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Apologia De Socrates

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Por:   •  24/11/2014  •  11.407 Palavras (46 Páginas)  •  328 Visualizações

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APOLOGIA DE SOCRATES

Primeira Parte.

Sócrates apresenta a sua defesa

I O que vós, cidadãos atenienses, haveis sentido com o manejo dos meus acusadores, não sei; o certo é que eu, devido a eles, quase me esquecia de mim mesmo, tão persuasivos foram. Contudo, não disseram nada de verdadeiro. Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar. Mas, então, não se envergonham disto, de que logo seriam desmentidos com fatos, quando eu me apresentasse diante de vós, de nenhum modo hábil orador? Essa me parece a sua maior imprudência se, todavia, denominam "hábil no falar" aquele que diz a verdade. Porque, se dizem exatamente isso, poderei confessar que sou orador, não porém à sua maneira. Assim, pois, como acabei de dizer, pouco ou absolutamente nada disseram da verdade; mas, ao contrário, eu vo-la direi em toda a sua claridade. Contudo, por Zeus, não ouvireis, por certo, cidadãos atenienses, discursos enfeitados de locuções e de palavras, ou adornados como os deles, mas coisas ditas simplesmente com as palavras que me vierem à boca, pois estou certo de que é justo o que eu digo, e nenhum de vós espera outra coisa. Em verdade, nem conviria que eu, nesta minha idade, me apresentasse diante de vós, ó cidadãos, como um jovenzinho que estuda os seus discursos. E, todavia, cidadãos atenienses, isto vos peço: se sentirdes que me defendo com os mesmos raciocínios com os quais costumo falar nas feiras, ou nos lugares onde muitos de vós me tendes ouvido, não vos espanteis por isso, nem provoqueis clamor, porquanto, é esta a primeira vez que me apresento diante de um tribunal, e com mais de setenta anos de idade! Por isso, sou quase estranho ao modo de falar daqui. Se eu fosse realmente um estrangeiro, sem dúvida, me perdoaríeis, se eu falasse na língua e da maneira pelas quais tivesse sido educado; assim também agora vos peço uma coisa que me parece justa: permiti-me, em primeiro lugar, o meu modo de falar – e poderá ser pior, ou mesmo melhor – depois, considerai o seguinte e só prestai atenção a isto: se o que eu digo é justo ou não. Essa, de fato, é a virtude do juiz, do orador: dizer a verdade.

II É justo, pois, cidadãos atenienses, que em primeiro lugar, eu me defenda das primeiras acusações que me foram apresentadas, e dos primeiros acusadores; depois, me defenderei das últimas e dos últimos. Porque muitos dos meus acusadores têm vindo até vós há bastante tempo, talvez anos, sem jamais dizerem a verdade; a esses eu temo mais do que a Anito e aos seus companheiros, embora também sejam temíveis esses últimos. Mais temíveis porém são os primeiros, ó cidadãos, os quais tomando a maior parte de vós, desde crianças, vos persuadiam e me acusavam falsamente, dizendo- vos que há um tal Sócrates, homem douto, especulador das coisas celestes e investigador das subterrâneas, e que torna mais forte a razão mais fraca. Esses, cidadãos atenienses, que divulgaram tais coisas, são os acusadores que eu temo; pois aqueles que os escutam julgam que os investigadores de tais coisas não acreditam nem mesmo nos Deuses. Esses acusadores são muitos e me acusam há muito tempo; e, além disso, vos falavam naquela idade em que mais facilmente podíeis dar crédito, quando éreis crianças e alguns de vós ainda muito jovens, acusando-me com pertinaz tenacidade, sem que

ninguém me defendesse. E o que é mais absurdo é que não se pode saber nem dizer os seus nomes, exceto, talvez, algum comediógrafo. Por isso, quantos, por inveja ou calúnia, vos persuadiam, e os que, convencidos, procuravam persuadir a outros, são todos, por assim dizer, inabordáveis; porque não é possível fazê-los comparecer aqui, nem refutar nenhum deles, mas devo eu mesmo me defender, quase combatendo com sombras, sem que ninguém me responda. Admiti, também vós, como eu digo, que os meus acusadores são de duas espécies: uns, que me acusaram recentemente, outros, há muito, e dos quais estou falando, e convinde que devo me defender primeiramente destes, porque também vós os ouvistes acusar-me em primeiro lugar e durante muito mais tempo que estes outros últimos. Então, cidadãos atenienses, devo defender-me e procurar remover de vossa mente, em tão rápida hora, a má opinião acolhida por vós durante tanto tempo. Eu desejaria consegui-lo, e seria o melhor, para vós e para mim, se, defendendo-me, obtivesse algum proveito; mas vejo a coisa difícil, e bem percebo por quê. De resto, seja como Deus quiser: agora é preciso obedecer à lei, e me defender.

III Prossigamos, pois, e vejamos, de início, qual é a acusação, de onde nasce a calúnia contra mim, baseado neste processo que Meleto me moveu. Ora bem, o que diziam os caluniadores ao caluniar-me? É necessário ler a ata da acusação jurada por esses acusadores: Sócrates comete crime e perde a sua obra, investigando as coisas terrenas e as celestes, e tornando mais forte a razão mais débil, e ensinando isso aos outros. Eis, mais ou menos, a acusação: e isso já vistes, na comédia de Aristófanes, onde aparece, aqui e ali, um Sócrates que diz caminhar pelos ares e exibe muitas outras tolices, das quais não entendo nem muito, nem pouco. E não digo isso por desprezar tal ciência, se é que há alguma sabedoria nela, mas o fato é, cidadãos atenienses, que de maneira alguma me ocupo de semelhantes coisas, e apresento as testemunhas: vós mesmos, e peço que vos informeis reciprocamente, e mutuamente vos interrogueis quantos de vós me ouviram discursar algum dia, e muitos dentre vós sois desses, perguntai-vos uns aos outros se alguém alguma vez me ouviu falar, ou muito, ou pouco, sobre tais assuntos, e então reconhecereis que tais são, do mesmo modo, as outras mentiras que dizem de mim.

IV Na realidade, nada disso é verdadeiro e, se tendes ouvido de alguém que instruo e ganho dinheiro com isso, não é verdade. Embora, em realidade, isso me pareça bela coisa: que alguém seja capaz de instruir os homens, como Górgias Leontino, Pródico de Coo, e Hípias de Élide. Porquanto, cada um desses, ó cidadãos, passando de cidade em cidade, é capaz de persuadir os jovens, os quais poderiam conversar gratuitamente com todos os cidadãos que quisessem, é capaz de persuadir a estar com eles, deixando as outras conversações. Mas aqui há outro erudito de Paros, o qual eu soube que veio para junto de nós, porque encontrei por acaso um que despendeu com os sofistas mais dinheiro que todos os outros juntos, Cálias de Hipônico. Tem dois filhos e eu o interroguei: — Cálias, se

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