Desiguais Na Vida E Na Morte
Artigo: Desiguais Na Vida E Na Morte. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: KarolCastro24 • 9/9/2014 • 687 Palavras (3 Páginas) • 566 Visualizações
A morte de Ayrton Senna comoveu o país. O desalento foi geral. Independente do "big carnival" da mídia, todos perguntavam o que Senna significava para milhões de brasileiros. Por que a perda parecia tão grande? O que ia embora com ele?
Dias depois, uma mulher morreu atropelada na avenida das Américas, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Ficou estendida na estrada por duas horas. Como um "vira-lata", disse um jornalista horrorizado com a cena! Neste meio tempo, os carros passaram por cima do corpo, esmagando-o de tal modo que a identificação só foi possível pelas impressões digitais. Chamava-se Rosilene de Almeida, tinha 38 anos, estava grávida e era empregada doméstica.
Efeito paroxístico do apartheid simbólico que fabricamos, pode-se dizer. De um lado, o sucesso, o dinheiro, a excelência profissional, enfim, tudo que a maioria acha que deu certo e deveria ser a cara do Brasil; do outro, a desqualificação, o anonimato, a pobreza e a promessa, na barriga, de mais uma vida severina.
O brasileiro quer ser visto como sócio do primeiro clube e não do segundo. Senna era um sonho nacional, a imagem mesma da chamada classe social "vencedora"; Rosilene era "o que só se é quando nada mais se pode ser", e que, portanto, pode deixar de existir sem fazer falta. Luto e tristeza por um; desprezo e indiferença por outro. Duas vidas brasileiras sem denominador comum, exceto a desigualdade que as separava, na vida como na morte.
Penso que esta interpretação é correta mas não esgota o sentido dos acontecimentos. Valor diferencial dos indivíduos, segundo a hierarquia de classe, sempre existiu. A vida dos ricos e poderosos sempre foi tida como "mais vida" do que a dos miseráveis. A questão é a ferocidade com que isto, agora, se apresenta. As mortes de Senna e Rosilene mostram, além da divisão social de privilégios, a progressiva privatização ou particularização dos ideais morais.
A insistência em tornar Senna um herói nacional é a contrapartida do absurdo descaso com que tratamos a vida dos mais humildes. O que nele era admirável pertencia à esfera das virtudes privadas. Virtudes perfeitamente conciliáveis com as virtudes públicas, mas que não podem vir a substituí-las, porquanto pessoais e intransferíveis. Talento e vocação para habilidades específicas não se aprende no colégio. Todos podemos ser bons ou excelentes cidadãos; só alguns podem ser bons padeiros, professores, poetas ou desportistas. Um país obrigado a ter num grande corredor de automóveis o motivo único do orgulho nacional é um pobre e triste país.
O problema –fique bem claro!– não é discutir o incontestável mérito de Senna. O problema é saber como pessoas que provavelmente choraram sua morte foram capazes, pouco depois, de esmagar uma mulher como quem pisa numa barata! Cada dia mais, somos levados a crer que "humano como nós" são apenas aqueles com nossos hábitos de consumo, nossos estilos paroquiais de vida, nossas características físicas, nossas preferências sexuais etc.
Estamos nos convertendo a uma sociedade de "minorias" que discriminam ou são discriminadas, mas que se mostram igualmente incapazes de entender que um mundo humano, como o que conhecemos, só pode existir enquanto durar a idéia de "Homem". Além de "unidimensionais", como dizia Marcuse, estamos nos tornando
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