Violencia intrafamiliar
Por: mouravipe1120 • 13/4/2016 • Trabalho acadêmico • 6.664 Palavras (27 Páginas) • 473 Visualizações
Pesquisar sobre a violência contra crianças e adolescentes no âmbito doméstico exige a compreensão de alguns conceitos que são culturalmente ensinados, transmitidos às gerações como se fossem dogmas estáticos,imutáveis, como se fizessem parte da natureza humana, ignorando-se sua trajetória de construção, transformação, negando seu constante movimento. É o caso dos conceitos de família e de criança. Entender a família como uma instituição construída historicamente e em constante modificação, bem como compreender as diferentes posições ocupadas pela criança na história da humanidade, são essenciais para nossa discussão sobre a violência doméstica e em especial sobre a negligência.
Conforme observa, na aristocracia dos séculos XVI e XVII não havia separação entre o público e o privado, as famílias viviam nas ruas, nas festas, não se isolavam. 20 Não havia um sentimento de infância, nem tampouco a família estava organizada da forma como está hoje. A família não tinha as funções afetivas socializadora, mas se constituía visando à transmissão da vida, a conservação dos bens, a prática de um ofício, a ajuda mútua e a proteção da honra e da vida em caso de crise. A criança era considerada como um adulto em miniatura, que deveria ser treinada para tornar -se um bom cidadão. A infância não tinha nenhuma importância na vida real, era considerada apenas uma fase de transição para a vida adulta. A criança era cuidada de forma dispersa e difusa pela comunidade em geral, sendo pouco estreitos os vínculos afetivos maternos e/ou paternos. As relações entre pais e filhos não se caracterizavam pela intimidade ou por intensidade emocional. Tudo ocorria no movimento de uma vida coletiva e as famílias conjugais se diluíam nesse meio. Desde bem pequena a criança era inserida no mundo do trabalho e começava a ter algum valor social quando conseguia produzir. A indiferenciação entre o mundo adulto e o mundo infantil podia ser observada pelos trajes utilizados. Adultos e crianças vestiam - se da mesma maneira e isto pode ser observado nos desenhos e pinturas que retratavam a época. Eram altas as taxas de natalidade e mortalidade infantis, e perder um filho ou vários era natural e até mesmo esperado. O infanticídio era uma prática comum, conforme nos aponta Ariés (1978, p. 17), “era praticado em segredo, correntemente, talvez camuflado, sob a forma de um acidente: as crianças morriam asfixiadas naturalmente na cama dos pais, onde dormiam. Não se fazia nada para conservá-las ou para salvá-las”. Tal prática era justificada, entre outros motivos, pela necessidade de se esconderem os filhos ilegítimos ou frutos de gravidez indesejada. Apesar de condenado pela Igreja e Estado, o infanticídio foi uma prática tolerada até o final do século XVII, 21 uma vez que ocorria em segredo. As precárias condições de higiene e sanitárias também contribuíram para a morte maciça de crianças durante todo o período medieval. Outro dado importante diz respeito às etapas de crescimento e desenvolvimento infantis, estas eram ignoradas, inexistindo registro de nascimento, uma vez que era pouco significativa a idade real para identificar as pessoas. Até os jogos e brincadeiras e a sexualidade não eram diferenciados. Crianças e adultos participavam juntos das festas e jogos e acreditava -se que a criança fosse alheia à sexualidade, portanto os gestos e alusões feitas pelos adultos não tinham conseqüência sobre ela. A estrutura da escola era indiferente às idades. Eram agrupadas nas escolas crianças, jovens e adultos. Com os renascentistas – século XVI – a criança começou a ser vista como especial e com necessidades diferentes dos adultos, porém, as crianças pobres continuaram a fazer parte do mundo do trabalho. A partir do século XV e XVI a aprendizagem era transmitida de uma geração à outra de forma direta, e as crianças de 7 a 9 anos, de qualquer classe social, eram enviadas a casas alheias a fim de serem educadas. Nessas casas, elas aprendiam e desempenhavam todos os afazeres domésticos. Somente no século XVII é que se atribuiu à criança uma particularidade, começou-se a dar importância a sua alma e personalidade, uma conseqüência direta da cristianização dos costumes- denominado pelo autor de paparicação. À influência dos eclesiásticos, as crianças passaram a ser consideradas “anjos”, testemunhas da inocência batismal. Essa nova visão traz a necessidade de dar proteção especial às crianças, com o objetivo de protegê-las do mundo “perverso” dos adultos, e isso se daria através da educação moral. 22 Com essa grande reforma “moral e religiosa” a infância passou a ser concebida como período de inocência, fragilidade e debilidade. A criança deveria ser preservada de toda “sujeira da vida”. Como define o citado autor – começa a surgir o “sentimento de infância”3 A escola também sofre transformações e torna -se uma instituição complexa cuja função, além do ensino, era a vigilância e o enquadramento da juventude, separando o mundo da criança do mundo do adulto. Segundo Badinter (1985, p. 134), o internato de crianças passou a ser aceitável no final do século XVII, havendo diferenciação entre a educação para meninas e meninos e também a educação para burgueses e proletários. A família e a escola modificaram seu olhar sobre a infância, “arrancaram” a criança da sociedade adulta, da “liberdade” que tinha e a enclausuraram em colégios e lá ela passou a conhecer, principalmente, severos castigos. A atenção aos dizeres bíblicos, propagados pelo cristianismo, fazia da educação disciplinatória e punitiva uma prática aceita. Observava-se que “aquele que poupa a vara, quer mal ao seu filho, mas o que o ama, corrige -o continuamente” (Provérbios 13:24). Ao nível das idéias científicas veiculadas sobre a educação, o espancamento estava presente e era aceito, devendo ser associado à outra punição para atingir o objetivo educacional. Outros autores reforçam o pensamento de Áriés nesse sentido, dizendo que o conceito de infância veiculou uma idéia de subordinação e dependência. Sobre esse assunto citamos as idéias de Jonh Locke, analisadas por Guerra (2001, p. 58). Para ele a natureza infantil era diferente da do adulto por ser uma natureza menor, inferior. As crianças deviam ser moldadas conforme os desejos dos adultos. Os castigos físicos deviam ser aplicados imediatamente para evitar que as teimosias das crianças 3 GRIFO NOSSO. 23 progredissem, porém, estes castigos tinham que ser associados a um sentimento de vergonha e culpa. Para Locke, a criança precisava entender que o adulto não é só mais poderoso, mas que está sempre certo. Este período coincide com a transição do feudalismo para o capitalismo, e a burguesia nascente desejava que seus filhos fossem educados de forma a poderem enfrentar o poder da aristocracia. A família moderna, nuclear, que conhecemos hoje, composta por pai, mãe e filhos, conseguiu consolidar-se a partir do século XVIII, conforme apontam os estudos históricos, a partir da ascensão da burguesia, quando novos valores de vida privada e afetividade foram surgindo, havendo a passagem das funções socializadoras para o âmbito mais restrito do lar. A evolução do sentimento de família atingiu durante muito tempo apenas os nobres, burgueses, artesãos e os lavradores ricos, vindo posteriormente, estender-se às outras classes sociais. A família começa a organizar-se em torno da criança e a erguer um muro entre ela mesma e a sociedade – o muro da vida privada. Até este período, para muitas mulheres pobres, o filho era um estorvo, uma vez que era obrigada a trabalhar para se sustentar. Por isso, continuavam a entregar seus filhos para amas e na maioria das vezes, não voltavam para pegá-lo e quando essas crianças não morriam, eram abandonadas em asilos. Conforme Badinter (1985, p. 141), “no último terço do século XVIII, morreram antes de um ano de vida, mais de 90 % das crianças abandonadas no asilo Rouen, 84% em Paris e 50% em Marselha”. Nesse período, o Estado passou a interferir com maior intensidade e freqüência no espaço social, antes entregue à comunidade. Com o auxílio da medicina, a intervenção 24 abrange também as famílias, na busca da difusão da ideologia dominante, da valorização da infância, para diminuição da mortalidade infantil e moralização. A mortalidade infantil decorrente do abandono dos pais, passa a ser onerosa para o Estado, pois o valor econômico do ser humano passa a ter grande importância. Com o surgimento do sistema de produção capitalista, percebe-se uma crescente preocupação com a infância, iniciando um movimento para mudar o conceito de amor materno. À mãe, passa a ser requerido o cuidado com os filhos- amamentação e cuidado até a sua independência. Era preciso preservar os seres humanos que eram a riqueza deste Estado. Aos poucos o amor materno passa a fazer parte do discurso ideológico da época, sendo incutido no pensamento da sociedade. A partir do final do século XVIII, à luz do Émile de Rousseau, difundem-se argumentos que convocam as mães para sua atividade “instintiva”. Com a família voltada para a intimidade, a mãe assume uma importância que nunca havia tido, passa a ser o eixo da família, responsável por toda felicidade ou infelicidade de si própria, da família e do filho. Segundo Freud e Rousseau, a dedicação e o sacrifício caracterizavam a mulher dita “normal”. E impondo à mulher a obrigação de ser mãe, antes de tudo, que engendrará o mito do amor materno espontâneo e intrínseco às mulheres. Rousseau também define o perfil da mulher ideal, em oposição ao perfil do homem. O homem passa a ser descrito como ativo, forte corajoso e inteligente. Já a mulher, passa a ser vista como um complemento do homem, essencialmente relativa. A maternidade será então um atributo tão essencial ao ser feminino quanto a conjugabilidade. Conforme Rousseau apud Badinter (1985, p. 245), “A mulher deve limitar-se ao governo doméstico, não imiscuir no que ocorre fora, manter-se fechada em casa” 25 Essa mudança de mentalidade trouxe conseqüências, pois ao mesmo tempo em que muitas mulheres sentiram orgulho e alegria na maternidade, outras, que talvez não sentissem essa vontade, se sentiram culpadas, frustradas e obrigadas a “ser mães”. A evolução do conceito de infância e de família é também acompanhada pela evolução do conceito de classe. A família operária manteve por algum tempo a tradição dos laços comunitários, sem isolar-se na intimidade do lar e isso se deveu às próprias condições adversas de vida dessa população.A criação dos filhos mantinha este caráter coletivo. Assim, os núcleos familiares se misturavam e buscava-se na ajuda mútua. Conforme nos aponta José Filho (1998, p. 35) o primeiro estágio da família proletária/ operária foi caracterizado por formas comunitárias de dependência e apoio mútuo, os filhos eram criados de uma maneira informal, sem que fossem objeto de especial atenção por parte dos pais. Trata-se da primeira fase da industrialização e mulheres e crianças também trabalhavam e eram longas as jornadas de trabalho. No segundo estágio, aparecem setores mais qualificados da classe operária e filantropos burgueses preocupados com as condições de vida de seus empregados. Assim, nessa fase, a mulher teve uma redução na jornada de trabalho, passando a ficar mais tempo em casa cuidando dos filhos, garantindo,dessa forma, o trabalho para os homens. O terceiro estágio ocorreu no século XX com a mudança da família operária para os subúrbios, ocasionando um isolamento da mulher no lar e conseqüente rompimento dos vínculos com a comunidade. O homem passa a valorizar a domesticidade e a privacidade. A mulher passa a ser incentivada no papel de mãe, abrangendo o sentido de educação dos filhos e de esteio para que o marido possa enfrentar seu trabalho fora de casa. A mulher também deveria educar-se para desempenhar melhor suas novas funções. 26 Os papéis sexuais nas camadas populacionais excluídas exibiam múltiplas faces. Homens e mulheres haveriam de se adequar às normas disciplinares do espaço e do tempo do trabalho, transpondo–os para os outros níveis de suas vidas. A mulher era peça importante nesse sistema pois contribuía com o trabalho doméstico não remunerado, sendo à base de sustentação para o trabalho masculino e para a família. A família era o espaço do fortalecimento da ideologia dominante e toda exceção à essa regra era considerada anormal. A exclusão das famílias das classes subalternas se acentuava e as ações sociais dirigidas a elas tinham ênfase no controle, ao invés da educação, pois se acreditava que faziam parte de uma raça biologicamente inferior, não havendo possibilidade de modificar o que estava geneticamente determinado. Poster apud Soares (2001, p. 66) afirma que nas últimas décadas do século XIX houve um movimento da burguesia com o objetivo de moralizar e higienizar as classes operárias, propondo a limitação de horas de trabalho às mulheres e crianças para que tivessem um ambiente familiar mais “adequado”, ou seja, espelhado no modelo familiar burguês, além de relacionar-se com a questão da inserção da força de trabalho feminino no mercado. A mulher permanecendo em casa não ameaçaria o emprego dos homens. A função do homem era a de prover economicamente pela família, através de seu trabalho; constituía-se então na autoridade maior. Da mulher esperava-se uma atuação restrita à casa, e a responsabilidade total de sua manutenção. Sua atenção estava voltada para o marido e os filhos. Estes últimos no mundo familiar burguês, adquiriram importância única. A relação afetiva se dava entre mãe e filho, havendo uma relação distanciada deste com o pai. Para Ariés, essa nova condição resultou num conceito tirânico de família que destruiu a sociabilidade e privou a criança de liberdade, infligindo-lhe um confinamento com castigos severos 27 Em meados do século XX é que o padrão da família burguesa na Inglaterra foi assimilado pela classe trabalhadora, datando desse século a conquista da situação da infância. Legalmente, a criança só passa a ser considerada “pessoa” na segunda metade do século XX. Analisando a trajetória da infância percebemos que existem acentuadas divergências sobre ela o que nos faz refletir que estamos longe de afirmar com segurança em qual período da história a criança sofreu mais violência. No entanto, diante do cenário atual da infância sabemos que apesar de todas as conquistas na área de defesa da infância e adolescência, ainda persistem diversas formas de violência contra esse segmento. 1.3 O MODELO BRASILEIRO DE INFÂNCIA E A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO DESTINADAS A ESTE SEGMENTO Ao analisar o modelo brasileiro de infância devemos considerar uma mescla de diferenças culturais em nossa formação: a indígena, a européia e a africana. Nas comunidades indígenas, os núcleos familiares eram extensos e abrigava-se um grande número de pessoas de diferentes gerações em uma mesma cabana. Uma característica dessas comunidades é a existência de ritos que assinalavam as diferentes etapas da vida. A criança era considerada diferente do adulto e para adentrar no mundo destes, devia submeter-se a rituais de passagem. Para os europeus que chegaram ao Brasil, a população indígena era considerada primitiva e necessitava ser civilizada. A princípio empregou –se a força física na tentativa de atingir tal objetivo. Depois, com a chegada dos jesuítas, foram criadas as primeiras escolas destinadas à população indígena, em especial às crianças. Pensava-se que a separação das crianças indígenas dos seus pais, as afastaria dos costumes e 28 tradições de seus antepassados. O mesmo pode-se dizer com relação às crianças negras vindas da África. Assim, na perspectiva de oferecer educação aos filhos de índios de acordo com os preceitos europeus, os jesuítas criaram as primeiras casas de recolhimento de crianças no Brasil. Nessas casas, as crianças recebiam, além de evangelização, castigos severos, pois acreditava-se que só o trabalho árduo poderia garantir o céu, e aqueles que se desviassem desse caminho deveriam ser castigados. Apesar do grande empenho dos jesuítas em civilizar as crianças indígenas, a cultura indígena em parte resistiu e se fez presente na formação da cultura nacional. Com relação às crianças negras vindas da África com seus pais escravos, seu número era reduzido, uma vez que até atingirem idade para o trabalho, representavam despesas para seu proprietário. Em virtude do custo, os senhores de escravos procuravam evitar o nascimento de crianças negras, através da imposição da prática do aborto ou da matança após o nascimento. Às crianças negras que conseguiam resistir a esse processo de eliminação, eram reservadas as mesmas condições de vida impostas aos seus pais. Desde cedo as crianças eram inseridas ao trabalho e também eram utilizadas como brinquedo dos filhos dos senhores de escravos e sofriam castigos físicos que o pequeno senhor rotineiramente impunha . Essa prática nos revela a iniciação precoce para o exercício da violência, assim como sua reprodução, pois, ao torturar seu pequeno escravo, o filho do senhor reproduzia a própria violência que sofria, já que a violência física, desde a colonização, era aceita socialmente, como forma de disciplinar criança. Havia um círculo vicioso de dominação, segundo o qual, alguém sempre deveria estar subjugado a alguém. A criança, seja ela branca ou negra, estava no final desta cadeia agressor/agredido, em que apenas à criança branca era permitida a inversão de papéis, sendo ora o agredido, ora o agressor. 29 Com a Lei do Ventre Livre, aprovada em 29 de setembro de 1871, ocorreram significativas mudanças para infância negra, embora o destino dos filhos de escravos ainda estivesse atrelado às escolhas do senhor, que poderia mantê-los até os oito anos de idade e depois enviá-los para instituições, ou permanecer com eles até completarem vinte e um anos. Além dessas práticas mencionadas, eram comuns os senhores abandonarem os filhos de suas escravas em praças, ruas ou em portas de igrejas. No século XVIII, o aumento do número de crianças abandonadas, também relacionado a grande maioria com a pobreza, gerou a necessidade de se buscar uma solução para esta problemática. Criouse então, em 1726, em Salvador, a primeira Roda dos Expostos ou Roda dos Enjeitados, que posteriormente foi também instalada em outras cidades. A Roda dos Expostos correspondia a um mecanismo de forma cilíndrica, de origem européia, que era instalado no muro ou na janela de uma instituição. Na roda havia uma divisão interna e duas aberturas, em uma das quais deixava-se a criança abandonada, e girando-a, a criança ia para dentro, ao mesmo tempo que o toque de uma sineta avisava o vigilante da instituição que um bebê havia sido abandonado. Dessa forma, a identidade da pessoa que o abandonou era preservada. A pobreza, no entanto, não era a única causa do abandono na roda. Garantidos pelo anonimato, eram também colocados os filhos de pessoas influentes, que não se dispunham a assumir a paternidade. Assim, dispondo da roda, homens e mulheres passavam a contar com um apoio seguro às suas transgressões sexuais Inicialmente as Rodas dos Expostos foram mantidas pelas Santas Casas de Misericórdias, que contavam com recursos financeiros das Câmaras dos municípios e também com a caridade da população. Embora o objetivo dessas rodas fosse garantir a sobrevivência das crianças abandonadas, era elevada da taxa de mortalidade infantil principalmente pela pobreza das suas instalações e meios de manutenção. As Rodas tornaram-se verdadeiros focos de mortalidade infantil. A roda não apenas favorecia a 30 mortalidade das crianças com a precária atenção que lhes davam, como também incitava a irresponsabilidade dos pais, permitindo-lhes ocultar da sociedade que os filhos morriam por falta de cuidados, uma vez que muitos dos expostos deixados na roda, já estavam mortos. As crianças abandonadas que sobreviviam a essas situações eram enviadas para famílias que as criavam em troca de alguma remuneração ou incentivo oferecido pelo Estado. Já no final do século XIX e início do século XX, as mudanças socioeconômicas e políticas ocorridas nesse período (abolição da escravatura, migração para os centros urbanos, processo de industrialização e o agravamento da questão social), contribuíram ainda mais para um significativo aumento do número de crianças e adolescentes abandonados e em situação de miséria. Sob a influencia dos países da Europa, no Brasil, o fenômeno do abandono e exposição de bebês passou a não ser mais tolerado, pressionando os governos e a sociedade a criar instituições e políticas públicas para enfrentar essa questão. Foram criados asilos e educandários, cujo objetivo principal era a capacitação profissional das crianças com a intenção de tirá-las da ociosidade e incluí-las no mundo do trabalho. Essa prática encontrava seus fundamentos na ideologia da época que apregoava como necessários o controle e a domesticação das “classes perigosas”, prevenindo assim, o crime, a ociosidade, a prostituição e a mendicância, além de se verificar o interesse do Estado com o valor mercantil que a criança passou a adquirir. O Brasil foi o último país a extinguir a Roda dos Expostos que foi mantida até meados da década de 50. Somente após intensas batalhas sociais e pressões internacionais é que houve a sua extinção. As campanhas para a abolição da Roda foram fundamentadas nas teorias evolucionistas, partindo primeiramente dos higienistas, em 31 decorrência, principalmente, dos altos índices de mortalidade dentro das casas dos expostos. O Estado passou a ser pressionado a assumir o seu papel de responsável pela assistência e proteção à criança carente e assim, embora tardiamente, a infância passou a fazer parte das preocupações sociais. Nesse período aparece a palavra “menor” no vocabulário jurídico brasileiro, palavra esta que passou a referir-se à criança em relação à situação de abandono e marginalidade, definindo também sua situação jurídica e civil. Havia uma preocupação social em corrigir qualquer comportamento ou situação considerada desviantes. Nessa perspectiva, a internação de menores em instituições de correção era uma prática comum para se garantir a ordem, a tranqüilidade e a segurança pública. Influenciado por esse pensamento surge em 1927, o primeiro Código de Menores Brasileiro que responsabilizava o Estado pela recuperação daqueles considerados “menores criminosos e delinqüentes”, incluindo entre esses tanto os adolescentes autores de atos infracionais, como crianças carentes e abandonadas- todos recebiam o mesmo tratamento, que baseava-se na sua internação em abrigos. O discurso era o de proteção das crianças do mundo hostil, mas na realidade o que se pretendia era proteger a sociedade da convivência com esses “menores”. Conforme Rizzini apud Julião (2004, p. 32), existe uma oscilação entre a defesa da criança e a defesa da sociedade contra essa criança considerada uma ameaça à ordem pública. Nesse sentido, a assistência social à criança desamparada, assim como as ações voltadas aos chamados menores delinqüentes, tinha um caráter de controle social. Nas décadas subseqüentes,várias foram as tentativas de entender e intervir na realidade da criança e adolescente carentes, sendo elaborados inúmeros projetos e criados legislações. 32 Em 1940 foi criado o SAM- Serviço de Assistência ao Menor. Nesse período foram criadas várias instituições abrigo que tinham como fim maior isolar os menores da sociedade, para depois educá-los para serem devolvidos regenerados e úteis ao convívio social. Foram criados centros de atendimento a esta população, e o enfoque correcionalrepressivo, que via a criança como ameaça social, foi substituído pelo enfoque assistencialista. Na tentativa de superação do modelo tradicional de atendimento, ocorreu a abertura das instituições à comunidade, através da implementação de programas preventivos. Em meados dos anos 60, o Estado intervém na questão da infância em novos moldes, criando a FUNABEM, cuja concepção estava baseada na reeducação da criança, não pautada somente na sua internação, mas no apoio à família e comunidade. Essas medidas não foram suficientes para resolverem a situação da infância em risco e os problemas foram aumentando cada vez mais, surgindo movimentos de defesa dos direitos da criança e do adolescente. Somente no início da década de 90, após intensa mobilização da sociedade foi promulgada uma nova legislação (Estatuto da Criança e do Adolescente) pertinente à infância e adolescência, inovando as formas de tratamento destinadas a este segmento. Essa nova legislação baseou-se em tendências internacionais, formuladas na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Em seu preâmbulo, a convenção diz que: Convencidos de que a família como grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento e o bem-estar de todos os membros e em particular das crianças, deve receber a proteção e assistência necessárias a fim de poder assumir plenamente sua responsabilidade dentro da comunidade. 33 CAPÍTULO II - VIOLÊNCIA, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SUAS DIFERENTES MODALIDADES DE MANIFESTAÇÕES - DESTACANDO A NEGLIGÊNCIA Neste início de século, a humanidade encontra -se diante de profundas transformações que envolvem a vida econômica, política, social e cultural de forma contraditória. Em meio a descobertas científicas e avanços tecnológicos, estão presentes desigualdades sociais, conflitos e contradições que influenciam diretamente o comportamento das pessoas, e conseqüentemente, a vida em família, pois, a dinâmica interna da família ocorre no interior do processo de reprodução da sociedade Dentre os inúmeros problemas que chamam a atenção nas sociedades contemporâneas, podemos afirmar que está o crescimento da violência, nas suas diversas modalidades. A violência sempre existiu e num sentido amplo, ela acompanha a trajetória humana desde os acontecimentos mais primitivos que se tem registro, sendo inumeráveis as modalidades pelas quais se expressa dentro das diferentes culturas. Não queremos com isso naturalizá-la ou banalizá-la, pelo contrário, queremos destacá-la como questão instigante merecedora de investigação para melhor compreensão do comportamento humano. Da mesma forma, as vítimas freqüentemente se transformam em agressores, evidenciando a complexa trama de relações presentes nesse fenômeno. Conforme Odalia (1985, p. 14) “[...] Uma das condições básicas da sobrevivência do homem, num mundo natural hostil, foi exatamente sua capacidade de produzir violência numa escala desconhecida pelos outros animais.” Fraga (2002, p. 44) denominou de violência original essa violência relativa ao processo de luta pela sobrevivência, num grau de desenvolvimento histórico que não oferecia outras saídas e possibilidades de ação e relação. No caso da violência como a 34 conhecemos hoje, ele denominou de secundária, pois reúne características desestruturantes e desagregadoras. Para o autor, a violência é apenas uma das formas de manifestação da agressividade a qual se faz presente nas atitudes dos homens. A agressividade é condição necessária para a atividade humana, e pode ser canalizada tanto para um ato construtivo quanto para um ato destrutivo como a pura violência. Quando nos referimos às sociedades complexas, a necessidade de violência para a sobrevivência humana frente ao desconhecido, ou seja, a violência original, perde sua forma natural de defesa e passa a ser decorrência da maneira pela qual o homem se organiza e organiza sua vida em sociedade. Segundo Chauí (1985) a violência pode ser entendida como: [...] A conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre superior e inferior, [...] A ação que trata um ser humano não como sujeito, mas como coisa. Esta se caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio de modo que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há violência. No caso das sociedades ocidentais, temos o capitalismo como definidor do modelo societário, no qual encontramos fatores como o machismo, a discriminação racial, o adultocentrismo entre outros, que servem de sustentação para as atitudes humanas, não podendo por isso, desconsiderar uma reflexão. 2.1 AS DIFERENTES FORMAS DE EXPRESSÃO DA VIOLÊNCIA E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES Para Minayo (2000), a violência não é uma forma de doença ou força que está fora de si. A violência nasce e se nutre dos problemas sociais e é nas representações e nos atos individuais e coletivos que ela se realiza. É uma forma de relação social e está atada ao modo pelo qual os homens produzem e reproduzem suas condições sociais de existência. 35 A violência é também uma negação dos valores considerados universais: a liberdade, a igualdade e a vida. Para alguns autores, as várias formas da violência podem ser consideradas como termômetros da dinâmica social. No caso do Brasil especificamente,conforme expõe Velho (1996, p. 15-16): [...] uma das variáveis fundamentais para se compreender a crescente violência da sociedade brasileira, não é apenas a desigualdade social, mas o fato de esta ser acompanhada de um esvaziamento de conteúdos culturais, particularmente os éticos, no sistema de relações sociais. Portanto, a violência estrutural inerente ao modo de produção das sociedades desiguais, em geral, e da sociedade capitalista em particular, não é a única forma de produzir vítimas. Ela pode ser considerada como desencadeante de outras formas de violência, mais específicas como a delinqüência, o crime, a institucionalização de menores, a existência de meninos vivendo na rua, que são conhecidas como violência urbana. Da violência estrutural também decorre a violência rural, ou seja, terras mal distribuídas, marginalização do trabalhador rural etc. Além das violências referidas existe também aquela que ocorre dentro do âmbito familiar, envolvendo relações assimétricas de poder, que, aliado a fatores conjunturais e estruturais podem predispor e contribuir para a eclosão da violência no lar. A criança e o adolescente são um segmento exposto basicamente a duas modalidades de violência: - A vitimação - ou seja, a violência estrutural, como já descrito anteriormente, decorrente da desigualdade na distribuição de renda, ocasionando a perda dos direitos elementares como a saúde, educação, segurança etc; Conforme Saffioti, (1989, p. 15) A má distribuição de renda gera a miséria, o que acaba por produzir vítimas, e aí, a vitimação... tratam-se de crianças vitimadas pela fome, por ausência de 36 abrigo ou por habitação precária, por falta de escolas, pela exposição a toda sorte de doenças, por inexistência de saneamento básico. - A vitimização - violência democrática que ocorre no âmbito das relações interpessoais adulto -criança, com características hierárquicas, adultocêntricas e de coisificação da criança. Ainda conforme Saffioti (1989, p. 15) no que tange aos maus tratos, à negligência e aos abusos - a exploração sexual, sobretudo quando tais ocorrência têm lugar no seio da família, o agente agressor situa-se em todas as classes sociais vitimizando não apenas crianças pobres, mas também crianças de classe média e rica. Considerando esses dois tipos de violência os quais a crianças e adolescentes estão expostos, observamos que não é somente na rua que uma criança está exposta a experiências traumáticas, já que as maiores ameaças ao bem -estar infantil podem estar dentro da própria casa, sob a forma de violência física, negligência, violência psicológica e sexual, independentemente do estado de pobreza enquanto violência estrutural. A violência doméstica tem relação com a violência estrutural, mas tem outros determinantes que não apenas os estruturais. Segundo Azevedo & Guerra (1989) a violência doméstica é determinada por fatores sociais combinados a características individuais dos sujeitos, e num grande número de casos, estabelece –se o que chamamos de ciclo de violência. Em nossa sociedade, a criança ainda faz parte da parcela da população mais vulnerável. É o elo mais fraco e exposto da cadeia social, permanecendo ainda muito presente no senso comum como sendo ser passivo e apenas receptor das ações dos adultos, que por sua vez, têm como papel a sua socialização. O uso da força física é considerado ainda pela maioria como adequado para o disciplinamento das novas gerações, na perspectiva do adulto -sujeito e da criança-objeto, numa relação vertical/desigual de poder intergeracional, sendo defendido, legitimado e 37 reproduzido sob a alegação de que se trata de uma ação preventiva, de educação e saudável para o próprio bem da criança. Podemos dizer que na família moderna existem alguns facilitadores da violência os quais citamos: conflitos de gênero e gerações e o conceito de família como instituição privada/intocada/sagrada, protegendo-a do controle social, assim, tudo o que acontece no lar “deve permanecer entre quatro paredes”. A família é o espaço de expressão da autoridade do pai e em menor grau da mãe, no interior da qual, todos os componentes procuram, em determinados momentos, exercer o próprio poder, ou seja, impor a sua vontade aos demais, exercendo o chamado “pequeno poder”. Este pequeno poder ao qual mencionamos permeia todas as relações sociais, revelando a desigualdade entre seus protagonistas. Safiotti (1989:20) afirma que: [...] A estrutura social oferece condições propícias à perpetuação do estatus quo em que o poder é macho, branco, rico e adulto e em que, por conseguinte, a síndrome do pequeno poder acomete pessoas não idealmente situadas em todas estas esferas Portanto, o lar pode ser um local extremamente ameaçador para os fracos na distribuição de poder intrafamiliar. A preservação institucional da família, tal como está, interessa à ordem burguesa, na medida em que permite a socialização dos mais fracos na obediência em troca de proteção (ou pseudo-proteção). Na família a criança aprende a submissão e a obediência. São diversos os desencadeadores da violência doméstica: tensões decorrentes da falta de emprego, baixos salários, grande número de filhos, precárias condições de saúde, uso de drogas, alcoolismo, problemas psicológicos e psiquiátricos, história de abuso dos pais quando criança, etc. 38 Podemos afirmar que a violência doméstica, nas suas diversas modalidades, atinge crianças e adolescentes de todos os sexos, etnias, religiões, ignorando fronteiras econômicas entre as classes, perpassando todos os níveis, não sendo, portanto, característica de determinado segmento social. A violência doméstica é um fenômeno multifacetado, transpõe os limites econômicos entre as classes sociais, cortando de forma vertical a sociedade. É “democrático”, envolve várias gerações, sendo portanto, cíclico e repetitivo, não sendo exclusivo da pobreza. O que ocorre é que nas famílias subalternizadas/marginalizadas, a violência fica mais aparente devido às próprias condições concretas de existência, aparecendo em maior número nas estatísticas pela própria posição em que se encontram estas famílias empobrecidas na pirâmide social. O conceito de violência doméstica passou por muitas transformações e apenas no final do século XX, ao nível internacional, vem procurando incluir sob tal rubrica todas as formas de castigo corporal. Pode ser definida como: todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que –sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica, de um lado, numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento (AZEVEDO & GUERRA, 2001, p.12, MÓDULO 1A/B). Em síntese, a violência doméstica é uma violência interpessoal, é um abuso do poder disciplinador e coercitivo dos pais ou responsáveis; é um processo de vitimização que as vezes pode se prolongar durante anos; é um processo de imposição de maus tratos à vítima, de usa completa objetalização e sujeição; é uma forma de violação dos direitos essenciais da criança e do adolescente, enquanto pessoas e, portanto, uma negação de valores humanos fundamentais como a vida, a liberdade, a segurança, sendo capaz de causar conseqüências devastadoras para as vítimas. 39 2.2 AS MODALIDADES E EXPRESSÕES DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA De forma geral, as diferentes modalidades e expressões da violência doméstica são caracterizadas como: Violência Física - Pode ser caracterizada pelo emprego da força física contra a criança, não acidental, perpetrada por agente adulto, numa relação abuso-vitimização. Essa violência pode causar desde lesões leves e até a morte da vítima.(Violência Fatal). A violência física pode ser extremamente danosa para a vítima tanto no plano orgânico quanto no plano emocional. É sem dúvida a forma de violência cuja identificação se torna mais fácil (no plano orgânico), em virtude do dano que causa à vítima, além de ser aquela que menos sofre reprovação social, uma vez que em muitas sociedades como a nossa, por exemplo, a prática da violência como forma disciplinar é aceita como natural e está incorporada à cultura. Através desta prática a criança aprende que é através da força física que os problemas podem ser resolvidos e com isso, ela assimila a idéia de que o tapa educa, podendo assumir futuramente o papel de agressor. Segundo Miller (1990): Os jornais estão constantemente nos dizendo que tem sido provado estatisticamente que a maioria das pessoas que agride fisicamente seus filhos, foram elas mesmas agredidas em sua própria infância. Esta informação não é totalmente correta: não deveria ser a maioria, mas todas [...] Esta afirmativa se aplica sem exceção, uma vez que é absolutamente impossível que uma pessoa educada num ambiente de honestidade, de respeito e de afeto venha a atormentar um ser mais fraco de tal forma que lhe inflija um dano permanente. Ela aprendeu bem cedo que é correto e adequado dar às crianças proteção e orientação porque são pequenas e indefesas, sendo que este conhecimento armazenado em estágio precoce em sua mente e em seu corpo, permanecerá efetivo para o resto de sua vida (MILLER, 1990 apud AZEVEDO & GUERRA, 2001, p.17 - MÓDULO 3B). Vale lembrar que o chamado “tapa disciplinador”, prática tão comumente usada, também é uma forma de violência física e em alguns países como a Suécia, Finlândia, Dinamarca Noruega entre outros, este tipo de violência vem reduzindo seu fluxo graças a 40 uma legislação que proíbe toda e qualquer forma de punição física contra crianças e adolescentes. A violência física, conforme nos apontam as pesquisadoras Azevedo e Guerra tem caráter repetitivo, evidenciando a necessidade de uma intervenção consistente, visando impedir sua continuidade. De acordo com as referidas autoras, os estudos realizados por Kempe e Schimitt demostram que em 35% dos casos de agressão física em que a criança retorna aos seus pais sem intervenção, a criança será seriamente agredida outra vez. Muitos estudiosos sobre o assunto colocam que dentre as expressões de revanche provocadas pela violência física estão o parricídio, o matricídio ou o fratricídio, fechando o ciclo da violência. Violência Sexual - Corresponde a uma das piores formas de agressão contra a criança e adolescente. Pode ser considerada como: todo jogo ou ato sexual, relação heterossexual ou homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança menor de 18 anos, tendo por finalidade estimular sexualmente a criança ou utilizá-la para obter estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa. Incluem-se aqui o incesto e a exploração sexual, podendo ser com contato físico ou sem, com emprego de força física ou não. Este tipo de violência mexe com o padrão e dinâmicas familiares, envolvendo punições e separações. Não é raro que a criança vitimizada sexualmente seja severamente castigada depois de relatar sua experiência para outros familiares, sendo considerada mentirosa, promotora de discórdia e/ ou até mesmo facilitadora e estimuladora da agressão. As vítimas de violência sexual geralmente sentem medo, vergonha e culpa, além de sofrerem ameaças por parte do agressor para não revelarem o “segredo”. Isto contribui 41 para que a ocultação da ocorrência desses crimes ou seja, a manutenção do pacto do silêncio. Além dos traumas psicológicos, como insônia, aversão a atividade ou contato sexual, uso de drogas entre outros, a violência sexual pode trazer para as vítimas uma série de problemas físicos como lacerações vaginais e anais, infecções, doenças sexualmente transmissíveis, inclusive a AIDS, gravidez precoce (no caso de vítimas do sexo feminino), podendo levar até a vítima ao suicídio. Violência Psicológica - É um tipo de violência de difícil identificação devido a sua sutileza e à falta de evidências imediatas.Também designada como tortura, é caracterizada pela interferência negativa do adulto sobre a criança e sua competência social, podendo ser observada sob a forma de rejeição, humilhação desrespeito, privação de amor etc., causando à criança sentimento de ansiedade, insegurança, nervosismo, temor de perder o amor dos pais etc. Algumas expressões como: “você é burro”, “você não presta”, entre outras comumente usadas por adultos referindo-se a criança, são uma forma de violência psicológica. Como conseqüência desse tipo de violência, a criança pode desenvolver tiques nervosos, dificuldades de concentração, baixo rendimento escolar, gagueira, depressão, baixa auto-estima, comportamento de extrema agressividade ou timidez, medos exagerados entre outros problemas de comportamento destrutivo. Negligência - Sabemos que para o pleno desenvolvimento de uma criança, é fundamental a proteção dos pais e a satisfação de necessidades básicas como alimentação, vestimenta, cuidados com a higiene pessoal e saúde, educação e afeto, entre outras. Quando os pais deixam de atender adequadamente a tais necessidades, estão sendo negligentes com os seus filhos. 42 A identificação desse tipo de violência, assim como acontece com a violência psicológica, é dificultada pelo fato de que nem sempre ela deixa marcas visíveis. Nos Estados Unidos, hoje são notificadas intensamente as negligências, constituindo-se em 45% das agressões contra a infância nas estatísticas oficiais, segundo pesquisas bibliográficas. (ASSIS apud MINAYO, 2001). Para compreender esse fenômeno é preciso relacioná-lo à família e ao contexto social em que esta vive, o qual pode ser fortalecedor ou esfacelador das suas possibilidades e potencialidades. No nosso contexto, o grupo familiar é o principal foco responsável pela sobrevivência da criança, pela satisfação de suas necessidades físicas, sociais e emocionais. No entanto, a presença da violência em família vem levantar algumas questões, entre elas, as relações entre consangüinidade e afinidad
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