A Antropologia
Por: Matheus Perusso • 4/6/2018 • Trabalho acadêmico • 1.605 Palavras (7 Páginas) • 263 Visualizações
Trabalho de Antropologia
UFSCar
Prof: Marcos Lanna
Matheus Perusso – 621862
Dois anos após a publicação de suas obras Totemismo Hoje e O Pensamento Selvagem, em 1964, com O Cru e o Cozido, primeiro volume da coleção As Mitológicas, Claude Levi Strauss nos mostra, através de uma analogia, como a análise estrutural dos mitos pode ser entendida de modo semelhante ao se estudar a música, tratando ambos em primeiro nível como desdobramentos da linguagem. Já se nota essa aproximação com a divisão e nomeação de seus capítulos, como Abertura, Canto Bororo, Sonata das Boas Maneiras, Fuga dos Cinco Sentidos, Sinfonia Breve, Cantata etc.; enquanto na última parte do quarto livro das Mitológicas, recebe o título de Finale. O intuito desse trabalho é expor e analisar alguns apontamentos da obra, dando destaque para questões como a analogia dos mitos e da música, a importância dos afastamentos diferenciais e outros pontos para tentar elucidar pontos da analise estrutural que permitirão compreender não só a mitologia indígena, mas também um melhor entendimento das operações mentais, em última instancia, de um mesmo espírito humano.
No começo do primeiro livro, logo na Abertura nos é exposto uma das pretensões de análise dos mitos: através do uso das ferramentas conceituais do estruturalismo, chegar a um plano em que as propriedades lógicas do pensamento se manifestem, transcendendo a oposição entre o sensível e o inteligível. Para isso, é importante destacar o caráter de inteligibilidade recíproca entre os mitos, questão que se encontra também na última parte de sua coleção. Colocando as narrativas num mesmo plano, mesmo quando são provenientes de áreas remotas umas das outras, ou quando há uma temporalidade diferente, é possível, através da explicação dos mitos pelos próprios mitos, reduzir dados aparentemente arbitrários a uma ordem, chegando a conjuntos de sistemas significantes. Certas categorias empíricas, como “cru” e “cozido”, traços do nível estatístico, sociológico e mesmo formas de parentesco, podem servir de ferramentas conceituais para isolar certas noções e coloca-las em preposições, buscando encontrar a fundação que sustenta níveis estruturados dos mitos, nos dando certa dimensão das operações mentais inconscientes do pensamento humano. No primeiro volume, em “O Cru e o Cozido”, Levi-Strauss nos leva à uma exposição de mais de 180 mitos, provenientes da América do Sul ao Norte, onde, através de temas como a origem do fogo e da chuva, mostra de que forma esses mitos se remetem a certas necessidades dos imperativos mentais, como por exemplo a questão da oposição entre a natureza e a cultura.
Através das particularidades do mito, assim como na música, podemos obter uma certa combinação de seus elementos significantes, que remetem a certos atributos lógicos ou sensíveis, e, por sua vez, encontramos nas suas variações ou diferentes arranjos, propriedades expressas originadas pelos afastamentos diferenciais, mas que ainda assim contém uma base estruturante semelhante ou isomórfica. As duas linguagens operam sob um duplo continuo e um duplo momento: o primeiro sincrônico e referente a categorias fisiológicas, naturais (vibrações dos instrumentos e o ato individual/coletivo da narração mítica, por exemplo); o outro diacrônico e externo, que se refere às certas categorias e atributos culturais, constituídos ao longo de acontecimentos históricos. Dessa maneira, esses contínuos formam series teoricamente ilimitadas de objetivações, de acordo com os elementos diferenciais que originarão variações semânticas de uma mesma sintaxe lógica, isto é, “a substancia do mito não se encontram no estilo, nem no modo da narração, mas na história que conta” (1939: 232).
Um dos exemplos expostos na análise mitológica em “o Cru e o Cozido” se refere a transformação de uma série de mitos Bororo sobre a origem do fogo, em que nos mostra como é apagado em diversas situações seja pela chuva (M1), pela água derramada (M122), pela urina (M121). Da mesma maneira, ao passar agora para os mitos dos Xerente, pode-se notar essa transformação para o grupo sobre a origem das plantas cultivadas, assim, os dois povos atribuem funções opostas entre o fogo e a água. Levando em conta todos os fatores, sejam eles ecológicos, religiosos, cosmológicos ou mesmo sociais, pode se compreender a inversão dos mitos bororo e xerente. Ao passo que para os Bororo a água conota a morte e que as plantas cultivadas e outros elementos culturais surgem das cinzas dos heróis que morrem, às vezes, em fogueiras, pode-se perceber a conexão entre o fogo e a vida. Para os Xerente, que além de outros fatores se encontram numa região em que é comum a seca, acontece o inverso: o fogo conota a morte, opondo com a água não letal que em diversas vezes é vivificante. Assim, segundo cada grupo étnico pode se observar uma certa primazia entre a água e o fogo, atribuídos inversamente por essas culturas. Além disso, ao se atentar as narrativas que esses mitos contam, vê-se as oposições dialéticas como a água exteriorizada/água interiorizada; água celeste e maléfica/ água terrestre e benéfica.
Ao encontrar relações de oposição entre mitos, através da análise comparativa, pode-se notar como “de um ponto de vista empírico, todo mito é a um tempo primitivo em relação a si mesmo e derivado em relação a outros mitos” (pg. 622)”. Dessa maneira, as transformações diferenciais resultam em oposições dialéticas entre os mitos, chegando na essência irredutível da tradução por essas oposições. Sob essa lógica, é essencial a compreensão de que o mito não se situa em uma língua e em uma cultura especifica, mas exatamente na dimensão que articula essa com outras línguas e culturas. Assim, segundo Levi-Strauss, o mitólogo que apreende os mitos por intermédio de uma tradução, não se sente numa situação tão diferente de seu narrador ou ouvintes em sua terra natal. Ainda em relação à tradução, dessa vez relacionada ao tema condutor de “Abertura”, a comparação entre mitologia e música, mostra como os mitos só podem ser traduzidos uns nos outros, assim como uma melodia só pode ser traduzida em outra melodia, mantendo relação de homologia. Assim, o autor nos mostra através dessa mesma comparação certas dimensões desses desdobramentos da linguagem em “Finale”:
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