“QUEM É ESTA SENHORA”, ALICE DA PORCIÚNCULA E O PAPEL DA MULHER NA SALVAGUARDA DAS MEMÓRIAS.
Por: Mayara Lacal • 6/12/2019 • Artigo • 1.700 Palavras (7 Páginas) • 315 Visualizações
“QUEM É ESTA SENHORA”, ALICE DA PORCIÚNCULA E O PAPEL DA MULHER NA SALVAGUARDA DAS MEMÓRIAS.
Mayara Lacal Cunha Ladeia[1]
INTRODUÇÃO
O texto ensaístico a seguir tem como objetivo a partir da obra A Fabricação do Imortal de Regina Abreu analisar o papel da mulher na salvaguarda das memórias observando a trajetória de Alice da Porciúncula durante o processo de doação da coleção de Miguel Calmon ao Museu Nacional, bem como, sinalizar a imortalização da doadora como reflexo importante deste movimento.
1- Gênero como determinante nas possíveis relações museais.
Ao falar de memória e instituições uma parte importante e evidente deste processo são as doações de acervo para formação das coleções dos espaços museais. Quando observamos a doação da coleção Miguel Calmon a partir da obra de regina abreu “A Fabricação do Imortal”, fica evidente a importância de se pensar estes processos, porém o foco central recai sobre Alice da Porciúncula, não à toa.
Sabemos que a condição da mulher sobre os símbolos de memória de um estado patriarcal enfrenta grande resistência e ocupa pouco espaço no que se entende como os registros oficiais destes movimentos.
Porém ao analisarmos a fundo um acervo e seus processos de aquisição e seus doadores levando em consideração questionamentos acerca de toda a sua trajetória, descobrimos e evidenciamos sujeitos outros, apagados até então por processos se não intencionais, ao menos enraizados nas estruturas historiográficas das memórias.
Este movimento de trazer a luz reflexões acerca de tudo que envolve uma política de aquisição e doação de coleções fica evidenciado na obra de Regina Abreu quando ela, ao fazê lo, coloca em foco o papel de Alice da Porciúncula, pois é preciso também observar as relações de gênero. É necessário perguntar se as coleções que estão nos museus refletem e tornam visíveis as contribuições das mulheres nas memórias que essas instituições e processos preservam e contam.
Ao olhar para a realidade tomando gênero como eixo central de análise observamos as relações entre mulheres e homens e podemos questionar os efeitos dessas relações em diversas esferas da vida cotidiana (familiar/ doméstico, trabalho/profissional, lazer/descanso, atividades sociais, etc.;). Isso implica no reconhecimento de que os papéis e as condições de mulheres e homens respondem a uma construção social situada historicamente e sujeita a mudanças.
Pensar gênero permite revisar e analisar a condição das mulheres em diversos contextos revelando na maioria das vezes situações de desigualdade, demonstrando assimetrias nas relações de poder presentes nas experiências de mulheres e homens em nossa sociedade é, por consequência, seus processos museais. Também nos ajuda a enxergar e criticar alguns discursos que têm sido sustentados pelo sistema patriarcal dominante. Deste modo, problematizar gênero nas relações cotidianas se torna um instrumento que fortalece a ideia de transformação das realidades sociais.
É necessário discutir a visibilidade dessas coleções nas exposições e a criação de instrumentos nos sistemas de documentação e catalogação que evidenciem campos de recuperação nos quais a informação sobre mulheres seja um campo informacional existente e relevante de buscas e pesquisas, pensado desta forma Regina Abreu fez um grandioso trabalho.
Alice representa o exemplo do papel da mulher na salvaguarda da memória,que por conta de seu papel social são em sua grande maioria as responsáveis por cuidar é organizar durante a vida os objetos que posteriormente se transformaram em objetos de registro histórico, em documento social, em coleções e acervos. Alice desempenhou não apenas este papel já esperado mas também conseguiu se destacar por diversos fatores explicitados em ordem de acontecimentos salientados a seguir.
2- Quem é esta senhora: Alice da Porciúncula.
Alice da Porciúncula Calmon du Pin e Almeida como ressalta a autora em sua obra a partir das afirmações levantada por seus biógrafos era uma mulher que correspondia às exigências de seu tempo e de seu papel como esposa de um homem com grande prestígio público, Miguel Calmon du Pu Pin e Almeida, cuja trajetória política declina com a Revolução de 30, perdendo seu cargo político como senador em 1931 e vindo a falecer em 1935 “...sucumbindo ao fim da Primeira República” (ABREU,1996 ).
Com a morte do marido a quem devotou grande parte de sua vida e vendo- se impossibilitada de dar continuidade a perpetuação de sua memória pois não tivera filhos com Miguel, acaba por doar objetos da vida pública do marido, vendo nesta atitude a possibilidade de imortalizar sua própria história.
De família tradicional gaúcha, Alice se vê obrigada a encontrar novos sentido a sua própria existência, pela primeira vez ela está sozinha. Entretanto Alice possui ainda que ocupando o papel da mulher na sociedade de trinta prestígio social dado o lugar que ela ocupa.
É exatamente neste ponto onde a autora não deixa explícito o que de fato leva esta mulher a doar estes objetos que podemos observar e propor o que motivou ela a tal feito. Ora, finalmente Alice pode sair às sombra de seu marido e desempenhar um papel no qual ela se configura como destaque, a agente, o poder. Não mais Alice se encontra a sombra de um homem, ela se torna então sujeita de sua própria história.
Alice reuniu na coleção apenas objetos que refletissem a vida pública de Miguel, ficando a mesma de fora destas representações. Cada objeto escolhido carregava em si suntuosidade e legitimação por meio do simbólico de feitos públicos.
Apesar disso seu papel de destaque é evidente, assim como pensar o lugar da mulher na salvaguarda das memórias. Alice tinha contato importante dentro do Museu Nacional, seu sobrinho Pedro Calmon é por intermédio dele chega até Gustavo Barroso então diretor do Museu Nacional, que dadas as circunstâncias é na ânsia por manter o saudosismo de amor a pátria se referência ao império como maneira de tecer a história é manter a narrativa imperial, aceita de bom grado tanto a doação quanto à participação ativa da viúva nas decisões é cláusulas que viabilizavam o contrato. Alice participa de absolutamente tudo envolvendo a colecao, processos é permanência no dentro do Museu. É verdade que a doação de Alice vem a calhar as expectativas do diretor do Museu, também é explícito o interesse do mesmo uma vez que a família Calmon é parente da família Imperial, afinal as narrativas de memória sempre se estabelecem a partir das relações de poder e das potências e agências empregadas sobre elas. Tudo foi muito rápido, Alice em 1936 oficializa a doação da maior coleção do Museu Nacional.
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