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Direito Civil I

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Por:   •  8/6/2013  •  2.754 Palavras (12 Páginas)  •  271 Visualizações

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“Django Livre” de Tarantino e a discriminação racial

http://jus.com.br/revista/texto/23644

Publicado em 02/2013

Marcelo Rodrigues Prata

Serão necessárias várias gerações para eliminar nosso ranço histórico de uma ideologia patrimonialista, estamental, escravocrata, clientelista e individualista em nossa sociedade.

Introdução

Lançamos mão do Cinema, mais precisamente do filme Django Livre (EUA, 2012), para abordarmos uma questão delicada que é a da discriminação racial. A propósito, quanto ao valor da metáfora para o Direito, Richard A. Posner afirma que ela “desempenha um papel cognitivo bastante útil, de lançar uma pessoa para fora de seu atual quadro de referências, levando-a a olhar para determinada coisa de uma maneira nova, talvez mais esclarecedora”. [1] Aliás, o mesmo Posner afirma que “por ser matéria, e não método, o direito presta-se a ser estudado por pesquisadores de outras disciplinas...”, [2] como, e.g., a crítica literária que veio dar origem à crítica de cinema — que, aqui, esclareça-se, nos limites dos objetivos deste artigo jurídico não possui pretensões acadêmicas. A propósito, defende Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy que:

O cinema lê nossos tempos, essa modernidade, preocupação nascida das sombras do iluminismo, abordada por Nietzsche e Weber. Assim, Hitchcock, Bergman, Kurosawa, Fellini, Almodóvar, Zeffirelli, Fassbinder, Kazan, Tarantino, Pasolini, Resnais, Eisenstein lêem o mundo da justiça [...]. [...] Presta-se o cinema a tudo querer ler e interpretar. [...] O cinema focaliza enredos preocupados com o justo, com a ética, com jurisprudência pretensamente universal. [...] Promove miríade de concepções, criações, variações. Acena com interminável banquete de referências. É inesgotável repertório retórico. [3]

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1 Do filme Django Livre

Django Livre se passa em 1858, em plena era da escravidão estadunidense e pouco antes da Guerra de Secessão (1861-1865). Ele trata da história de um escravo, Django Freeman — “the ‘D’ is silent” [4], como o herói gosta de frisar, defendendo sua identidade —, que encontra com o caçador de recompensas alemão Dr. King Schultz (Christoph Waltz), que o liberta e lhe ensina a sua “arte”, sem se importar com a cor da pele do nosso herói. Ao revés, ele se compadece da sorte de Django (Jamie Foxx) e faz de tudo para uni-lo a sua esposa, a escrava Broomhilda (Kerry Washington), homônima da personagem da lenda de O anel dos Nibelungos, de enorme prestígio na Alemanha, o que reforça a simpatia de Schultz pelo casal.

O filme, como de soem ser todos os de Quentin Tarantino, vem gerando muita polêmica, desta vez não apenas pela sua estética da violência, mas igualmente por uma questão muito mais sensível, qual seja a da escravidão dos negros nos EUA. Aliás, o consagrado diretor Spike Lee, militante do movimento negro, não viu e não gostou de Django Livre:

“Eu não posso falar sobre isso [o filme] porque eu não vou vê-lo. Tudo o que eu vou dizer é que é desrespeitoso aos meus antepassados. Isso sou eu. Eu não estou falando em nome de ninguém”, afirmou Lee. O cineasta também escreveu em seu Twitter sobre o filme. “A escravidão nos Estados Unidos não foi um western spaghetti de Sergio Leone. Foi um holocausto. Meus ancestrais foram escravos, roubados da África. Eu os honrarei”. [5]

Assistindo ao filme, entendi o motivo...

Em sua odisseia para tentar recuperar a amada, Django é obrigado a endurecer o coração. Aliás, como disse Friedrich Nietzsche: “O que digladia com monstros deve cuidar para que, na luta, não se transforme também em monstro. Quando tu olhas, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti”. [6] Vale dizer, Django atua como “traidor” de sua gente para tentar ludibriar o repugnante senhor de escravos Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), que comprou Broomhilda e promove lutas de escravos em sua propriedade (numa alusão aos sangrentos certames de MMA do presente).

Aliás, Calvin conta com o maligno conselheiro Stephen — soberbamente interpretado pelo corajoso Samuel L. Jackson —, que apesar de ser um escravo negro, é capaz de qualquer vilania para manter sua posição privilegiada junto ao seu senhor.

Não fora isso o bastante, pour épater les bourgeois, a palavra “nigger”, expressão considerada altamente ofensiva pelos afrodescendentes para se referir a um negro, especialmente quando dita por brancos, é utilizada em profusão no filme. Trata-se de fonema diretamente associado ao período da escravidão, tão pesado que na imprensa quando necessária a referência é substituída por “n-word”.

Por outro lado, defende Richard A. Posner: “Se, contudo, os brancos têm de adquirir uma perspectiva estereoscópica birracial para lidar eficazmente com os problemas raciais da sociedade, o mesmo devem fazer os negros”. [7] Vale dizer, os afrodescendentes posto que devam lutar pela valorização de sua etnia, não possuem o monopólio do tema da discriminação contra os negros, ao arrepio do princípio da isonomia e da liberdade de expressão. (Art. 5º, caput e inc. IX da Constituição Federal de 1988.).

Ressalte-se que, em seu conjunto, ainda que desprezando a “cartilha do politicamente correto”, comme d’habitude, Quentin Tarantino é autor de um filme francamente favorável ao movimento de valorização dos afrodescendentes, porquanto — como se não bastasse o fato de o herói vingador de Django Livre ser um negro — deixa claro que o sistema da escravidão estadunidense foi absolutamente abominável, só podendo ser equiparado ao Holocausto perpetrado contra o povo judeu.

A propósito, é sintomático que Tarantino tenha realizado um filme cujo pano de fundo é a escravidão logo após haver lançadoBastardos Inglórios (EUA, 2009), que tratava da questão do nazismo. Aliás, o racismo é um tema recorrente nos seus filmes. O-ren Ishii (Lucy Liu) — a chefe da Yakuza (máfia japonesa) — em Kill Bill: Vol. I (EUA, 2003) era miscigenada, de origem nipo-americana e chinesa, por exemplo, o que a obriga se impor em um ambiente francamente desfavorável, permeado de racismo e machismo.

Isso evidentemente tem explicações na própria vida pessoal de Tarantino, de origem italiana e indígena da Nação Cherokee. Em suma, não se pode, sic et simpliciter, acusá-lo de racismo sem um conhecimento mais aprofundado de sua obra e biografia. Aliás, Django Livre não é o seu primeiro filme em que o personagem

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