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Possível (i) retornar a "Criminologia e Psicanálise": a visão de Jacques Lacan

Seminário: Possível (i) retornar a "Criminologia e Psicanálise": a visão de Jacques Lacan. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicos

Por:   •  1/10/2014  •  Seminário  •  6.395 Palavras (26 Páginas)  •  337 Visualizações

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Um retorno (im)possível à “Criminologia e Psicanálise”: a visão de Jacques Lacan

Lélio Braga Calhau

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6157

“Não seria a busca da verdade o que constitui o objeto da criminologia na ordem das coisas judiciárias, e também o que unifica suas duas faces: a verdade do crime em sua face policial, a verdade do criminoso em sua face antropológica”? Jacques Lacan

1. Notas Introdutórias[1]

É curioso como diversos psicanalistas como Jacques Lacan, Maud Mannoni[2], entre outros nomes, em algum momento de seus trabalhos conectaram de alguma forma a Psicanálise com o crime ou com a própria Criminologia[3]. O próprio Freud, criados da Psicanálise, em alguns momentos de seus estudos, também discorreu sobre o crime.

Psicanálise e Criminologia sempre se encontraram. O crime, a loucura, a responsabilidade criminal, o poder agir de outro modo, os traumas, a psicose, parricídio, crimes de amor, a culpa, invariavelmente conectam (ou tentam) o saber criminológico e o saber psicanalítico. Nascidas em um período histórico próximo, a Psicanálise e a Criminologia cresceram cada uma a seu tempo e de seu modo. Paralelamente, houve o florescimento dos outros ramos do saber, sendo que foi em Lacan que essa conexão com outras áreas do conhecimento foi concretizada.

Psicanálise e Criminologia são ciências, para os que defendem esta visão, que surgiram em uma época muito recente e próxima no final do século XIX. Cesare Lombroso[4] publicou “O homem delinqüente” em 1876[5]; Freud publicou o livro “A interpretação dos sonhos” em 1900. Ambas as teorias tiveram uma forte influência do pensamento do final do século XIX, e se desenvolveram com grande velocidade nas primeiras décadas do século XX, a Criminologia com a influência pragmática do pensamento norte-americano, utilitarista, e a Psicanálise com o sopro revitalizador do pensamento lacaniano a partir da década de 1940.

2. Freud e o sentimento de culpa dos criminosos.

Obras conhecidas do grande público sempre recorrem ao sentimento de culpa e angústia de criminosos, sendo, coincidência ou não, que três das obras mais conhecidas da literatura mundial, “Édipo Rei”, de Sófocles; Hamlet, de William Shakespeare e “Os Irmãos Karamazov”, de Dostoievski, tratam do crime de parricídio (quando o filho mata o próprio pai).

Encontramos o sentimento de culpa presente na Bíblia. Impossível não se lembrar da passagem onde Judas Iscariotes se enforca[6] banhado no remorso por ter traído Jesus Cristo o qual traiu, foi condenado embora sendo inocente das acusações.

Sempre foi explorada na literatura a história pessoal de criminosos atormentados pelo sentimento de culpa. Para muitos dos autores seus personagens só tinham o crime e a necessidade de se entregar para a autoridade policial como forma de se diminuir ou aliviar a companhia do sentimento de culpa. Ser preso era, nessa visão, um alívio emocional para aqueles que tinham no sentimento de culpa uma companhia terrível decorrente da prática de um crime.[7]

Sigmund Freud vai mais longe e defende a posição que, em alguns casos, o sentimento de culpa emerge dos conflitos mal resolvidos oriundos do Complexo de Édipo.[8] Para Freud o sentimento de culpa é anterior á prática do crime, é ele que leva o sujeito á prática do crime e não decorre do crime, é anterior a ele.

Nesse sentido diz Freud:

“Por mais paradoxal que isso possa parecer, devo sustentar que o sentimento de culpa se encontrava presente antes da ação má, não tendo surgido a partir dela, mas inversamente – a iniqüidade decorreu do sentimento de culpa. Essas pessoas podem ser apropriadamente descritas como criminosas em conseqüência do sentimento de culpa. A preexistência do sentimento de culpa fora, naturalmente, demonstrada por todo um conjunto de outras manifestações e efeitos”.[9]

Vê-se, então, que a maneira que o sujeito atravessa o seu Complexo de Édipo[10] pode, em alguns casos, levá-lo a não superar de forma esperada esse conflito pessoal e permitirá o desenvolvimento de um sentimento de culpa, o qual na fase adulta poderá levá-lo a cometer crimes.

Segundo Freud:

“O resultado invariável do trabalho analítico era demonstrar que esse obscuro sentimento de culpa provinha do Complexo de Édipo e constituía uma reação às duas grandes intenções criminosas de matar o pai e ter relações sexuais com a mãe. Em comparação com esses dois, os crimes perpetrados com o propósito de fixar o sentimento de culpa em alguma coisa vinham como um alívio para os sofredores. Nesse sentido, devemos lembrar que o parricídio e o incesto com a mãe são os dois grandes crimes humanos, os únicos que, como tais, são perseguidos e execrados nas comunidades primitivas. Também devemos lembrar como outras investigações nos aproximaram da hipótese segundo a qual a consciência da humanidade, que agora aparece como uma força mental herdada, foi adquirida em relação ao Complexo de Édipo.” [11]

Essa abordagem coloca em xeque a forma como o criminoso é julgado muitas vezes pela Justiça Criminal, ficando bem visível que o Tribunal do Júri atende, em muitos casos, mais à necessidade do Sistema da Justiça Criminal[12] de se autoperpetuar com suas “verdades sabidas” do que descobrir verdadeiramente se o réu é culpado ou inocente.

As discussões que visam identificar se o sentimento de culpa do criminoso antecede ou não ao crime são essenciais para se procurar entender todos os ângulos do fato criminal. Todavia, é a argumentação que prevalece nas dramatizações teatrais dos tribunais do júri por parte dos que se julgam “príncipes do júri”, representantes da acusação e da defesa.

A Justiça deveria procurar entender o porquê do crime e não apenas absolver ou condenar sem entender o que moveu o sujeito a agir dessa forma. O papel do Poder Judiciário e do próprio Tribunal do Júri como “pacificadores sociais”, em verdade, não é atingido, porque prevalece a argumentação de seus atores sobre a profundidade do fato criminal e a complexa subjetividade de seus evolvidos (réus, vítimas e seus familiares).

3. O sentimento de culpa no Tribunal do Júri.

Uma das instituições mais controversas do Direito é o Tribunal do Júri[13]. Defendida por muitos e julgada ultrapassada por um outro tanto, sobrevive o tribunal do júri como um “trunfo da democracia” em vários ordenamentos jurídicos. O júri parte da premissa

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