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Liberdade Profissional E Prostituição

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Por:   •  6/11/2013  •  3.293 Palavras (14 Páginas)  •  623 Visualizações

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Liberdade Profissional e Prostituição

por George Marmelstein Lima

Na semana passada, estive em Recife participando de um evento de direito comparado Brasil-Alemanha. Na ocasião, tive a oportunidade de conhecer o ministro aposentado Rafael Mayer, do Supremo Tribunal Federal. Por pura coincidência, no mesmo dia em que o conheci, como não pude ministrar aula por estar em Recife, deixei um trabalho para os alunos da disciplina Direitos Fundamentais em que eles tinham que discutir um caso julgado pelo STF em 1981, onde o ministro Rafael Mayer proferiu um voto primoroso. Tive ocasião de falar com ele sobre isso.

O caso envolvia a liberdade de locomoção e de profissão de duas mulheres que praticavam o chamado “trottoir”. Eis como apresentei o caso para os alunos:

Estudo de Caso – Liberdade Profissional – “Trottoir”

Os Fatos

Os fatos aqui narrados, inclusive os nomes das personagens e os argumentos apresentados, são reais e foram extraídos do RHC 58.974/SP, julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 29 de setembro de 1981. Os argumentos foram elaborados a partir dos votos apresentados pelos ministros, com alguns acréscimos. Atualizei as fontes normativas, para se adequar ao regime da Constituição de 1988.

Clarisse da Mata e Sonia Maria de Souza são mulheres adultas, com mais de vinte anos, e ganham a vida se prostituindo nas ruas da cidade, praticando o chamado “trottoir”. Em suas atividades, Clarisse e Sonia vestem-se com roupas ousadas e decotadas, e oferecem-se sexualmente ao público masculino pela madrugada afora, em frente a boates ou as ruas notoriamente conhecidas como palco de prostituição. Quando há clientes interessados, o serviço sexual é praticado em um pequeno quarto no apartamento onde moram.

Com freqüência, Clarisse e Sonia são abordadas por autoridades policiais, que dificultam o exercício daquela atividade, ameaçando prendê-las caso continuem a se oferecerem publicamente. Já chegaram ficar detidas por várias horas na viatura policial e, em algumas ocasiões, foram forçadas a dormir na delegacia, somente sendo liberadas pela manhã.

Em razão disso, as duas mulheres impetraram “habeas corpus” preventivo, com o intuito de obter, na via judicial, um “salvo conduto”* capaz de assegurar-lhes o direito de se prostituírem livremente, sem as constantes ameaças de violências praticadas pela polícia.

* O salvo-conduto é uma ordem emitida pelo Poder Judiciário em caso de habeas corpus preventivo para que uma pessoa que se encontre ameaçada no seu direito de ir e vir não venha a ser presa ilegalmente. É o que estabelece o artigo 660, §4º, do Código de Processo Penal: “Se a ordem de habeas corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz”.

Argumentos a Favor da Concessão do Habeas Corpus

No Brasil, a prática da prostituição não constitui um fato penalmente punível. Assim, a atividade exercida por Clarisse e Sonia configura uma conduta lícita, por mais que seja malvista pela sociedade. Age ilicitamente quem incita ou se favorece da prostituição alheia, caso do rufianismo, mas não quem presta diretamente os serviços de ordem sexual. Em outras palavras: crime é explorar as pessoas que se prostituem, mas não a prostituição em si.

Trata-se, inclusive, de uma profissão descrita na Classificação Brasileira de Ocupações, no Ministério do Trabalho. No portal eletrônico do governo federal consta a seguinte descrição da atividade:

“Títulos – 5198-05 – Profissional do sexo – Garota de programa, Garoto de programa, Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da vida, Prostituta, Trabalhador do sexo

Descrição Sumária – Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes ;participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão.

Formação e experiência – Para o exercício profissional requer-se que os trabalhadores participem de oficinas sobre sexo seguro, o acesso à profissão é restrito aos maiores de dezoito anos; a escolaridade média está na faixa de quarta a sétima séries do ensino fundamental.

Condições gerais de exercício – Trabalham por conta própria,em locais diversos e horários irregulares. No exercício de algumas das atividades podem estar expostos à intempéries e a discriminação social. Há ainda riscos de contágios de dst, e maus-tratos, violência de rua e morte”.

A Constituição Federal e os tratados internacionais ratificados pelo Brasil garantem o direito fundamental à liberdade de profissão, de modo que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (art. 5º, inc. XIII, da CF/88). Sabe-se que os direitos fundamentais possuem aplicação imediata; logo, não precisam de regulamentação legal para serem exercidos de plano. Assim, na ausência de lei federal regulamentadora, a liberdade profissional é ampla, de modo que qualquer pessoa tem o direito de escolher a atividade profissional e econômica que deseja desempenhar, de acordo com seu próprio entendimento, conveniência, vocação e habilidade. A prostituição é uma atividade como outra qualquer. Logo, se não há lei proibindo expressamente essa atividade, não é preciso que uma lei seja aprovada para “legalizar” ou permitir o exercício dessa atividade. O que é proibido é a exploração da prostituição e não a prostituição em si. Desse modo, não cabe ao estado interferir na liberdade profissional das mulheres que escolhem exercer a prostituição. Se o estado deseja interferir no exercício profissional, sua atuação somente será legítima para garantir o máximo de respeito às prostitutas e não para prejudicar a prática da atividade.

Mesmo assim, é fato notório que a polícia reprime a prostituição mediante a detenção sistemática de mulheres que praticam essa atividade ou até mesmo mediante a adoção de medidas mais violentas contra as prostitutas.

Não se pode negar à autoridade policial a faculdade de subordinar o exercício de qualquer profissão, inclusive a prostituição, a condições de tempo e lugar, desde que com base em lei. Não se pode questionar que faz parte das atribuições do poder público realizar o poder de polícia a fim de impedir a prática de atividades que possam colocar em risco a segurança pública.

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