Materialidades do trabalho digital no Sul global e invisibilidades comunicacionais
Por: leoliiimaf • 19/9/2019 • Trabalho acadêmico • 4.052 Palavras (17 Páginas) • 190 Visualizações
Em tempos de ascensão institucional da extrema direita no Brasil, destruição do pacto construído em 1988 e de um projeto de país autônomo,
democrático e progressista – inclusive com a destruição da democracia deliberativa, como aponta Murdock1
–, o livro mais recente de Ricardo Antunes,
O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital 2, não é
somente um alento, mas um diagnóstico potente – realista sem se furtar de
enxergar uma “luz no fim do túnel” – em relação ao Brasil contemporâneo,
do ponto de vista do mundo do trabalho. Sua potência se deve principalmente à centralidade, na análise, da vida concreta e material dos sujeitos
trabalhadores, e à dialética, levando em consideração o processo histórico,
sempre contraditório. Antunes abre o livro3
falando que atualmente parece
que vivemos em uma “era das trevas”, mas há pouco tempo atrás, perto
de 2013, a conjuntura era marcada por uma chamada “era das rebeliões”.
O autor, então, se pergunta: “quem poderá dizer, então, que o sistema de
metabolismo social do capital, com sua era das contrarrevoluções, é o fim da
história?”4
.
Se não é, pois, o fim da história, é preciso: (1) desnaturalizar e enfrentar o
“realismo capitalista”5
, no sentido de não o tomar como único modo de produção e modo de vida possível, em um momento no qual a “governamentalidade
neoliberal”6
penetra em todas as esferas da vida7
, significando, portanto, uma
confrontação com a lógica destrutiva do capital8
; (2) pensar em (e propor)
formas de resistência, considerando que não há controle sem resistência, como
afirma Huws9
em relação ao mundo do trabalho atual.
Nesse contexto, O privilégio da servidão se une a outras obras recentes,
como as de André Singer10 e de Laura Carvalho11, no sentido de compreender
a conjuntura nacional e sua crise. Contudo seu foco não é nem o lulismo nem
as matrizes econômicas da última década, mas as lutas de classes e a nova
morfologia da classe trabalhadora, com uma dominação burguesa oscilante
entre “conciliação pelo alto” e “golpe”12. Caio Prado Júnior
13 já enunciava a
“superexploração da força de trabalho” e a transformação “pelo alto” no capitalismo periférico brasileiro. Mas é principalmente em Florestan Fernandes14
que Antunes se baseia para falar em uma contrarrevolução burguesa no cenário
contemporâneo. Neste contexto, podemos recuperar Fernandes15, para quem a
burguesia brasileira não é moderna ou paladina da civilização, fazendo tudo o
que for para ela vantajoso, inclusive tirar proveito das persistentes desigualdades.
Em um artifício de conciliação pela unificação das classes possuidoras, não há
ruptura definitiva com o passado. O que há é um processo lento, molecular
e encapuzado, nesse caso, de devastação e desconstrução do trabalho com
Temer-Bolsonaro16.
O livro de Antunes17 é, pois, a consolidação de um processo de pesquisa
desenvolvido desde Os sentidos do trabalho18, como um livro de maturidade que
apresenta tanto as categorias para compreensão da atualidade do trabalho
frente às tecnologias digitais quanto a análise da precarização e da flexibilização
do trabalho no Brasil, deixando claro que a precarização não é algo estático,
1. MURDOCK, Graham. Refeudalização revisitada: a
destruição da democracia
deliberativa. MATRIZes,
São Paulo, v. 12, n. 2, p. 13-
31, 2018.
2. ANTUNES, Ricardo. O
privilégio da servidão: o
novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo:
Boitempo, 2018.
3. Ibidem, p. 16.
4. Ibidem, p. 16.
5. FISHER, Mark. Capitalist
Realism: is there no alternative? Winchester: Zero
Books, 2011.
6. DARDOT, Pierre; LAVAL,
Christian. A nova razão do
mundo. São Paulo: Boitempo, 2016.
7. BROWN, Wendy. El pueblo sin atributos: la secreta
revolución del neoliberalismo. Barcelona: Malpaso,
2016.
8. ANTUNES, op. cit., p. 287.
9. HUWS, Ursula. Labor
in the global digital economy. New York: Monthly
Review Press, 2014.
10. SINGER, André. O lulismo em crise: um quebra-cabeça do período
Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras,
2018.
11. CARVALHO, Laura. Valsa brasileira: do boom ao
caos econômico. São
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