São Paulo: Malheiros, 1995;

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 9. ed. – São Paulo: Atlas, 1998.

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