Entrevista
Exames: Entrevista. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: rafaelscabral • 26/3/2015 • 4.414 Palavras (18 Páginas) • 233 Visualizações
A história do Direito é a história do Brasil
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26 de abril de 2009, 9h22
Por Maurício Cardoso e Lilian Matsuura
Cassio Schubsky - Spacca
Pouca gente tem conhecimento para achar que Ruy Barbosa não é o maior jurista da história do Brasil. Entre esses privilegiados das ciências humanas está o bacharel em Direito e historiador Cássio Schubsky. Antes que se desate a polêmica, vale explicar que Schubsky não questiona o valor do bom baiano. Ele só defende que Ruy foi beneficiado por um marketing pessoal que o fez se destacar em relação a figuras tão imponentes para o Direito como Clóvis Beviláqua, Teixeira de Freitas ou o Barão de Ramalho. Para ele, o pensamento jurídico do Brasil vai muito além de Ruy Barbosa.
Ao juntar seus dois diplomas – é formado em Direito pela USP e em História pela PUC-SP – Cássio tornou-se ele mesmo um caso raro: historiador especializado na área jurídica. Já escreveu e publicou – é também dono da editora Lettera.doc – uma série de livros, todos focados no Direito e na Justiça e em seus operadores.
Tem preferência por contar a história das instituições. Sua última obra é sobre a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo: Apontamentos sobre a História da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Antes já havia colocado no papel as histórias da Associação dos Advogados de São Paulo e do Centro Acadêmico XI de Agosto. Sua próxima aventura literária é sobre a Apamagis, a Associação Paulista dos Magistrados.
Já está pesquisando também a vida de Clóvis Beviláqua, jurista que dá nome à praça onde fica o Palácio do Tribunal de Justiça de São Paulo é o autor do Código Civil de 1916 que vigorou até 2003. Na linha da biografia é co-autor de Estado de Direito Já – Os trinta anos da Carta aos Brasileiros, que trata tanto da publicação do documento que deflagrou o processo de distensão que pôs fim à ditadura militar nos anos 70, quanto do seu autor Goffredo da Silva Telles Junior. Organizou também um livro de depoimentos sobre San Tiago Dantas, e outro, interessantíssimo, que analisa o conteúdo jurídico da obra de Machado de Assis: Doutor Machado – O Direito na vida e na obra de Machado de Assis.
Corintiano, 43 anos de idade, Cássio Schubsky fala nessa entrevista à Consultor Jurídico sobre sua obra e também sobre a evolução histórica do Judiciário. E desfaz outro mito: se há descrença no país com a Justiça e se o Judiciário é lento para cumprir sua missão, não é por falta de insistir: juízes, promotores e advogados chegaram à terra de Pindorama quase ao mesmo tempo dos descobridores.
Leia a entrevista
ConJur — Qual a representação histórica do juiz no Brasil?
Cássio Schubsky — Os juízes existem desde sempre e sempre tiveram muito poder político. O aspecto interessante é que o procurador, o promotor de justiça, o próprio juiz têm origem fidalga. Eram nomeados pelo rei, seus asseclas. Com o desenrolar da história, depois da Colônia, do Império, sobretudo com a República e principalmente com a Constituição de 1988, todos os operadores se transformaram efetivamente em servidores públicos. Isso implica uma mudança de mentalidade enorme. Hoje, todos sabem que o temor reverencial que o juiz inspira tem que se circunscrever ao âmbito do processo. Fora disso, o juiz é um cidadão. No âmbito da sua atividade judiciária, ele é um servidor público. Ele tem direitos, prerrogativas, mas também tem obrigações. Antigamente o que existia era desmando. Quem era soberano? Não era o povo, era o rei. O operador do Direito devia satisfações ao rei. Hoje, deve satisfações ao povo brasileiro, este sim soberano. Essa mudança vem se construindo não apenas no âmbito do Judiciário.
ConJur — Essa questão das origens nobres é muito forte no Judiciário?
Cássio Schubsky — É muito forte ainda. A própria ritualística judicial, que é um resquício daquela época, tem que evoluir. Os hábitos evoluem e o Judiciário tem que evoluir junto. O temor reverencial é uma circunstância necessária no âmbito do processo. O juiz tem que inspirar esse temor, porque é uma autoridade, investida de poder, mas sem exageros. Esse poder não transforma o juiz no dono da verdade. Mas já há muita evolução. Eu tenho convivido com juízes para escrever o livro sobre a história da Apamagis [Associação Paulista dos Magistrados]. O presidente, Calandra [Henrique Nelson Calandra] ou o presidente anterior, Sebastião Amorim, inspiram respeito pelas pessoas que são, mas não exercem um convívio incomum, uma atitude opressiva. Pelo contrário, eles têm bastante consciência do papel de cidadãos que têm de exercer.
ConJur — Até que ponto a linguagem do Direito, o chamado juridiquês, é um anacronismo ou uma necessidade de precisão?
Cássio Schubsky — É uma maneira de criar distância, o temor reverencial. Isso não é só no juridiquês. No economiquês, no tucanês também. Tudo isso serve para as pessoas se postarem numa posição de soberba, de poder. Esse é o lado ruim. Outro lado é o técnico. No âmbito do processo, ele é necessário. O jargão é uma necessidade de um público especializado. O Machado de Assis usava muito o juridiquês em seus livros.
ConJur — O senhor escreveu um livro sobre o escritor, não é?
Cássio Schubsky — Sim, O Direito na vida e na obra de Machado de Assis. Machado usa e abusa da linguagem jurídica. Até na poesia. Há uma infinidade de personagens jurídicos na obra de Machado. De nove romances que analisei nessa obra, seis têm protagonistas bacharéis em Direito, a começar pelo Bentinho, do Dom Casmurro. A maioria era formada na Faculdade do Largo São Francisco e alguns poucos na Faculdade de Direito de Recife. Ao pesquisar para escrever sobre ele, a primeira surpresa foi descobrir que era um advogado público. Ele escrevia pareceres jurídicos e elaborava projetos de lei para o Ministério da Agricultura, da Viação. Não havia o cargo de advogado público na época, mas, na prática, ele era isso. Era um rábula, não tinha formação jurídica. Aliás, Machado de Assis não tinha formação nenhuma, mal foi à escola. Era 100% autodidata. Os primeiros 15 anos de sua vida são obscuros. Até onde se sabe, nem neste período ele frequentou a escola formalmente. Era um gênio, um self made man.
ConJur
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