A Antropologia: Gênero e Performance
Por: Matthews Galvão • 16/12/2021 • Trabalho acadêmico • 1.047 Palavras (5 Páginas) • 169 Visualizações
A Questão da Performatividade
Judith Butler, em seus dois principais livros, propõe uma subversão daquilo que chamamos de sexo e promove uma ruptura entre o sexo biológico e o gênero. Para a autora, a nossa sociedade está imersa em uma ordem compulsória, que exige uma coerência entre um sexo biológico, um gênero e um desejo ou afeto, sendo que todos esses elementos estejam ligados à heterossexualidade cisgênera.
Exemplificando, se na barriga da mãe for identificado um pênis em uma criança, logo ela será designada ao sexo masculino, o qual estará determinado a sentir atração por mulheres. Butler pretende dar um a fim a essa lógica e, para isso, sugere o desmonte dessa ordem compulsória, a qual se chama de heteronormatividade, que unifica o gênero, o sexo e o desejo.
Assim, o gênero para Butler cumpre o papel de legitimar essa ordem, ao passo em que este se constrói pela cultura e pelo discurso, aprisionando o sexo a uma natureza inquestionável e à prova de desconstrução.
O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo previamente dado, defende Butler (2000), […] tem de designar também o aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos.
Portanto, a função do gênero seria o de produzir a sensação de estabilidade, em que modelo heterossexual estaria assegurado pela existência de dois sexos opostos, que se complementam como forma opositora e binária: macho e fêmea, homem e mulher, masculino e feminino, pênis e vagina.
Dessa forma, para a autora, corpos que não se encaixam nessa lógica do masculino/feminino estão fora do humano, contrapondo-se aos quesitos que a própria existência humana estabelece. Assim, se antes do nascimento for constatado o desencaixe da criança em um corpo feminino ou em um masculino, então ela não é considerada humana, pois não tem sexo e consequentemente não possui gênero, o que demanda a necessidade da realização de testes e procedimentos cirúrgicos para determina-los, e assim atribuir humanidade àquele indivíduo. A partir disso conclui-se que só é possível ser humano pela lógica normativa heterossexual, possuindo um dos dois sexos e seu gênero correspondente. Existe todo um discurso que prevê a manutenção da heteronormatividade.
Essa padronização dos corpos se expressa através da repetição de atos, gestos, signos e estereótipos que reforçam a construção de corpos femininos e masculinos tais como eles existem atualmente. Portanto trata-se de uma questão de performatividade. Segundo Piscitelli (2002), o gênero para Butler é um ato intencional, um gesto performativo que produz significados.
O foco de Butler em estudar a vivência de travestis e transexuais, fundamenta-se no fato desses grupos subverterem a ordem estabelecida, rebelando-se, mesmo a custa de seu sofrimento e marginalização, contra a coerência compulsória da heteronormatividade. A partir da observação da performatividade de uma travesti podemos perceber que nós mesmos performamos, e que não existe uma natureza masculina e feminina nos indivíduos além dos atos, gestos e signos que são reproduzidos.
Mas por qual motivo se explica a manutenção desses estereótipos? É nesse interim que se insere uma nova questão ao pensamento de Judith Butler: a que toda construção, seja de um sujeito de uma identidade, envolve uma padronização, com intuito de produzir excluídos.
A matriz cultural por intermédio da qual a identidade de gênero se torna inteligível. [...] exige que certos tipos de ‘identidade’ não possam ‘existir’ – isto é, aquelas em que o gênero não decorre do sexo e aquelas em que as práticas do desejo não ‘decorrem’ nem do ‘sexo’ nem do ‘gênero (Butler, 2000).
A autora se refere justamente às sexualidades desviantes nas pessoas trans e em outros grupos que subvertem o padrão cis-heteronormativo. Já há, principalmente nos grandes centros, uma tendência de normatização da homossexualidade, ou seja, a sociedade admite a existência desse grupo, mas sobre as suas próprias regras. Isso pode ser expresso através de condutas padronizadas, aplicativos de encontros ou ambientes de convívio exclusivos para LGBT+, corporalidades ou condutas que são mais aceitas quando obedecem ao padrão heteronormativo, dentre outros. Mais uma vez o padrão heterossexual tenta controlar ou encaixar a existência queer em conceitos ou padrões de comportamento que, de forma nenhuma, exclui esse grupo da violência ou da invisibilidade. É só observarmos os índices de violência a grupos transgêneros, ou a existência cada vez maior de facções extremistas que agridem gays e travestis nas ruas, ou mesmo da reprodução do ódio e da intolerância nas redes sociais e outras mídias. Portanto, não significa dizer que esses grupos tenham seus direitos sociais garantidos.
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