O "Ser" E O "Ter" Na Sociedade Contemporânea Marcada Pelo Consumo E Vazio Existencial; A Efemeridade Das Relações Humanas E Estilo De Vida Na pós-modernidade.
Artigos Científicos: O "Ser" E O "Ter" Na Sociedade Contemporânea Marcada Pelo Consumo E Vazio Existencial; A Efemeridade Das Relações Humanas E Estilo De Vida Na pós-modernidade.. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: NilzaMartins2014 • 26/4/2014 • 4.259 Palavras (18 Páginas) • 1.893 Visualizações
O “Ser” e o “Ter” na sociedade contemporânea marcada pelo consumo e vazio existencial; a efemeridade das relações humanas e estilo de vida na pós-modernidade.
NILZA MARTINS
Este artigo propõe uma reflexão sobre diagnóstico apresentado por Erich Fromm e por Zygmunt Bauman acerca da condição humana na era da informatização. Isto, considerando que o avanço tecnológico cada vez mais altera o ritmo dos processos vitais de nossa atual ordem social. Ressalto a contínua alienação das qualidades intrínsecas impostas pela sociedade de consumo e pelo efeito nocivo gerado pela moda na subjetividade individual, submetida, em geral, às regras da necessidade de aceitação social na vida coletiva. Erich Fromm pensa a história da sociedade ocidental mediante o conflito entre “Ser” e “Ter”, ou seja, entre o princípio de qualidade existencial e o princípio quantitativo que norteia o desejo humano por riqueza e controle total sobre as condições materiais de sua existência. Bauman, por sua vez, desenvolve o conceito de “liquidez humana”, situação que se manifesta, indubitavelmente, nos diversos âmbitos de nosso fracassado projeto civilizatório, em decorrência da transformação do ser humano, singular, em objeto de consumo. Nessa direção as próprias relações interpessoais cotidianas se tornam descartáveis e o medo se transforma num ingrediente importante para a manutenção da indústria do consumo.
Palavras-Chave: transitoriedade, pluralidade, consumo, singularidade, individualidade, mídia, relações humanas.
Segundo Erich Fromm poderíamos talvez considerar a história da humanidade como o embate simbólico entre o “Ser” e o “Ter”, dois verbos que, apesar da proximidade fonética, evidenciam, entretanto, um enorme distanciamento valorativo. Podemos compreender pela disposição “Ser” uma abertura qualitativa em relação ao real em favor da compreensão da diferença e da singularidade de cada pessoa. Nesse estado onde há o predomínio do “Ser” existe, então, a respeitabilidade e a abertura amorosa diante da pluralidade de indivíduos e da própria natureza circundante. Para Fromm (2000, p. 35) “se eu amo o outro, sinto-me um só com ele, mas com ele como ele é, e não na medida em que preciso dele como objeto para meu uso”. A disposição “Ter”, por sua vez, representa a avidez humana pela posse material; o desejo de usufruir ao máximo uma dada coisa, para então se trocá-la por outra mais atrativa; até mesmo os seres humanos são inseridos nessa dinâmica cruel, que, na sociedade do vazio existencial, transforma a pessoa, absolutamente singular, numa coisa destinada ao consumo simbólico. Conforme destacado por Erich Fromm (1987, p. 43), no modo “Ter” da existência
o relacionamento do eu com o mundo é de pertença e posse, em que quero que tudo e todos, inclusive eu mesmo, sejam minha propriedade.
O modo “Ter” de compreender a vida cotidiana e de se relacionar socialmente não favorece o desenvolvimento de uma percepção global sobre a realidade ao redor, tornando o partidário de tal perspectiva valorativa uma ilha isolada entre quatro paredes, empobrecida existencialmente, pois incapaz de afirmar a interatividade para com o “próximo”. Em nossa sociedade tecnocrática, “Ter” se tornou uma disposição hegemônica, comandando as nossas ações e valores através do postulado de que uma pessoa pode ser avaliada por aquilo que ela possui e não por aquilo que ela “é”, isto é, por suas qualidades singulares. Nessa dinâmica de dissolução da dignidade humana, “a pessoa não se preocupa com sua vida e felicidade, mas em tornar-se vendável”, diz Erich Fromm (1983 p. 72). Dessa maneira, as relações pessoais adquirem o estatuto de bens negociáveis, onde para tudo há um preço.
Aplicada no âmbito profissional, a disposição “Ter” se caracteriza pelo desejo de se obter sucesso em detrimento dos demais, onde todos os meios empregados para a ascensão na empresa são legitimados. O resultado imediato dessa disposição é a falta de companheirismo e lealdade entre os colegas, pois cada um se torna um potencial inimigo do outro. Essa atmosfera de desconfiança, mascarada pela aura espetacular de sucesso profissional, fatalmente envenena existencialmente todos aqueles que se encontram inseridos nesse círculo vicioso.
Já no âmbito das práticas mercadológicas, o ato de se adquirir objetos se torna uma válvula de escape para as tensões cotidianas. Consumir compulsivamente relaxa o ânimo humano, satisfazendo por breves espaços de tempo os quantitativos desejos vulcânicos. Quem não se submete a esta moral do consumo corre o risco de ser menosprezado, gerando assim no indivíduo o anseio de consumir para poder adquirir o passaporte da sociedade bem-sucedida. Consumir se torna um fim em si mesmo, e não um meio do ser humano alcançar uma satisfação pessoal mediante o usufruto da coisa conquistada. Mediante tal questão, é importante destacarmos que Erich Fromm não coloca em questão o valor do consumo, que é uma necessidade vital do ser humano. A situação problemática ocorre quando o consumo se torna consumismo, prática decorrente do vazio existencial do ser humano que, para fugir de sua própria fragmentação pessoal, entorpece o seu psiquismo com o ato de obter bens materiais.
A disposição “Ter” faz com que o indivíduo acredite que o gozo pessoal e a possibilidade de se alcançar o estado de felicidade se encontram atreladas, intrinsecamente, aos bens externos, adquiridos avidamente nas suas compras. Segundo essa configuração distorcida, quanto maior o volume das compras, maior o índice de bem-estar que será experimentado. Para Fromm, em
síntese, consumir é uma forma de ter, e, talvez, a mais importante da atual sociedade abastada industrial. Consumir apresenta qualidades ambíguas: alivia ansiedades, porque o que se tem não pode ser tirado; mas exige que se consuma cada vez mais, pois o consumo anterior logo perde a sua característica de satisfazer. Os consumidores modernos podem identificar-se pela fórmula: “Eu sou igual o que tenho e o que consumo” (FROMM, 1987, p. 45).
A sociedade de consumo privilegia o modo “Ter” no decorrer de sua vivência cotidiana pelo fato de que tal opção serve de mecanismo de narcose simbólica do individuo perante a sua própria interioridade. A pessoa imersa no modo “Ter” projeta a oportunidade de conquistar lampejos de bem-estar através do consumo de gêneros descartáveis, acreditando piamente que a felicidade pode ser adquirida mediante a adequação pessoal a critérios mercadológicos e aos estímulos viciosos
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