Simmel
Pesquisas Acadêmicas: Simmel. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: samueltmc • 18/3/2015 • 1.588 Palavras (7 Páginas) • 138 Visualizações
AS GRANDES CIDADES E A VIDA DO ESPÍRITO
(1903)
Georg Simmel
Os problemas mais profundos da vida moderna brotam da pretensão do
indivíduo de preservar a autonomia e a peculiaridade de sua existência
frente às superioridades da sociedade, da herança histórica, da cultura
exterior e da técnica da vida — a última reconfiguração da luta com a
natureza que o homem primitivo levou a cabo em favor de sua existência
corporal. Se o século XVIII pode clamar pela libertação de todos os vínculos
que resultaram historicamente no estado e na religião, na moral e
na economia, para que com isso a natureza originalmente boa, e que é a
mesma em todos os homens, pudesse se desenvolver sem empecilhos; se
o século XIX reivindicou, ao lado da mera liberdade, a particularidade
humana e de suas realizações, dadas pela divisão do trabalho, que torna
o singular incomparável e o mais indispensável possível, mas com isso o
atrela mais estreitamente à complementação por todos os outros; se
Nietzsche vê a condição para o pleno desenvolvimento dos indivíduos na
luta mais brutal dos singulares, ou o socialismo, precisamente na manutenção
do nível mais baixo de toda concorrência — em tudo isto atua o
mesmo motivo fundamental: a resistência do sujeito a ser nivelado e consumido
em um mecanismo técnico-social. Onde os produtos da vida especificamente
moderna são indagados acerca de sua interioridade; onde
por assim dizer o corpo da cultura é indagado acerca de sua alma —
como me parece ser atualmente o caso no que diz respeito às nossas
grandes cidades —, a resposta precisa ser buscada na equalização promovida
por tais formações entre os conteúdos individuais e supra-individuais
da vida, nas adaptações da personalidade, mediante as quais ela
se conforma com as potências que lhe são exteriores.
O fundamento psicológico sobre o qual se eleva o tipo das individualidades
da cidade grande é a intensificação da vida nervosa, que resulta
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578 AS GRANDES CIDADES E A VIDA DO ESPÍRITO
da mudança rápida e ininterrupta de impressões interiores e exteriores.
O homem é um ser que faz distinções, isto é, sua consciência é estimulada
mediante a distinção da impressão atual frente a que lhe precede. As impressões
persistentes, a insignificância de suas diferenças, a regularidade
habitual de seu transcurso e de suas oposições exigem por assim dizer
menos consciência do que a rápida concentração de imagens em mudança,
o intervalo ríspido no interior daquilo que se compreende com um
olhar, o caráter inesperado das impressões que se impõem. Na medida
em que a cidade grande cria precisamente estas condições psicológicas
— a cada saída à rua, com a velocidade e as variedades da vida econômica,
profissional e social —, ela propicia, já nos fundamentos sensíveis da
vida anímica, no quantum da consciência que ela nos exige em virtude
de nossa organização enquanto seres que operam distinções, uma oposição
profunda com relação à cidade pequena e à vida no campo, com ritmo
mais lento e mais habitual, que corre mais uniformemente de sua imagem
sensível-espiritual de vida. Com isso se compreende sobretudo o
caráter intelectualista da vida anímica do habitante da cidade grande,
frente ao habitante da cidade pequena, que é antes baseado no ânimo e
nas relações pautadas pelo sentimento. Pois estas lançam raízes nas camadas
mais inconscientes da alma e crescem sobretudo na calma proporção
de hábitos ininterruptos. Em contraposição a isto, o lugar do entendimento
são as camadas mais superiores, conscientes e transparentes de
nossa alma; ele é, de nossas forças interiores, a mais capaz de adaptação.
Ele não necessita, para acomodar-se com a mudança e oposição dos fenômenos,
das comoções e do revolver interior, sem os quais o ânimo mais
conservador não saberia se conformar ao ritmo uniforme dos fenômenos.
Assim, o tipo do habitante da cidade grande — que naturalmente é envolto
em milhares de modificações individuais — cria um órgão protetor
contra o desenraizamento com o qual as correntes e discrepâncias de seu
meio exterior o ameaçam: ele reage não com o ânimo, mas sobretudo com
o entendimento, para o que a intensificação da consciência, criada pela
mesma causa, propicia a prerrogativa anímica. Com isso, a reação àqueles
fenômenos é deslocada para o órgão psíquico menos sensível, que
está o mais distante possível das profundezas da personalidade. Essa
atuação
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