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A MORTE DAS LINGUAS

Por:   •  25/6/2015  •  Resenha  •  3.394 Palavras (14 Páginas)  •  283 Visualizações

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A MORTE DAS LÍNGUAS

Por Santos Mateus em Domingo, 2 de março de 2014 às 23:23

AS LÍNGUAS DO NOSSO PLANETA ESTÃO MORRENDO

Payal Sampat   2002

Tradução: Pedro Lourenço Gomes

 

Marathi. Gujarati. Hindi. Inglês. Kutchi. Em Bombaim, na Índia, onde fui criado, eu usava estas línguas todos os dias. Para andar pelas ruas, pedir uma orientação e interagir com as pessoas eu tinha que ser capaz de falar marathi. Para ir à loja da esquina comprar arroz ou tomates para o jantar eu tinha que falar um pouco de gujarati, a língua de diversos comerciantes locais. Os meninos de minha escola vinham de tantas regiões linguísticas diferentes que nós conversávamos ou em inglês, a língua das aulas, ou em hindi, a língua mais amplamente falada da Índia.

 

Enquanto isto meus avós falavam kutchi, a língua dos nossos ancestrais que vieram dos desertos da Índia ocidental. A despeito de seus melhores esforços, eu fazia tudo que podia para evitar responder a meus avós em kutchi. Afinal, eles podiam conversar fluentemente em muitas das línguas de trabalho de Bombaim, e eu senti desde pequeno que o kutchi não era útil de qualquer maneira visível. Não podia me ajudar a fazer amigos, seguir o que estava na TV ou conseguir melhores notas. Então, desde o início, abandonei a língua dos meus ancestrais e ao invés escolhi operar no ambiente linguístico prevalecente.

 

Marathi, gujarati, hindi e inglês, cada uma delas é falada por pelo menos 40.000.000 de indianos. O kutchi, por outro lado, tem talvez 800.000 falantes - e este número está declinando à medida que mais e mais pessoas jovens que falam o kutchi se voltam para o gujarati ou para o inglês. Este declínio torna a língua crescentemente vulnerável a diversas outras pressões. Em janeiro de 2001, a Índia ocidental sofreu um catastrófico terremoto cujo epicentro foi em Kutch. Como resultado, o kutchi perdeu por volta de 30.000 falantes.

 

A Índia é um país densamente poliglota. As estimativas das línguas faladas lá variam muito, dependendo onde se traça a linha entre língua e dialeto. Um reconhecimento conservador colocaria o número de línguas nativas da Índia em torno de 400, das quais umas 350 estão perdendo falantes rapidamente. O mesmo se aplica a milhares de outras línguas por todo o mundo. A maioria destas línguas em extinção não chega perto do kutchi em termos de número de falantes. Das 6.800 línguas que restaram no mundo, quase metade são faladas hoje em dia por menos de 2.500 pessoas. À taxa atual de declínio, os peritos estimam que por volta do final deste século pelo menos metade das línguas do mundo terá desaparecido - uma taxa de extinção que resulta em uma morte linguística, em média, a cada duas semanas - e esta é a estimativa conservadora. Alguns peritos prevêem que as perdas podem chegar a 90%. Michael Krauss, um linguista do Alaskan Native Language Center e uma autoridade em perda linguística global, avalia que apenas umas 600 línguas do mundo estão "a salvo" da extinção, significando que elas ainda estão sendo aprendidas por crianças.

 

Acredita-se que a capacidade humana para a linguagem surgiu em algum ponto entre 20.000 e 100.000 anos atrás. Muitas línguas surgiram e se foram desde então, é claro, mas é improvável que o sortimento global tenha sofrido algum dia um declínio tão extenso e crônico. Este processo parece ter se originado no século 15, à medida que surgiu a era da expansão européia.  Pelo menos 15.000 línguas eram faladas no início daquele século. Desde então, mais de 4.000 línguas desapareceram como resultado de guerras, genocídio, proibições legais e assimilação. Muitos antropólogos consideram o declínio análogo à perda de biodiversidade. Em ambos os casos, estamos perdendo rapidamente recursos que tomaram milênios para se desenvolver.

 

Hoje em dia, a fala do mundo está crescentemente homegeneizada. As 15 línguas mais comuns estão atualmente nos lábios de metade da população mundial, e as cem maiores são usadas por 90% da humanidade. As línguas européias ganharam desproporcionalmente com esta tendência, A Europa tem uma diversidade linguística relativamente baixa - apenas 4% das línguas do mundo se originaram ali - mas metade das dez línguas mais comuns são européias. É claro que, como primeira língua, a mais comum do mundo não é européia, mas asiática. O chinês mandarim hoje é falado por perto de 900.000.000 de pessoas. Entretanto, o inglês é o meio primário de comunicação em ciência, comércio e cultura popular. A maior parte dos livros, jornais e e-mails do mundo são escritos em inglês, atualmente falado por mais pessoas como segunda língua (350.000.000) do que como língua nativa (322.000.000). De acordo com uma estimativa, o inglês é usado de alguma forma por 1.600.000.000 de pessoas todos os dias.

 

A maioria das línguas, em contraste, têm uma distribuição muito limitada. A maior parte da diversidade linguística do planeta se concentra em apenas algumas regiões - todas elas extremamente ricas em biodiversidade também. A região do Pacífico,  particularmente, produziu uma surpreendente diversidade da palavra falada. A ilha da Nova Guiné, que a nação de Papua Nova Guiné compartilha com o estado indonésio de Irian Jaya, produziu umas 1.100 línguas. A Nova Guiné é o lar de apenas 0,1% da população mundial, mas ainda assim estas pessoas falam talvez um sexto das línguas do mundo. Outras 172 são faladas nas Filipinas, e supreendentes 110 podem ser ouvidas no minúsculo arquipélago de Vanuatu, habitado por menos de 200.000 pessoas. No geral, mais de metade das línguas ocorrem em apenas oito países: Papua Nova Guiné e Indonésia têm 832 e 731, respectivamente; Nigéria, 515; Índia, umas 400; México, Camarões e Austrália, apenas umas 300 cada um; e o Brasil, 234. (Estes números vêm do Ethnologue, um banco de dados publicado pelo Summer Institute of Linguistics, em Austin, Texas. Os totais podem incluir línguas que recentemente se extinguiram).

 

Alguns destes "pontos quentes" linguísticos parecem estar à beira de uma implosão cultural. Na Austrália, por exemplo, uns 90% das 250 línguas aborígenes do país estão perto da extinção; apenas sete têm mais de 1.000 falantes; e apenas umas duas ou três provavelmente sobreviverão nos próximos cinquenta anos, mais ou menos. Fica aparente no Ethnologue que a Austrália está perdendo línguas a uma rápida taxa. A maioria das mais ou menos 50 línguas de Queensland estão listadas como tendo menos de 20 falantes, ou como já extintas. O futuro também parece ruim para muitas línguas do oeste e do sul da Austrália. Pessoas cujos pais falavam mangala ou tyaraity, por exemplo, preferem o inglês aborígene ou  kriol, uma língua híbrida baseada no inglês. Este tipo de hemorragia linguística não está confinado aos pontos quentes. Sério declínio pode ser encontrado virtualmente por toda parte, como uma breve visão dos continentes do mundo mostrará.

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