O Espaço e historicidade do espaço nas salas de aula brasileiras
Por: Steffanie Matias • 8/7/2017 • Trabalho acadêmico • 2.375 Palavras (10 Páginas) • 257 Visualizações
O cotidiano do espaço escolar público brasileiro
O formato de escola que conhecemos existe há mais de 200 anos e ainda é considerado a principal forma de acesso à educação nos dias atuais. No entanto, a instituição escolar hoje é caracterizada por uma estrutura anacrônica, com práticas obsoletas e incompatíveis com o fluxo de circulação de ideias típicos da modernidade. Como afirma o integrante do Conselho Nacional de Educação, Mozart Neves Ramo, “O Brasil ainda tem uma escola do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI”. Com o intuito de investigar as contradições temporais que coexistem no ambiente escolar, faremos nesse trabalho uma descrição do espaço das escolas e das salas de aula de ensino médio brasileiro, buscando entender como as temporalidades desiguais da composição social descrita coexistem, datando-as. Com base no método regressivo proposto por Henri Lefebvre, buscaremos analisar a complexidade vertical da vida social e reencontrar no presente uma explicação analitica por tras da descrição e historicização feita, observando os conflitos/desencontros dos tempos e possibilidades de novo que surgem dessas contradições.
Uma descrição do cotidiano de uma escola pública de ensino médio de uma cidade qualquer, em um dia qualquer, pode nos fornecer informações riquíssimas para a investigação das micro relações que levam a reprodução da ordem social dominante, nos possibilitando entender o velho paradigma a que o sistema educacional está submetido:
“Tratando-se do cotidiano, trata-se portanto, de caracterizar a sociedade em que vivemos, que gera a cotidianidade (e a modernidade). Trata-se de defini-la, de definir suas transformações e suas perspectivas (...) Não apenas a cotidianidade é um conceito, como ainda podemos tomar esse conceito como fio condutor para conhecer a ‘sociedade’, situando o cotidiano no global: o Estado, a tecnica e a tecnicidade, a cultura (ou a decomposição da cultura) etc” (LEFEBVRE, 1991, p. 35).
Tomaremos aqui a ideia de que a instituição escolar ocupa um espaço que se torna um lugar específico, com caracteristicas determinadas, onde permanecer uma significativa quantidade de horas faz com que os indivíduos que a frequentam e se relacionam levem consigo uma vivência da escola como territitório. A noção então objetiva de lugar, a partir de uma vivência individual ou grupal, se torna uma noção subjetiva de território. (VIÑAO, 2005)
Existe uma série de elementos comuns a diversas escolas públicas brasileiras que exercem influencia na formação da subjetividade dos alunos que as frenquentam. A começar pela sua estrutura física, é comum as instalações escolares se localizarem em prédios antigos, com muros em volta e com janelas e portas com grades, trancas e cadeados, estrutura muito semelhante a encontrada nos presídios. As portas das salas se dispõe em extensos corredores, muitas vezes mal arejados e iluminados, realizando a separação dos alunos em turmas. As classes são dividas a partir da faixa etária a que estes pertencem, não levando em consideração suas aptidões e diferentes formas de aprendizado e de métodos de ensino com que cada indivíduo se adequa melhor. Muitas vezes agrupa-se em uma mesma turma um número de alunos muito acima do recomendável para que ocorra um bom aproveitamento da sala. Dificilmente as instalações propiciam aos alunos um ambiente atrativo, aconchegante e estimulante às atividades em grupo. É apenas no pátio das escolas em que se dá a possibilidade de construção da subjetividade a partir da interação social entre as diferentes faixas etárias e a formação de vínculos entre os alunos. Já no que tange o aprendizado em sala, tem-se uma configuração espacial com alunos sentados idividualmente em fileiras organizadas, com suas carteiras voltadas para o professor, que é visto por toda a sala e que vê todos os alunos. A relação aluno-professor não se dá de forma horizontal. O docente realiza uma exposição de conteudo, situando-se a frente de um quadro onde este pode anotar as informações que julgar necessário, ao passo que os alunos são apenas ouvintes, passivos em relação ao conhecimento acumulado que é transmitido. Além disso, os alunos também não possuem permissão para dialogar entre si, o contato físico é repreendido e a educação emocional inexiste. Em situações de avaliação, são submetidos à conteúdos cuja respotas certas já são pré-determinadas, recebendo notas, sendo classificados através de números (ou letras) que os defina ou que compare suas capacidades de reprodução do conteúdo apresentado. Dessa forma, é tirado do estudante qualquer possibilidade de discussão, formação de pensamento crítico e de questionamento a esses conteúdos e às formas de avaliação. A sala de aula constitui um sistema fechado, impenetrável pelas mudanças e questões que fazem parte da vida dos alunos fora da sala de aula. Como consequencia disso, é possível observamos no cotidiano das salas alunos desinteressados pelo aprendizado e desacreditados de suas capacidades, muitas vezes transformando sua insatisfação em desrespeito ao professor e em desprezo pelo conhecimento escolar. De maneira geral, os estudantes são submetidos a uma série de rígidas disciplinas que devem ser aprendidas e reproduzidas nos testes e provas, e a um conjunto de regras de comportamento que devem ser seguidos, “fazendo com que submissão e obediência sejam “virtudes” a serem cultivadas” (MORAES, 2003, p. 8).
Diante disso, podemos relacionar o caráter coercitivo e limitante do formato escolar predominante ao projeto de educação pretendido no momento histórico em que se estabeleceu a escola pública e gratuita no Brasil, sendo importante atentar aos interesses políticos do processo de inserção desse moldelo escolar no mundo urbano e à contruibuição para a transformação social dos indívíduos a que ela se destinou.
No mundo cristão ocidental a educação sempre esteve nas mãos da Igreja Católica. Apenas no final do século XVIII e início do século XIX surge na Prussia o conceito de educação pública, gratuita e obrigatória que temos hoje. Com o fim de evitar as revoluções que ocorriam na França no período, os manarcas incluiram em suas ações alguns princípios do Iluminismo para satisfazer o povo em seus anseios revolucionários, mas com o intuito de manter o regime absolutista. A escola prussiana se baseava na forte divisão de classes e castas e sua estrutura, herdada do regime militar e punitivo espartano, fomentava a disciplina, a obediência e o regime autoritário, formando ‘docéis súditos’ desses estados através da educação controlada. A transmissão de saberes nesse sistema educacional, se dava de cima para baixo, com alunos dispostos individualmente, todos voltados ao professor, figura que detinha o conhecimento. Esse modelo educacional se espalhou pelo mundo, e em poucos anos educadores visitaram a Prússia para se capacitar. Muitos países importaram esse formato escolar com o discurso de acesso à educação para todos e elevando a bandeira da igualdade, quando justamente a essência do sistema provinha do despotismo, que buscava perpetuar modelos elitistas e a divisão de classes. A escola então se configura a partir da ideia de criar um corpo docente capaz de dirigir a opinião dos indivíduos. Além disso, o projeto de instrução pública que foi se constituindo no século XIX propunha o progresso material, intelectual e moral dos homens de acordo com as demandas criadas pelo processo de racionalização e de industrialização da modernidade, e também tinha como propósito a expansão, por todos os meios possíveis, da instrução das camadas menos favorecidas, a fim de preparar essa mão de obra para mundo do trabalho.
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