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Por:   •  23/3/2015  •  2.572 Palavras (11 Páginas)  •  242 Visualizações

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Drauzio Varella era um renomado médico quando do momento da publicação do livro Estação Carandiru. Dez anos antes de publicar o livro, Drauzio iniciava um trabalho voluntário dedicado à prevenção da AIDS no maior presídio do país - um dos espaços mais propícios para a proliferação da doença. Fruto desta experiência no presídio localizado no bairro paulista de mesmo nome, o livro Estação Carandiru fez de Drauzio Varella, digamos, um grande antropólogo. Sua obra, escrita de maneira romanceada, trata, contudo, de uma realidade nua e crua, baseada na convivência do médico com presidiários e funcionários, envolvidos em um rotina peculiar e, algumas vezes, chocante.

Trata-se, assim, de mais do que um relato de uma experiência profissional; Estação Carandiru permite-nos uma apreciação rigorosa do ethos social constituído pelas pessoas e regras do presídio. Com normas e moral próprias, criadas pelos próprios presos e adaptadas à estrutura social vigente, o Carandiru acabou por transformar-se, como Drauzio nos mostra, numa sociedade particular, com regras de conduta muito parecidas e um cotidiano muito diferente daqueles para além das portas do presídio. A vigilância, a privacidade, a lealdade, a sexualidade, são todos reconfigurados de acordo com uma realidade própria, onde mesmo aqueles que têm passagem rápida, aguardam julgamento ou resistem à adaptação, são obrigados a aderir. A comparação de Drauzio Varella, neste caso, entre homens e animais com o mesmo fim de manter a integridade da comunidade, me parece bastante pertinente. A razão para tal, reside no fato de que, em cativeiro, ´os presos não estão sujeitos à barbárie mas, pelo contrário, criam novas regras de comportamento`. (p.10). Nesse sentido, organizado de maneira diferente – como irei propor nesta resenha – a obra poderia ser uma obra puramente acadêmica, representando um tratado real de todas as relações sociais existentes dentro do espaço penitenciário, com características próprias sobre: a sexualidade dos presos (das visitas íntimas aos travestis); a questão médica puramente (das doenças ao suicídio); a relação de Drauzio com os presos (o respeito do sistema por um e outros); a segurança da cadeia (carcereiros e vigilância); as atividades da cadeia (esportes, trabalho); dentre outras questões, de grande importância, levantadas.

A descrição de cada um dos sete pavilhões, que formam o conjunto da Casa de Detenção, dá início ao livro, permitindo ao leitor a mais próxima imagem da vida no presídio, já de acordo com a sua estrutura física. Assim, o Pavilhão Dois abriga os presos recém-chegados e todos aqueles (cerca de 800) responsáveis por funções burocráticas. O Pavilhão Quatro recebe os presos com alguma debilidade física ou mental, uma enfermaria e, contraditoriamente, as melhores celas (individuais, destinadas aos presos com nível de escolaridade superior) e as piores delas (chamadas de “masmorra”), para onde vão os presos condenados à morte pelo próprios colegas. O Pavilhão Cinco, é o pior deles em estado de conservação, e conta tanto com as celas lotadas de presos quanto com um setor especial chamado de Isolada, para onde vão os presos que cometeram alguma contravenção interna (que cumprem um castigo de, em média, trinta dias). O Pavilhão Seis é o central; corresponde, além das celas para cerca de 300 presos (que incluem negros nigerianos envolvidos com o tráfico mas não considerados criminosos por seus companheiros), à parte administrativa, ao auditório, ao setor de esportes, à antiga cozinha. É no Pavilhão Sete que está a maior parte dos presos que trabalham na administração, dividido entre o andar da Faxina (presos responsáveis pela distribuição da comida e limpeza), do castigo, e das celas que abrigam de 3 a seis presos somente. O Pavilhão Oito tem cerca de 1700 presos e recebe, em geral, os presos reincidentes e, conforme dizem, sem meias-palavras; o que contrasta com sua condição também de sede das diversas religiões (umbanda, Assembléia de Deus, Universal ou Deus é Amor). Por último, o Pavilhão Nove, o mais lotado deles (com cerca de 2000 presos), é o que mais causou rebeliões, não só pelas características de seus presos, como também pelo fato de que lá, também vigoram as rígidas regras e hierarquia do Oito, sem que haja, segundo os presos, a organização daquele.

Tanto o Pavilhão Oito quanto o Nove correspondem ao mais expressivo exemplo do funcionamento do sistema social penitenciário. Naqueles pavilhões são mais rígidas as regras morais, de lá saem a maior parte dos presos condenados à Isolada por delitos internos, se organizam as rebeliões, e a unidade carcerária - a cela ou barraco – mais representa a hierarquia social existente. Por sua vez, no capítulo sobre a cela, Drauzio demonstra como a cela é a unidade funcional do sistema penitenciário, já que congrega a definição de status e poder de cada preso. Sendo assim, as celas do Nove e do Oito são as mais caras delas e nelas, só permanecem os que podem sustentar o aluguel exigido pelos primeiros e mais fortes ocupantes, ou ainda, criam ou recuperam laços de amizade com os mesmos, de forma que ali se mantenham por gratidão.

A ordem higiênica é fielmente mantida por cada um dos presos, que ao deixarem de cumprir quaisquer das normas de convivência, são levados à duras repreensões, feitas com pauladas e facadas pelos próprios colegas que, algumas vezes, podem levar o condenado à morte. Apesar das péssimas condições das celas e da superlotação comum à grande maioria delas, há a manutenção diária das condições de uso dos instrumentos oferecidos. Todas as celas têm vasos sanitários e um pequeno cano por onde chega água, conforme descreve Drauzio Varella. Todos os presos são, também pelos próprios companheiros, obrigados a manterem sua higiene pessoal diária, de forma que mantenha-se o ambiente mínimo para a sobrevivência e convivência. Nesse sentido, assim como as regras de higiene são cobradas pelos companheiros de cela, também a conduta em relação aos pertences pessoais é severa. Com isso, para os detentos, ‘preso que convive com outros presos tem que respeitar o espaço do outro’, delimitado por uma cortina na sua beliche de madeira, pela comida comprada nas barracas de presos ou trazida pelos familiares, ou pelos horários de dormir ou de vigilância estabelecidos na cela.

Por outro lado, Seu Lupércio, um dos presos citados por Drauzio, descreve uma outra realidade em relação à conduta dos colegas. (p.46). Diz ele que, antes (não descreve o quanto), as regras eram ainda mais severas, principalmente no que tange o respeito aos presidiários mais antigos. As normas, incorporadas pela tradição e costumes, eram fielmente cumpridas não por repressão, mas por respeito. Havia um senso comum, segundo

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