A etnografia é o próprio método de antropologia do século XX
Artigo: A etnografia é o próprio método de antropologia do século XX. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: andreialima28x • 18/9/2014 • Artigo • 4.109 Palavras (17 Páginas) • 554 Visualizações
A etnografia é um método próprio da Antropologia do século XX
A Antropologia do século XX é uma resposta crítica à Antropologia do século XIX: uma ciência que se pretendia histórica, que queria reconstituir a história dos povos humanos para explicar como alguns deles tinham chegado ao “estado de civilização” e muitos outros não, ficando em “estágios” anteriores de “selvageria” ou “barbárie”. Para reconstituir os diversos estágios, a Antropologia do século XIX se tornou a especialista em “povos primitivos”, que imaginava e analisava mediante a leitura de relatos de viajantes, expedições científicas, missionários ou informes das oficinas coloniais, material que, no século XIX, se tornou bastante volumoso se comparado ao existente nos séculos anteriores. Esses antropólogos trabalhavam em seus gabinetes, lendo esse material, deduzindo e especulando, que eram os dois procedimentos cognitivos próprios dessa fase da Antropologia. Falavam, assim, dos hotentotes da África do sul, do “índio americano”, dos “índios canadenses”, sem nunca ter visto um “índio” de “carne e osso”. Perguntando certa vez se ela tinha visto um, James Frazer, o especialista em religião e magia nos ditos povos primitivos, respondeu: “Deus que me livre!”. Nessas condições, não era de se estranhar que os textos antropológicos fossem um acúmulo de afirmações e teorias etnocêntricas.
O panorama começa a mudar quando, no final do século XIX, os antropólogos passam a integrar as expedições científicas que se tornaram freqüentes na segunda metade desse século. Pela primeira vez, vêem os “índios”, nem que seja por pouco tempo, nas paradas rápidas das expedições, e nem que seja sem poder falar com eles, devido ao desconhecimento das línguas nativas. Foi numa dessas expedições, em 1914, que Bronislaw Malinowski, um jovem polonês, fazendo o seu doutorado em Antropologia na London School of Economics, foi parar nas ilhas Trobriand, onde ficou mais de três anos, aprendeu a língua nativa, colocou sua tenda no meio da aldeia deles e conviveu dia após dia entre os trobriandeses. Dessa experiência nasceu, em 1922, o livro os Argonautas do Pacífico ocidental, e, com ele, a primeira formulação do que é o método etnográfico (que apresenta em sua Introdução)[5]. O que o levou a romper com a forma de conhecer própria da Antropologia anterior a ele? Na verdade, um acaso, para nós, um feliz acaso: enquanto súdito austríaco, na primeira guerra mundial, ele não poderia integrar a tripulação de um navio inglês, vendo-se obrigado a ficar quatro anos, até 1918, entre os territórios das ilhas Tulon, Trobriand e Austrália.
Essa longa estadia fez Malinowski refletir sobre o método que vinha sendo usado pela Antropologia. Tratava-se agora, ele propunha, do antropólogo conviver um longo período entre os “primitivos” que queria entender até passar despercebido por entre eles (ele acreditava que isso fosse possível). Somente essa experiência de trabalho de campo lhe permitiria captar o que ele chamou de “o ponto de vista do nativo”, essencial para conseguir uma visão completa do universo nativo. Com efeito, ele propôs que este universo poderia ser compreendido captando três tipos de informação: a numérica e genealógica, o cotidiano e as interpretações nativas. A estes três tipos de informação denominou o esqueleto o corpo e a alma, sendo as três fontes igualmente fundamentais. Podemos deduzir facilmente que, ao conviver com os nativos e lhes conceder a palavra sobre si mesmos, a Antropologia do século XX foi se tornando cada vez menos etnocêntrica, ou seja, o discurso sobre o Outro – que é a Antropologia – deixou de ser centrado na sociedade do pesquisador e passou a ser relativizado com a vivência entre os nativos e sua visão deles mesmos. A Antropologia do século XX é, pois, o fruto de seu método, um método que surgiu de forma não planejada, que não foi o resultado de uma crítica teórica, mas de um descobrimento fortuito da importância de conviver e ouvir aqueles que pretendemos entender. Com o novo método, o seu objeto mudou: de “tribos”, “índios”, “aborígenes”, “bosquímanos”, “silvícolas”, “esquimós”, “primitivos” passamos a nos interessar nas sociedades humanas, todas e qualquer uma delas (“atrasada” ou “adiantada”, ocidental ou oriental, “moderna” ou “tradicional”, o bairro vizinho, a comunidade tal, a favela tal, as torres tal). O quê nos interessa dessas sociedades? Sua Alteridade, sua singularidade, a sua outredade, o que faz essas sociedades serem o que são. A Antropologia é o lugar, dentro do espaço das ciências ocidentais, para pensar a diferença e o antropólogo é aquele que se interessa pelo Outro: um sujeito bastante raro, é verdade, porque em lugar de querer defender uma identidade, queremos ser atingidos pelo Outro, em vez que nos enraizarmos num território de certezas, buscamos o desenraizamento crônico que nos leva à busca pelo Outro. Somos como os Tupinambás descritos por Eduardo Viveiros de Castro (2002b): de uma “radical incompletude” que nos deixa absolutamente atraídos pela alteridade, com um “impulso centrífugo” que nos faz enxergar a alteridade não como problema, mas como solução.
O método etnográfico, assim, se torna inseparável da própria Antropologia, definida por Márcio Goldman como “o estudo das experiências humanas a partir de uma experiência pessoal” (2006, p. 167).
voltar ao topoO método etnográfico
Mas o que é exatamente um método? É uma forma de nos aproximarmos da realidade que nos propomos estudar e entender. Se quisermos entender a vida urbana na cidade de Salvador, por exemplo, as possibilidades metodológicas são várias: podemos selecionar um grupo particular de nativos urbanos e estudá-los; estaremos usando o método de estudo de caso. Podemos escolher a trajetória de uma família e contar a sua história na cidade; estaremos usando o método biográfico. Podemos trabalhar com vários estudos de caso e estaremos usando o método comparativo. Podemos percorrer a cidade de forma lenta, corporificada e à deriva, estaremos usando o método do urbanismo errante. Ou podemos nos “jogar de cabeça” na vida de uma rua e estaremos usando o método etnográfico. O método etnográfico consiste num mergulho profundo e prolongado na vida cotidiana desses Outros que queremos apreender e compreender.
“o método etnográfico não se confunde nem se reduz a uma técnica; pode usar ou servir-se de várias, conforme as circunstâncias de cada pesquisa; ele é antes um modo de acercamento e apreensão do que um conjunto de
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