Ética No Casa Schincariol
Monografias: Ética No Casa Schincariol. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: fabiojoyce • 10/4/2014 • 2.470 Palavras (10 Páginas) • 322 Visualizações
Da sala reforçada com vidro fumê blindado, o segurança avisou os donos da casa: "É uma tentativa de seqüestro". Todos os portões foram imediatamente fechados na residência da família Schincariol, uma mansão no centro de Itu, com muros tão altos que lembra um bunker. Mas não se tratava de seqüestro. Era uma batida da Polícia Federal, com ordem para prender os proprietários da segunda maior cervejaria do país. Durante 20 minutos, os policiais ficaram do lado de fora, ameaçando entrar por bem ou por mal, inclusive com uso de explosivos. Os seguranças acabaram cedendo e, ao final, viram seus patrões sair da casa algemados, direto para a cadeia.
Esse foi o desfecho mais barulhento de uma operação iniciada em silêncio, há um ano e meio. Durante esse tempo, uma força-tarefa formada por agentes da Polícia Federal e da inteligência da Receita Federal gravou todos os telefonemas dos diretores da Schincariol e de gente ligada a eles. As conversas levaram à descoberta do monumental esquema de sonegação detonado pela Operação Cevada na quarta-feira 15. ÉPOCA teve acesso às 643 páginas do relatório da investigação, incluindo as conversas grampeadas com autorização judicial. Os documentos apontam uma poderosa rede de fraudes e tráfico de influência, que alcançava de caminhoneiros a empresas em paraísos fiscais. De quebra, as gravações captam conversas suspeitas de políticos ligados ao grupo e wn eventual esquema de liminares na Justiça.
Pelas contas dos investigadores, a Schincariol sonegou cerca de R$1,5 bilhão nos últimos cinco anos e terá de pagar aproximadamente R$600 milhões em multas. Dona de 12,5% do mercado nacional de cervejas, com faturamento anual de R$ 2,5 bilhões, daqui para a frente a prioridade da Schin não será mais ganhar mercado. Sua batalha vai ser pela sobrevivência. "Nos últimos três anos, a Schin multiplicou seu tamanho por quatro e era uma pedra no sapato da AmBev. Se esse crescimento veio de sonegação, será difícil que ela volte a ser competitiva", diz Eduardo Pfizter, analista do setor de bebidas do banco Fator. No
dia em que os executivos da Schin foram parar atrás das grades, as ações da AmBev subiram 3%.
A Schin nega as acusações e se queixa de abuso de força. "A prisão foi um exagero" , reclama Roberto Podval, advogado criminalista contratado ontem para defender a família Schincariol. "Se o crime é de sonegação fiscal, bastava convocar os empresários para prestar depoimento. Eles não iam fugir. Há forças ocultas nessa operação", suspeita o advogado.
As investigações revelaram que o grupo da Schin cooptava funcionários públicos, como policiais e fiscais de receitas estaduais, para fazer "vista grossa" na fiscalização das notas fiscais dos caminhoneiros. Distribuidoras de bebidas ligadas à Schin utilizavam notas frias ou "viajadas" - aquelas que são apresentadas mais de uma vez. Uma nota chegou a ser usada 90 vezes. A empresa ainda comprava matéria-prima, como malte, sem nota fiscal, e esquentava dinheiro obtido com a sonegação. Ao todo, 74 pessoas foram presas, entre elas Adriano, Alexandre e Gilberto Schincariol, principais acionistas da empresa. A força-tarefa investiga com especial atenção cinco empresas no exterior, suspeitas de serem o destino do dinheiro desviado. Três delas ficam em Portugal e duas em paraísos fiscais (Glencove, nas Ilhas Virgens Britânicas, e Clare Hall, nas Bahamas).
"A sofisticação é impressionante. Nos últimos anos, eles foram se aperfeiçoando", diz um dos responsáveis pela operação. Desde 2001, a Receita Estadual de São Paulo suspeitava de artifícios para driblar eventuais fiscalizações. Um exemplo é o uso dos caminhões-dublê. As distribuidoras ligadas à Schin mudavam as placas dos veículos que entravam no pátio. Investigadores filmaram em segredo a troca e gravaram conversas entre integrantes do grupo: "Essa questão de muita placa, bicho, é uma questão que a gente vai sentar e reavaliar, porque eu vou ter de contratar um funcionário extra porque o adjunto não vai ter tempo de estar fazendo outra coisa", diz um deles. O esquema começava no pátio da fábrica, passava pelas estradas e batia na Justiça. A investigação sugere uma ligação do grupo com a indústria de liminares.
Os policiais cumpriram 120 mandados de busca. Uma das surpresas em meio às apreensões foi a troca de e-mails entre dois advogados da empresa. Na mensagem eletrônica eles falam da necessidade de montar "novas empresas para conseguir novas liminares" com isenção de impostos. Há ainda a constituição de companhias laranjas, na maioria dos casos distribuidoras em Estados em que a tributação é mais amena, como Espírito Santo e Maranhão. No papel, a Schin vendia muito para distribuidoras nesses Estados, mas na prática as bebidas não chegavam lá.
Uma investigação paralela também serviu para reforçar os trabalhos da polícia. Há pelo menos cinco anos, concorrentes da Schincariol elaboram dossiês que acusam a cervejaria de Itu de montar operações criminosas para enganar o Fisco. A Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), entidade apoiada pela AmBev, chegou a encaminhar à CPI da Pirataria fitas de vídeo onde um fornecedor de matéria-primas, Edson Guterres de Carvalho, detalhava o suposto esquema fraudulento da Schincariol. Transcrições dessa fita circularam pelo Congresso, pela imprensa, por bancos e indústrias do setor, invariavelmente remetidas por escritórios de lobby e agências de publicidade.
Os dossiês eram minuciosos. Um deles, que descrevia exportações fictícias de pequenas cervejarias pelo Porto de Paranaguá, era um calhamaço de quatro volumes: mais de mil páginas com notas fiscais, depoimentos à polícia, grampos telefônicos, indicações de empresas fantasmas e cópias de guias de exportação falsificadas. Pelos menos quatro fitas de vídeo com depoimentos de caminhoneiros que participariam do esquema de notas para a Schin vinham sendo divulgadas há um ano pela ABCE Fato raro no mundo dos negócios, houve até acusações públicas de concorrentes. "Os números da Schincariol só fecham se eles sonegam impostos" , disse o diretor da AmBev Milton Seligman.
A investigação ganhou ainda outra dimensão. Nas gravações autorizadas pela Justiça, a força tarefa acabou esbarrando em conversas suspeitas sobre outros negócios, incluindo autoridades. O ex-ministro dos Transportes do governo Lula e atual prefeito de Uberaba, Minas Gerais, Anderson Adauto, aparece nos grampos, ligado a um dos cabeças do esquema de sonegação. É o empresário Otacílio Costa, que usava o codinome de José. Ele distribuía produtos
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