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Estilo feminino de cozinhar

Por:   •  16/9/2017  •  Resenha  •  1.218 Palavras (5 Páginas)  •  406 Visualizações

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FACULDADE SENAC PERNAMBUCO

DÓRIA, Carlos Alberto. Formação da culinária brasileira – escritos sobre a cozinha inzoneira. 1. ed. São Paulo: Editora Três Estrelas, 2014.

          O livro, Formação da culinária brasileira – escritos sobre a sociedade inzoneira, de Carlos Alberto Dória, traz uma análise dos dados históricos sobre a formação da culinária brasileira, onde a miscigenação culinária iguala as contribuições de índios, negros e brancos.

          No capítulo, O estilo feminino de cozinhar, Dória busca identificar traços de qualquer tipo que aponte a especificidade de uma sensibilidade gastronômica feminina, em oposição a uma norma masculina para trabalhos culinários. Trata, ainda, da perda do controle da cozinha pela mulher na fase de urbanização e industrialização vigorosa. E sugere, por fim, a adoção de uma etnografia dos gestos culinários para recuperar a dimensão cultural do feminino na cozinha.

          Empiricamente se sabe que a “mulher na cozinha” é uma categoria diferente da de “homem na cozinha” e, por trás dessa diferença, operam níveis mais profundos da cultura. A divisão sexual/ social do trabalho varia conforme as culturas e as épocas, que reordenam as hierarquias de gênero. Um momento crucial na história da humanidade foi aquele no qual se estabeleceu uma divisão sexual do trabalho. O ato de comer aparece ligado ao amor materno, e recusar a comida é o mesmo que recusar essa modalidade fundante de afeto, um ato que exprime grande emoção. A culinária é tomada como exercício retórico para podermos nos perguntar sobre uma sensibilidade especificamente feminina, expressa no texto, nas intenções de cozinhar, no modo de fazer de um prato. Ainda hoje, expressões como ”cozinhar com amor” costumam ser associadas à figura feminina, como se a maternidade também se objetivasse de modo específico na autoria material do alimento. Os saberes culinários evoluíram como herança que se transmite matrilinearmente, ate toparem com a sociedade industrial. A divisão do trabalho primordial em torno do cozinhar sofreu uma reversão. Isso, provavelmente, começou a se dar quando os ofícios passaram a ser organizados e delimitados, e então houve um avanço do trabalho masculino sobre o que, antes, era afazer exclusivo feminino.

            A literatura culinária masculina liberta a cozinha das amarras da nobiliarquia dos castelos, tirando do anonimato seus autores e apresentando a cozinha como um verdadeiro sistema. Mais do que o simples cozinhar, que é um oficio doméstico, é a alta cozinha que se masculiniza na história da gastronomia, o que se deu foi apenas uma nova divisão do trabalho. Algo se perdeu nesse processo e certamente esse algo foi a clareza da distribuição das técnicas de uso do corpo entre os sexos, e não apenas a divisão do trabalho entre eles. É possível especular sobre a linha divisória capaz de expressar diferenças entre gestos masculinos e femininos nos frutos do trabalho culinário. É verdade que o saber feminino ainda é celebrado numa vasta literatura culinária, mas não se pode dizer que a cozinha continue um universo fechado sobre feminilidade.

          O corpo, por sua vez, é tradicionalmente o principal instrumento do fazer culinário. As novas ferramentas elétricas economizam gestos ou confere maior precisão, mas o empenho físico com destreza é o primeiro responsável pelos resultados alcançados e o desenvolvimento tecnológico toma a cozinha tradicional como o primeiro modelo. A culinária é um terreno onde muito frequentemente as técnicas do corpo se combinam com o uso de múltiplas ferramentas, resultando em algo bastante complexo.

          Em outras palavras, as técnicas femininas se transferem para um universo masculino. Hoje, o estilo culinário está centrado na figura do chef, que é invariavelmente, masculina. O trabalho de cozinha é coisa árdua, não é para mulheres e nisso pode-se ainda haver outros tipos de preconceitos fortes e ativos. A cozinha feminina é a cozinha das idiossincrasias, das especificidades, pois se cozinha “para o outro”. A cozinha das mães e avós é de valor singular incontestável. Porém, hoje reconhecemos esses gestos culinários domésticos como estritamente “femininos”. A cozinha feminina não gera a gastronomia, no sentido usual do termo, mas fornece as bases para julgarmos o trabalho masculino dos restaurantes. Assim, “fazer para o outro” é uma doação feminina que permanece desde os tempos primórdios e é essa sensibilidade gastronômica que difere o estilo feminino de cozinhar.

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