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Dicionario Karl Marx

Por:   •  11/5/2016  •  Projeto de pesquisa  •  46.025 Palavras (185 Páginas)  •  462 Visualizações

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Alienação No sentido que lhe é dado por Marx, ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios, estranhos, enfim, alienados [1] aos resultados ou produtos de sua própria atividade (e à atividade ela mesma), e/ou [2] à natureza na qual vivem, e/ou [3] a outros seres humanos, e – além de, e através de, [1], [2] e [3] – também [4] a si mesmos (às suas possibilidades humanas constituídas historicamente). Assim concebida, a alienação é sempre alienação de si próprio ou autoalienação, isto é, alienação do homem (ou de seu ser próprio) em relação a si mesmo (às suas possibilidades humanas), através dele próprio (pela sua própria atividade). E a alienação de si mesmo não é apenas uma entre outras formas de alienação, mas a sua própria essência e estrutura básica. Por outro lado, a “autoalienação” ou alienação de si mesmo não é apenas um conceito (descritivo), mas também um apelo em favor de uma modificação revolucionária do mundo (desalienação). O conceito de alienação, considerado hoje como um dos conceitos centrais do marxismo e amplamente usado tanto por marxistas como não marxistas, só entrou para os dicionários de filosofia na segunda metade do século XX. Antes, porém, era considerado como um importante termo filosófico e foi muito usado mesmo fora da filosofia: na vida cotidiana, no sentido de afastamento de antigos amigos ou companheiros; na teoria econômica e no direito, como termo para designar a transferência da propriedade de uma pessoa para outra (compra e venda, roubo, doação); na medicina e na psiquiatria, como nome para o desvio da normalidade, a insanidade. E antes de se ter desenvolvido como um “conceito” metafilosófico (revolucionário) com Marx, foi usado como conceito filosófico por HEGEL e por FEUERBACH. Em seus comentários sobre a alienação, Hegel teve, por sua vez, vários predecessores, alguns dos quais usaram a palavra sem se aproximarem de seu significado hegeliano (ou marxista); outros foram precursores da ideia sem usar a expressão, e, em alguns casos, houve até mesmo uma espécie de encontro entre a ideia e o termo que a indica. A doutrina cristã do pecado original e da redenção tem sido considerada por muitos autores como uma das primeiras versões da história da alienação e da desalienação do homem. Alguns deles insistiram em que o conceito de alienação teve sua primeira expressão no pensamento ocidental no conceito de idolatria do Velho Testamento. A relação entre os seres humanos e o Logos, em Heráclito, também pode ser analisada em termos de alienação. E alguns comentaristas sustentaram que a origem da concepção que Hegel tinha da natureza como forma autoalienada do Espírito Absoluto pode ser encontrada na interpretação de Platão do mundo natural como uma imagem imperfeita do nobre mundo das Ideias. Na época moderna, a terminologia e a problemática da alienação encontram-se especialmente nos teóricos do Contrato Social. Assim, Hugo Grotius usou a expressão alienação para designar a transferência para outra pessoa da autoridade soberana do homem sobre si mesmo. Mas, a despeito do uso da expressão (como em Grotius) ou não (como em Hobbes e Locke), a própria ideia do Contrato Social pode ser vista como uma tentativa de fazer progressos no sentido da desalienação (conseguir maior liberdade, ou pelo menos maior segurança), por meio de uma alienação parcial deliberada. Essa lista de precursores poderia ser facilmente ampliada. Mas provavelmente não há nenhum pensador antes de Hegel que possa ser lido e compreendido em termos da alienação e desalienação melhor do que Rousseau. Para mencionarmos apenas dois entre os aspectos mais relevantes, a oposição estabelecida por Rousseau entre o homem natural (l’homme de la nature, l’homme naturel, le sauvage) e o homem social (l’homme policé, l’homme civil, l’homme social) poderia ser comparada com a oposição entre o homem não alienado e o homem autoalienado, e o projeto rousseauniano de superação da contradição entre a volonté générale e a volonté particulière pode ser considerado como um programa para a abolição da alienação. Mas apesar de todos os precursores, e de Rousseau inclusive, a verdadeira história filosófica da alienação começa com Hegel. Embora a ideia de alienação, sob o nome de Positivität (positividade), surja nos primeiros escritos de Hegel, seu desenvolvimento explícito como termo filosófico tem início na Phänomenologie des Geistes (Fenomenologia do Espírito). E embora o seu estudo esteja concentrado de forma mais direta na seção da obra intitulada “O espírito alienado de si mesmo; Cultura”, a alienação é, na realidade, o conceito central e a ideia mais importante de todo o livro. Da mesma maneira, embora não exista uma análise concentrada e explícita da alienação em suas obras posteriores, todo o sistema filosófico de Hegel, tal como apresentado de forma resumida em sua Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften (Enciclopédia das ciências filosóficas), e mais extensivamente em suas demais obras e conferências posteriores, foi construído com a ajuda das ideias da alienação e desalienação. Em um sentido básico, o conceito de auto-alienação aplica-se, em Hegel, ao Absoluto. A Ideia Absoluta (Espírito Absoluto), que para ele é a única realidade, é um Eu dinâmico envolvido em um processo circular de alienação e desalienação. Torna-se alienado de si mesmo na Natureza (que é a forma autoalienada da Ideia Absoluta) e volta de sua auto-alienação no Espírito Finito, o homem (que é o Absoluto no processo de desalienação). A autoalienação e a desalienação são, dessa maneira, a forma do Ser do Absoluto. Em outro sentido básico (que resulta diretamente do primeiro), a autoalienação pode ser aplicada ao Espírito Finito, ou homem. Na medida em que é um ser natural, o homem é um espírito alienado de si. Mas, na medida em que é um ser histórico, capaz de conseguir um conhecimento adequado do Absoluto (o que significa também conhecer a natureza e a si mesmo), o homem é capaz de se tornar um ser desalienado, realizando o Espírito Finito a sua vocação para a construção do Absoluto. Assim, a estrutura básica do homem também pode ser descrita como autoalienação ou alienação de si e desalienação. Há um outro sentido no qual a alienação pode ser atribuída ao homem. É uma característica essencial do Espírito Finito (homem) produzir coisas, expressar-se em objetos, objetificar-se em coisas físicas, instituições sociais e produtos culturais. E toda objetificação é necessariamente um exemplo de alienação: os objetos produzidos tornam-se alheios ao produtor. A alienação, nesse sentido, só pode ser superada no sentido de ser conhecida de maneira adequada. Vários outros sentidos de alienação foram descobertos em Hegel, pelos estudiosos de sua obra. Schacht, por exemplo, concluiu ter Hegel usado o termo em dois sentidos bastante diferentes: “alienação¹”, que significa “uma separação ou relação discordante como a que poderia existir entre o indivíduo e a substância social, ou (como alienação de si) entre a condição real e a natureza essencial” e “alienação²” que significa “entrega ou sacrifício da particularidade e da intencionalidade, em conexão com a superação da alienação¹ e o restabelecimento da unidade” (Schacht, 1970, p.35). Em sua crítica da filosofia de Hegel publicada em 1839 e em outros escritos, como Das Wesen des Christentums (A essência do cristianismo, 1841) e Grundsätzer der Philosophie der Zukunft (Os princípios da filosofia do futuro, 1843) Feuerbach criticou a concepção hegeliana de que a natureza é uma forma autoalienada do Espírito Absoluto e o homem é o Espírito Absoluto no processo de desalienação. Para Feuerbach, o homem não é Deus autoalienado, mas Deus é o homem autoalienado: é apenas a essência abstraída do homem, absolutizada e dele distanciada. Assim, o homem aliena-se de si mesmo ao criar e colocar acima de si um ser superior estranho e imaginado, e ao curvar-se ante ele, como escravo. A desalienação do homem consiste na abolição daquela imagem “estranhada” do homem que é Deus. O conceito de alienação de Feuerbach foi criticado e ampliado primeiramente por Moses Hess, mas uma crítica, na mesma linha, foi realizada de maneira mais completa e profunda pelo então amigo mais jovem de Hesse, Karl Marx (especialmente nos Manuscritos econômicos e filosóficos). Marx louvou Hegel por ter considerado “a autocriação do homem como um processo, a objetificação como a perda do objeto, como alienação e transcendência dessa alienação (…)” (Terceiro Manuscrito). Mas criticou Hegel por ter identificado a objetificação com a alienação e por ter considerado o homem como autoconsciência e a alienação do homem como a alienação de sua consciência: “Para Hegel, a vida humana, o homem, é equivalente à autoconsciência. Toda alienação da vida humana não passa, portanto, de alienação da autoconsciência (…). Toda reapropriação da vida objetiva alienada surge, portanto, como uma incorporação na autoconsciência” (ibid.). Marx concordava com a crítica de Feuerbach à alienação religiosa, mas ressaltava que esta é apenas uma entre as várias formas de alienação humana. O homem não só aliena parte de si mesmo na forma de Deus, como também aliena outros produtos de sua atividade espiritual na forma de filosofia, senso comum, arte, moral; aliena os produtos de sua atividade econômica na forma da mercadoria, do dinheiro, do capital; e aliena produtos de sua atividade social na forma do Estado, do direito, das instituições sociais. Há muitas formas nas quais o homem aliena de si mesmo os produtos de sua atividade e faz deles um mundo de objetos separado, independente e poderoso, com o qual se relaciona como um escravo, impotente e dependente. Mas o homem não só aliena de si mesmo seus próprios produtos, como também se aliena a si próprio da atividade mesma pela qual esses produtos são criados, da natureza na qual vive e dos outros homens. Todos esses tipos de alienação são, em última análise, a mesma coisa: são aspectos diferentes, ou formas, da alienação do homem, formas diferentes da alienação que se produz entre o homem e a sua “essência” ou sua “natureza” humana, entre o homem e sua humanidade. Assim como o trabalho alienado [1] aliena do homem a natureza e [2] aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital, ele o aliena da própria espécie (…) [3] (…). Ele (o trabalho alienado) aliena do homem o seu próprio corpo, sua natureza externa, sua vida espiritual e sua vida humana (…). [4] Uma consequência direta da alienação do homem com relação ao produto de seu trabalho, a sua atividade vital e à vida de sua espécie é o fato de que o homem se aliena dos outros homens (…). Em geral, a afirmação de que o homem está alienado da vida de sua espécie significa que todo homem está alienado dos outros e que todos os outros estão igualmente alienados da vida humana (…). Toda alienação do homem de si mesmo e da natureza surge na relação que ele postula entre outros homens, ele próprio e a natureza. (Manuscritos econômicos e filosóficos, Primeiro Manuscrito) A crítica (o desmascaramento) da alienação não foi um fim em si mesmo para Marx. Seu objetivo era preparar o caminho para uma revolução radical e para a realização do comunismo, compreendido como “a reintegração do homem, seu retorno a si mesmo, a superação da alienação do homem”, como “a abolição positiva da propriedade privada, da alienação humana e, com isso, como a apropriação real da natureza humana através do homem e para o homem (Terceiro Manuscrito). Embora as expressões alienação e desalienação não sejam muito usadas nos últimos escritos de Marx, todos eles, inclusive O Capital, apresentam uma crítica do homem e da sociedade alienados existentes, e encerram um apelo à desalienação. E há pelo menos uma grande obra da fase final de Marx, os Grundrisse, em que a terminologia da alienação é amplamente usada. Os Manuscritos econômicos e filosóficos foram publicados pela primeira vez em 1932 e os Grundrisse, publicados em 1939, só se tornaram acessíveis na prática depois de sua reedição em 1953. Talvez essas tenham sido algumas das principais razões “teóricas” (houve também razões práticas) para que fossem negligenciados os conceitos de alienação e desalienação em todas as interpretações de Marx (e na discussão filosófica em geral) durante o final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Alguns aspectos importantes da alienação foram examinados pela primeira vez em Geschichte und Klassenbewusstsein (História e consciência de classe), de Lukács, que aprofundou a discussão da REIFICAÇÃO, mas não há nenhum estudo geral e explícito da alienação no livro. Assim, a temática só foi retomada depois da publicação dos Manuscritos econômicos e filosóficos em 1932. Marcuse (1932) foi dos primeiros a ressaltar a importância dos Manuscritos e a chamar a atenção para o conceito de alienação que apresentavam. Auguste Cornu (1934) foi dos primeiros a estudar o “jovem Marx” de maneira mais cuidadosa, e Henri Lefebvre (1939) talvez tenha sido o primeiro a tentar introduzir o conceito de alienação na interpretação tradicional de Marx. Uma discussão mais geral e aprofundada da alienação teve início depois da Segunda Guerra Mundial. Dela participaram não só autores marxistas, mas também pensadores existencialistas e personalistas, e não apenas filósofos, mas também psicólogos (particularmente psicanalistas), sociólogos, críticos literários e escritores. Entre os não marxistas, Martin Heidegger foi quem deu um importante impulso à discussão da alienação. Em Sein und Zeit (O Ser e o Tempo, 1927), ele usou Entfremdung para descrever um dos traços básicos do modo inautêntico do Ser do homem, e em 1947 ressaltou a importância da alienação. Certos autores viram uma analogia entre o conceito de alienação de Marx e a noção de Seinsvergessenheit de Heidegger e também entre a concepção marxista de revolução e o conceito de Kehre de Heidegger. Novas perspectivas igualmente importantes foram propostas por Jean-Paul Sartre, que pensou a “alienação” tanto em sua fase existencialista como em sua fase marxista; por P. Tilich, em cuja combinação de teologia protestante, filosofia existencial e marxismo o conceito de alienação tem papel importante; por Alexandre Kojève, que interpretou Hegel com a ajuda de indicações do jovem Marx; por Jean Hyppolite, que examinou a alienação (especialmente a relação entre esta e a objetificação) em Hegel e Marx; por Jean-Yves Calvez, cuja crítica a Marx, de um ponto de vista cristão, baseou-se numa interpretação do pensamento de Marx como crítica de diferentes formas de alienação, e por Hans Barth, cuja discussão da relação entre verdade e ideologia envolve um exame detalhado da questão. Entre os marxistas, Lukács estudou a alienação em Hegel (particularmente no jovem Hegel) e em Marx e tentou especificar seu próprio conceito de alienação (e sua relação com a reificação). Ernst Bloch valeu-se do conceito sem nele insistir particularmente, tentando estabelecer uma distinção clara entre Entfremdung e Verfremdung. Finalmente, Erich Fromm não só estudou cuidadosamente o conceito de alienação em Marx, como também fez dele uma chave para a análise, em seus trabalhos sociológicos, psicológicos e filosóficos. Os marxistas que tentaram reviver e desenvolver a teoria da alienação de Marx nas décadas de 1950 e 1960 foram muito criticados pelo seu idealismo e pelo seu hegelianismo: de um lado, pelos representantes da versão oficial (stalinista) de Marx e, de outro, pelos chamados marxistas estruturalistas (por exemplo, Louis Althusser). Esses adversários da teoria da alienação insistiram em que aquilo que era chamado de alienação no jovem Marx era denominado, de maneira muito mais adequada, em obras posteriores, por termos científicos propriedade privada, dominação de classe, exploração, divisão do trabalho, etc. Mas argumentou-se em resposta que os conceitos de alienação e desalienação não podem ser totalmente reduzidos a nenhum (ou a todos) dos conceitos apresentados para substituí-lo e que, para uma interpretação verdadeiramente revolucionária de Marx, aquele conceito era indispensável. Em consequência desses debates, o número de marxistas que ainda se opõem a qualquer uso do conceito de alienação diminuiu consideravelmente. Muitos dos que estavam prontos a aceitar o conceito de alienação de Marx não aceitavam o conceito de alienação de si, que lhes parecia não histórico, porque deixa implícita a existência de uma essência ou natureza humana fixa e inalterável (ver NATUREZA HUMANA). Argumentou-se, em contraposição a tal concepção, que a alienação de si mesmo devia ser considerada não como uma alienação de uma natureza humana factual ou ideal (“normativa”), mas como alienação das possibilidades humanas criadas historicamente, em especial da capacidade humana de liberdade e criatividade. Assim, em lugar de sustentar uma interpretação estática ou não histórica do homem, a ideia de alienação de si traz um clamor pela renovação constante e pelo desenvolvimento do homem. Esse aspecto foi bastante ressaltado por Kangrga: ser autoalienado significa “ser autoalienado de simesmo como obra (Werk) de si mesmo, da autoatividade, da autoprodução, da autocriação; ser alienado da história como práxis humana e como um produto humano” (1967, p.27). Assim, “o homem está alienado ou autoalienado quando não se está tornando um homem” e isso ocorre quando “aquilo que ele é e foi é tomado como a verdade única e autêntica”, ou quando o homem opera “dentro de um mundo já feito e não atua de uma maneira prática e crítica (em um sentido revolucionário)” (1967, p.27). Outro aspecto controverso é se a alienação aplica-se em primeiro lugar aos indivíduos ou à sociedade como um todo. De acordo com os que a consideram como aplicável em primeiro lugar aos indivíduos, o desajustamento do homem à sociedade na qual vive é indício de sua alienação. Já, por exemplo, Fromm (1955) argumentou que uma sociedade também pode estar enferma ou alienada, de modo que o homem não adaptado à sociedade existente não está necessariamente “alienado”. Muitos dos que consideram a alienação como uma forma aplicável apenas às pessoas ainda a tornam mais limitada, vendo-a como um conceito exclusivamente psicológico, que se refere a um sentimento ou estado de espírito. Assim, de acordo com Eric e Mary Josephson, a alienação é “um sentimento individual, ou um estado de dissociação do eu dos outros e do mundo em geral” (Josephson e Josephson 1962, p.191). Outros autores ainda insistiram em que a alienação não é simplesmente um sentimento, mas em primeiro lugar um fato objetivo, uma maneira de ser. Dessa forma, A.P. Ogurtsov, na Enciclopédia de filosofia soviética define alienação como “a categoria filosófica e sociológica que expressa a transformação objetiva da atividade do homem e de seus resultados numa força independente, que o domina e lhe é contrária, e também a correspondente transformação do homem de sujeito ativo em objeto do processo social”. Alguns dos autores que caracterizam a “alienação” com um estado de espírito consideram-na como um fato ou conceito da psicopatologia; outros insistem em que, embora a alienação não seja “boa” ou desejável, não é rigorosamente patológica. Acrescentam muitas vezes que deve haver uma distinção entre a alienação e dois conceitos correlatos, mas não idênticos – anomia e desorganização pessoal. “A alienação refere-se ao estado psicológico de um indivíduo caracterizado por sentimentos de distanciamento, enquanto a anomia se refere à relativa anormalidade de um sistema social. A desorganização pessoal refere-se ao comportamento desordenado resultante de conflito interno no indivíduo” (M. Levin, in Josephson e Josephson 1962, p.228). A maioria dos teóricos da alienação estabeleceram uma distinção entre diferentes formas desse fenômeno. Por exemplo, Schaff (1980) encontra duas formas básicas: alienação objetiva (ou simplesmente alienação) e alienação subjetiva (ou autoalienação). E. Schachtel vê quatro formas (a alienação do homem em relação à natureza, em relação a seus semelhantes, em relação ao trabalho de suas mãos e espíritos, e em relação a si mesmo). M. Seeman aponta quatro outras (impotência, falta de significação, isolamento social, falta de norma e autodistanciamento). Cada uma dessas classificações tem méritos e deméritos. Assim, em lugar de tentar compilar uma lista completa dessas formas, alguns estudiosos procuraram esclarecer os critérios básicos segundo os quais tais classificações deveriam ser (ou foram, na realidade) feitas. Uma questão muito discutida é se a autoalienação é uma propriedade essencial, imperecível, do homem enquanto homem, ou se é característica apenas de uma fase histórica da evolução humana. Alguns filósofos (em particular os existencialistas) sustentaram que a alienação é um momento estrutural permanente da existência humana. Além de sua existência autêntica, o homem também leva uma existência não autêntica, sendo ilusório esperar que ele algum dia poderá viver apenas autenticamente. A concepção oposta é a de que o ser humano, originalmente não alienado, no curso de sua evolução alienou-se de si mesmo, mas voltará, no futuro, a si mesmo. Tal concepção encontrase em Engels e em muitos pensadores marxistas de hoje; o próprio Marx parece ter achado que o homem sempre fora, até então, alienado, mas não obstante poderia e deveria voltar a vir a ser ele mesmo. Entre os que aceitaram a concepção de que o comunismo é uma desalienação houve diferentes perspectivas sobre as possibilidades, limites e formas da desalienação. Assim, de acordo com uma das respostas disponíveis, a desalienação absoluta é possível: toda alienação – social e individual – pode ser abolida de uma vez por todas. Os representantes mais radicais desse ponto de vista otimista afirmam até mesmo que toda alienação já foi eliminada em princípio dos países socialistas, onde só existe sob a forma de insanidade individual ou como um “resquício de capitalismo” insignificante. Não é difícil ver os problemas dessa interpretação. A desalienação absoluta só seria possível se a humanidade fosse alguma coisa definitiva e inalterável. E, de um ponto de vista factual, é fácil ver que, naquilo que se chama de “socialismo”, não só formas antigas de alienação, mas também muitas formas “novas”, existem. Assim, contra os defensores da desalienação absoluta sustentou-se que só é possível uma desalienação relativa. De acordo com tal concepção, não é possível eliminar toda a alienação, mas pode-se criar uma sociedade basicamente não alienada que estimule o desenvolvimento de indivíduos não autoalienados, realmente humanos. Dependendo da interpretação da essência da alienação, os meios recomendados para a sua superação também têm sido distintos. Aqueles que consideram a autoalienaçãocomo um fato “psicológico” questionam a importância, e até mesmo a relevância, de qualquer modificação externa nas “circunstâncias” e sugerem que o esforço moral do indivíduo, “uma revolução interior”, é a única cura. E aqueles que consideram a autoalienação como um fenômeno neurótico são coerentes ao oferecer para ela um tratamento psicanalítico. No outro extremo, estão os filósofos e sociólogos que se aferram a essa variante degenerada do marxismo que é o “determinismo econômico” e consideram os indivíduos como produtos passivos da organização social (e em particular, da econômica). Para esses autores marxistas, o problema da desalienação reduz-se ao problema da transformação social, e este ao problema da abolição da propriedade privada. Em contraposição às duas interpretações apresentadas acima, foi proposta uma terceira concepção, em que a desalienação da sociedade está intimamente ligada à desalienação dos indivíduos, de tal modo que é impossível realizar uma sem a outra, ou reduzir uma à outra. É possível criar um sistema social que seja favorável ao desenvolvimento de pessoas desalienadas, mas não é possível organizar uma sociedade que produzisse automaticamente tais pessoas. Um indivíduo só se pode transformar num ser não alienado, livre e criativo por meio de sua própria atividade. Mas não só a desalienação não pode ser reduzida à desalienação da sociedade, como esta, por sua vez, não pode ser concebida simplesmente como uma mudança na organização da economia que será seguida automaticamente por uma mudança em todas as outras ou aspectos da vida humana. Longe de ser um dado eterno da vida social, a divisão da sociedade em esferas mutuamente independentes e conflitantes (economia, política, direito, artes, moral, religião, etc.) e a predominância da esfera econômica são, segundo Marx, características de uma sociedade alienada. A desalienação da própria sociedade é, portanto, impossível, sem a abolição da alienação que as diferentes atividades humanas guardam umas das outras. Igualmente, o problema da desalienação da vida econômica não pode ser resolvido pela simples abolição da propriedade privada. A transformação desta em propriedade estatal não introduz uma transformação essencial na situação do trabalhador ou do produtor. A desalienação da vida econômica também exige a abolição da propriedade estatal com sua transformação em propriedade social real, e isso não se pode realizar sem que se organize a totalidade da vida social com base na autogestão dos produtores imediatos. Mas, se a autogestão dos produtores é uma condição necessária da desalienação da vida econômica, ela não é, por si, condição suficiente. Não resolve automaticamente o problema da desalienação na distribuição e no consumo, e não é em si suficiente nem mesmo para desalienar a produção. Certas formas da alienação da produção têm suas raízes na natureza dos meios modernos de produção e por isso não podem ser eliminadas por uma mera mudança da forma de gerir a produção. 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