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Epistemologia Semiótica - Lucia Santaella

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Por:   •  25/5/2014  •  9.134 Palavras (37 Páginas)  •  1.040 Visualizações

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1. Os Três Ramos da Semiótica

Embora muitos pensem que a semiótica peirciana se reduza a uma teoria geral dos signos, esse é apenas o primeiro ramo de uma disciplina filosófica tripartite cujos outros dois ramos, além do primeiro, que recebeu o nome técnico de gramática especulativa, são: lógica crítica ou lógica propriamente dita e retórica especulativa ou metodêutica. A gramática especulativa investiga as condições sem as quais os signos não seriam o que são. A lógica crítica estuda os argumentos ou raciocínios, abdução, indução e dedução, isto é, as condições que dão segurança ao raciocínio.

A metodêutica, por sua vez, que tem sido o ramo menos estudado pelos comentadores de Peirce, é a teoria do método científico que resulta da inter-relação dos tipos de raciocínio investigados na lógica crítica, ou seja, considera as condições para que a pesquisa seja conduzida com sabedoria, tendo por finalidade última conceber como se dá o crescimento da razão. A metodêutica inclui também uma retórica especulativa voltada para o estudo “das condições necessárias para a transmissão do significado dos signos de uma mente a outra e de um estado da mente a outro” (CP 1.445), ou melhor, das condições para a transmissão de idéias e para a inteligibilidade dos signos (W1: 175). Por isso, para Peirce, esse terceiro ramo da semiótica é o seu ramo mais vivo, uma vez que dá conta, de um lado, das condições comunicativas dos signos e da fixação das crenças; de outro lado, dos procedimentos da pesquisa e sistematização das ciências. Segundo Liszka (2000: 470), ambas, retórica especulativa e metodêutica, podem ser conciliadas dentro de uma “retórica científica que trabalha para sublinhar as condições formais da pesquisa como uma prática que inclui pressuposições, propósitos, princípios e procedimentos”.

Para a proposição de uma epistemologia semiótica todos os três ramos da semiótica devem ser levados em consideração. Entretanto, mesmo que nos demoremos mais no primeiro ramo, já podemos extrair dele os fundamentos de maior relevância para essa tarefa.

Infelizmente, os conceitos semióticos de Peirce costumam ser simplificados e repetidamente reduzidos à famosa tríade dos ícones, índices e símbolos até o limite da esterilidade. Isso se dá porque são comumente ignorados os propósitos filosóficos e cognitivos desses e outros conceitos, assim como de suas inseparáveis inter-relações. Já em 1978, Buczyñska-Garewicz dizia que “toda utilização moderna da semiótica peirciana deve considerar e estar alerta a todo o conteúdo filosófico dessa teoria, caso contrário, ficaria reduzida a uma interpretação muito superficial e equivocada. Infelizmente, tor- nou-se moda aludir à semiótica de Peirce genericamente, ou a muitas de suas categorias semióticas, sem uma apreensão de seus sentidos profundos e multidimensionais” (p. 3).

Se é certo que os semioticistas em geral tendem a minimizar o fato de que a semiótica é uma dentre outras disciplinas filosóficas, estruturadas de modo interdependente no interior de uma arquitetura filosófica, há que se considerar, contudo, que, desde a morte de Peirce, os signos vêm crescendo e se multiplicando na cultura a tal ponto que é mais do que natural que especialistas em cinema, televisão, música, arte, internet etc. busquem na teoria dos signos ferramentas de análise para subsidiar seus estudos dos processos de criação de sentido. Todavia, isso não pode levar ao esqueci- mento de que as classificações de signos não são classificações em sentido estrito, mas “fornecem um padrão para a análise compreensiva dos signos que inclui todos os aspec- tos epistemológicos e ontológicos do universo dos signos, o problema da referência, da

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Cognitio, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 93-110, jan./jun. 2008

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Epistemologia Semiótica

realidade e ficção, a questão da objetividade, a análise lógica do significado e o proble- ma da verdade” (BUCZYÑSKA-GAREWICZ 1983: 27).

Aí estão elencadas as questões cruciais com que lida a epistemologia, no seu sentido mais legítimo. Conforme foi lucidamente explicitado por Oehler (1979), no seu seminal artigo sobre “As fundações cognitivas da teoria dos signos”, Peirce não apenas criou uma teoria dos mais diversos tipos de signos, mas plantou essa teoria em um solo fenomenológico original de modo que dela resultam implicações epistemológicas não menos originais, um verdadeiro giro copernicano na tradição que exige de quem delas se aproxima, entre outras coisas, o abandono cabal das ilusões de que a cognição e o conhecimento se dão na relação dual entre um objeto que se dá a conhecer e um sujeito conhecedor. De fato, ou se abandona esse preconceito dualista e qualquer um de seus disfarces, ou apenas se escorrega em torno da radicalidade do giro peirciano, sem con- seguir na verdade penetrá-lo.

Embora as relações diádicas sejam onipresentes no universo e na experiência humana, elas estão sempre subsumidas em relações triádicas, isto é, relações mediadas, relações sígnicas, pois o signo, para Peirce, é sinônimo de mediação. Quando, no con- texto da semiótica peirciana, se faz a afirmação de que tudo é signo, o que se quer dizer é que não há relações – e não apenas no universo humano – que possam escapar dos processos mediadores que são próprios dos signos. Evidentemente o mundo está pre- nhe de efetividades que se manifestam em ações e reações, polaridades, confrontos, conflitos. Essas efetividades, entretanto, seriam cegas e brutas, caso não houvesse prin- cípios guias, isto é, princípios gerais ativos para cumprir a função mediadora exercida pelas intenções, propósitos, discursos, leis. Tudo isso já começa no pensamento, esten- de-se para a percepção, obviamente para os signos externos (sons, palavras, formas visuais e todos os seus híbridos), alcança o mundo biológico e pode-se cogitar que avança pelo mundo puramente físico.

2. Pensamentos dão-se em Signos

Que todo pensamento se dá em signos é a famosa tese anticartesiana com que Peirce deu partida à criação da semiótica. Qualquer coisa, de qualquer espécie, que esteja presente à mente – imagem ou quase-imagem, relações claras ou vagas entre idéias, palavras soltas ou articuladas, memória, som, afecções, emoções – é signo genuíno ou quase-signo, este último um signo ainda rudimentar, mas não despido de potencial para funcionar como signo. Portanto,

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