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SMITH PAROU

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Por:   •  4/6/2014  •  Projeto de pesquisa  •  1.651 Palavras (7 Páginas)  •  233 Visualizações

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INTRODUÇÃO: SMITH DESCANONIZADO

A mão invisível, expressão difundida a partir da obra de Adam Smith, certamente ocupa posição de destaque na história do pensamento econômico. Trata-se de uma metáfora consagrada na economia, ao mesmo tempo que se afigura fonte de interminável polêmica e controvérsia. Deste modo, parece valer a pena realizar um exame mais detido desta noção, segundo proposta que esclareceremos prontamente.

O estudo de um conceito e de um autor de mais de duzentos anos não é, por certo, empreendimento livre de dificuldades e armadilhas. A distância de seu contexto histórico e intelectual não é pequena, seus textos não são mais (via de regra) sistematicamente lidos na formação-padrão do economista atual; e, mais do que isso, há uma imagem recebida do mesmo cristalizada nos cânones da ciência que, mesmo não sendo rejeitável em bloco, certamente constitui obstáculo adicional na aproximação e entendimento das idéias originais do autor.

O conceito de cânon (Bianchi e Nunes, 2002), que pretendemos enfatizar nesta introdução, traz importantes idéias sobre o que buscamos aqui desenvolver. Basicamente, "cânon" pode ser entendido como padrão ou regra, ou ainda como lista ou catálogo. O conceito deixa transparecer importante carga religiosa ou mitológica, instância em que os autores canonizados desempenham o papel de heróis do passado, exemplos a serem imitados. No entanto, "[u]ma vez instituído, o cânon perde sua temporalidade. Em outras palavras, ele liga o presente ao passado de forma unilinear, essencialmente distorcida." (ibid p. 162). O autor canonizado fala diretamente ao presente, o que em si não é problema, posto que clássicos constituem fonte permanente de sabedoria.1 A questão é que o autor é descolado de seu tempo, sua voz é descontextualizada, quando não seu pensamento é enquadrado em esquemas teóricos contemporâneos estranhos ao autor original, porém familiares – e, portanto, facilitadores – ao economista moderno.

Reconhecido o problema, torna-se importante descanonizar a interpretação padrão, de modo a reconstituir a pluralidade de vozes presentes no discurso do passado e o ambiente em que foi proferido. Trata-se de enfatizar os escritos originais, para promover sua análise a partir do contexto histórico e intelectual em que foram gerados.

Ora, o conceito de cânon também sugere um problema correlato: o que é dito por um autor não corresponde, muitas vezes, à percepção ou interpretação de seus leitores, que é a versão cristalizada na sabedoria recebida. A percepção de Smith como advogado do egoísmo e da ganância, num contexto de laissez-faire estrito, bem como de portador de um otimismo panglossiano, certamente constitui uma caricatura grosseira (Fonseca, 1993; Sen, 1987), como fica evidente a qualquer um que se disponha a estudar sua obra com seriedade. No entanto, embora Smith jamais tenha defendido o egoísmo sem freios, ou mesmo acreditado na inevitabilidade de um final feliz para a humanidade, deve haver motivos para que esta visão tenha sido consagrada nos cânones da economia. A chave da questão pode estar, da mesma forma, no entendimento do contexto histórico e intelectual no qual Smith escreveu, tendo sua mensagem sido "apropriada" por divulgadores e panfletários da maneira que julgassem mais conveniente, segundo interesses da época por eles esposados.

A popularidade da Riqueza das Nações (daqui por diante, WN) foi imensa já de imediato, tendo sido objeto de diversas edições e traduções em várias línguas. Independentemente de polêmicas infindáveis sobre a paternidade da economia política como um todo, ou mesmo sobre a paternidade desta ou daquela idéia particular, é inegável que a obra conferiu ao saber econômico status acadêmico, sistematicidade e abrangência inéditas, além de ter despertado o interesse tanto de homens práticos como daqueles mais interessados em questões de teoria abstrata. (Cardoso, 2002). Trata-se, de fato, de obra que lança um paradigma, no sentido kuhniano de uma realização exemplar, posto que todos os economistas importantes posteriores a ela se referem e a tomam como ponto de partida. (Brown, 1994; Cerqueira, 2003; Ganem 2000; Nunes, 1995). Assim, não surpreende que a WNtenha recebido diversas leituras distintas, o que exprime a própria vocação de um texto clássico.

Por conta disso, a obra de Smith tem sofrido profundo processo de reavaliação e reinterpretação, em especial desde as comemorações do bicentenário da WN. É justamente o esforço de isolar a mensagem da obra mediante a contextualização e a leitura cuidadosa do original que pretendemos realizar neste texto, em torno particularmente da idéia de mão invisível, tão cara ao pensamento smithiano, tão impactante e, ao mesmo tempo, tão polêmica dentro do pensamento econômico e social posterior.

Para cumprir esse objetivo, cabe primeiramente retomar alguns elementos importantes do pensamento de Smith. Começaremos por discorrer (muito) brevemente sobre seus "fundamentos comportamentais", expostos principalmente em sua obra A Teoria dos Sentimentos Morais (daqui por diante, TMS), publicada pela primeira vez em 1759. Este aspecto de seu pensamento tende a ser relativamente negligenciado, apesar de ser crucial para um entendimento mais abalizado da dinâmica por trás da figura da mão invisível. Disposto este pano de fundo, procederemos ao núcleo do artigo, que consiste na análise textual das três ocorrências da expressão "mão invisível" na obra smithiana. Cada uma dessas ocorrências suscita questões e problemas distintos, que serão analisados pari passu. Como preparação para esta discussão, abordaremos a questão de uma economia mercantil descentralizada. Após discutir cada caso da mão invisível, abordaremos o tema correlato das conseqüências não intencionais da ação humana. Na conclusão, a partir de uma breve discussão sobre os processos históricos e intelectuais subjacentes à constituição da economia como disciplina científica, pretendemos explorar, com relação à mão invisível, as noções de ordem natural e o papel das instituições, sobre o pano de fundo de um jogo entre otimismo e ceticismo no pensamento de Smith.

I. FUNDAMENTOS COMPORTAMENTAIS

i. A Formação dos Juízos Morais

É amplamente sabido que Adam Smith foi professor de filosofia moral, curso que abrangia desde teologia natural e ética propriamente dita até jurisprudência e economia política. (Raphael e Macfie, 1976). Posto que, para Smith, a economia

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